quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Acerca da ordem do culto público [1523]

Por Martinho Lutero

O serviço de adoração que agora está em uso comum em todos os lugares remonta ao começo genuíno cristão, e do mesmo modo, o ofício da pregação. Mas assim como este foi pervertido pelos tiranos espirituais, assim o culto foi corrompido pelos hipócritas. Do mesmo modo que não abolimos por essa causa o ofício da pregação, senão que buscamos restaurá-lo outra vez ao seu lugar correto e próprio, muito menos é nossa intenção eliminar o culto, mas sim restaurá-lo novamente ao seu uso devido.

Três sérios abusos foram introduzidos no culto. Primeiro, silenciou-se a Palavra de Deus, e permaneceram somente a leitura e o cântico nas igrejas, o qual é o pior abuso. Segundo, quando se silencio a Palavra de Deus introduziram uma multidão de fábulas e mentiras não cristãs, com lendas, hinos e sermões que é algo horrível de suportar. Terceiro, tal culto divino se converteu numa obra pela qual se poderia ganhar a graça de Deus e a salvação. Como resultado, desapareceu a fé e todos se esforçavam por entrar no sacerdócio, encheram os conventos e os monastérios, e construíram igrejas.

Agora para corrigir estes abusos, primeiro deve-se saber que uma congregação cristã nunca deve se reunir sem a pregação da Palavra de Deus e a oração, ainda que seja breve, como diz o Salmo 102.21-22: "Para que publique em Sião o nome de Jehová, e seu louvor em Jerusalém, quando os povos e os reinos se congregarem para servir a Jehová". E Paulo em 1 Coríntios 14 diz que quando se reunirem deverá haver profecia, ensino e admoestação. Assim, quando não há pregação da Palavra de Deus, melhor que nem se cante, nem leiam, nem sequer se reúnam.

Este foi o costume entre os cristãos do tempo dos apóstolos e também se deve praticar agora. Devemos nos reunir diariamente às quatro ou cinco da manhã e os alunos, ou sacerdotes, ou quem quiser, para ler a Palavra de Deus, da maneira em que, todavia, se lê a lição matinal; isto o devem fazer um ou dois, ou de modo responsivo entre dois indivíduos ou coros, como melhor lhes parecer.

Logo o pregador, ou quem quer que seja que se tenha nomeado, se adiantará e interpretará uma parte da lição, para que todos entendam e a aprendam e sejam admoestados. Ao primeiro Paulo chama "falar em línguas", ao outro o chama "interpretar" ou "profetizar", ou "falar com o sentido ou entendimento". Se não fizerem assim, a congregação não receberá o benefício da lição, como ocorre nos monastérios e nos conventos, onde somente gritavam às paredes.

A lição deve ser extraída do Antigo Testamento. Deve-se selecionar um dos livros e ler um ou dois capítulos, ou a metade de um capítulo até terminar o livro. Depois selecionar outro livro, e prosseguir assim até que se faça a leitura de toda a Bíblia. E quando não se entender o texto, seguir adiante, e dar glória a Deus. Assim com o treinamento diário o povo cristão chegará a estar adestrado e bem versado na Bíblia. Porque deste modo se formaram cristãos genuínos como nos tempos anteriores - tanto virgens como mártires poderão se formar hoje.

Após a duração de meia hora ou algo assim, a lição e sua interpretação, a congregação se unirá em dar graças a Deus, louvá-lo, e orar pelos frutos da Palavra, etc. Para isto debem usar os Salmos e alguns bons responsórios e antífonas. Em resumo, que tudo termine em uma hora, ou o tempo que for conveniente; porque não se deve sobrecarregar as almas, nem cansá-las, como sobrecarregam como mulas nos monastérios e conventos atualmente.

Desse modo, reúnam-se às cinco ou seis da tarde. A esta hora realmente se deve ler outra vez o Antigo Testamento, livro por livro, ou seja, os profetas, assim como Moisés e os livros históricos se consideram na manhã. Mas sendo que também o Novo Testamento é um livro, permito a leitura do Antigo Testamento na manhã e do Novo Testamento à tarde, ou vice e versa, e a leitura, interpretação, louvor, cânticos e oração pela manhã, também por uma hora. Porque a única coisa importante é que se permita trabalhar a Palavra de Deus para elevar e vivificar as almas para que não se cansem. Se desejarem celebrar outro culto similar durante o dia, após o almoço, é um assunto de livre escolha. E ainda que toda a congregação não participe destes cultos diários, os sacerdotes e alunos, e especialmente aqueles de quem se espera, que serão bons pregadores e pastores, devem estar presentes. E deve-se admoestá-los a fazer isto voluntariamente, não por constrangimento ou forçados, ou para obter um prêmio temporal ou eterno, mas somente para a glória de Deus e o bem-estar do próximo.

Além destes cultos diários para um grupo mais reduzido, toda a congregação deve se reunir aos Domingos, e deve cantar a missa e vésperas como é de costume. Em ambos os cultos se pregará para toda a congregação, na parte da manhã sobre o evangelho do dia, e à tarde sobre a epístola; ou o pregador pode usar seu discernimento para determinar se quer pregar sobre certo livro, ou dois. Se alguém deseja receber o sacramento neste tempo, que seja administrado num horário que seja conveniente a todos os interessados.

Devem descontinuar completamente as missas diárias. Porque a Palavra é mais importante e não a missa. Mas se alguém desejar o sacramento durante a semana, que se celebre a misa quando houver a inclinação e a oportunidade. Porque neste assunto não se pode estabelecer regras definitivas.

Que se retenham os cantos nas missas dominicais e vésperas, mesmo que sejam bastante boas e tomadas da Escritura. Todavia, pode-se aumentar ou diminuir o seu número. Mas selecionar os cânticos para os cultos diários da manhã e à tarde será o dever do pastor e pregador. Porque cada manhã determinará um responsório, ou antífona, digno com uma coleta, e o mesmo para a tarde, e com isto se lerá e cantará publicamente após a lição e exposição. Mas momentaneamente podemos eliminar as antífonas, responsórios, e as coletas, do mesmo modo que as lendas dos santos e da cruz, até que sejam purificados, porque há uma terrível quantidade de imundícia neles.

As festas dos santos devem ser descontinuadas, ou onde houver uma boa lenda cristã, se poderá insertar como um exemplo após a leitura do evangelho do Domingo. Podem continuar as festas da purificação e a anunciação de Maria, e pelo momento também sua assunção e natividade, ainda que os cânticos que são usados nelas não sejam puros. A festa de João Batista também é pura. Nenhuma das lendas dos apóstolos é pura, exceto a de são Paulo. Podem ser transferidas para o Domingo mais próximo, ou celebrar separadamente, se assim desejarem.

Outros assuntos se ajustarão segundo surja a necessidade. Para resumir tudo: que tudo se faça para que a Palavra tenha liberdade de atuar, em vez de palavrear como é a regra até agora. Podemos deixar tudo, menos a Palavra. Por outro lado, nada é tão proveitoso como a Palavra. Porque toda a Escritura mostra que a Palavra deve ter liberdade para atuar entre os cristãos. E em Lucas 10, o próprio Cristo disse: "uma coisa é necessária", ou seja, que Maria se sentasse aos pés de Cristo e ouvisse diariamente a sua palavra. Esta é a melhor parte para escolher e nunca lhe será tirada. É uma palavra eterna. Tudo o mais passará, não importa quanto cuidado e esforço Marta dê. Deus nos ajude a alcançar isso. Amém.

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