Questões a serem discutidas em Lausanne
na nova província de Berna
em 1 de Outubro de 1537
I
A Sagrada Escritura ensina apenas uma maneira de justificação, que é pela fé em Jesus Cristo, de uma vez por todas oferecida, e não é senão um destruidor de toda a virtude de Cristo, quem faz outra satisfação, oferta ou purificação para a remissão de pecados.
II
Esta Escritura reconhece a Jesus Cristo, que ressuscitou dos mortos e está no céu à direita do Pai, como o único chefe e verdadeiro sacerdote, mediador soberano e verdadeiro defensor da sua Igreja.
III
A Sagrada Escritura chama de Igreja de Deus todos os que creem que são recebidos somente pelo sangue de Jesus Cristo e que, creem com constância e sem vacilar, firmam e apoiam-se na Palavra, que, retirando-se de entre nós em presença corpórea, todavia, a virtude de seu Espírito Santo enche, sustenta, governa e vivifica todas as coisas.
IV
A referida Igreja contém certas coisas que são conhecidas apenas para os olhos de Deus. Possui sempre cerimônias ordenadas por Cristo, através das quais é visto e conhecido, isto é, o Batismo e a Ceia de nosso Senhor, que são chamados sacramentos, pois são símbolos e sinais de coisas secretas, isto é, da graça divina. A referida Igreja não reconhece nenhum ministério, exceto o que prega a Palavra de Deus e administra os sacramentos.
VI
Além disso, esta mesma Igreja não recebe nenhuma outra confissão além daquela que é feita a Deus, nenhuma outra absolvição do que aquela que é dada por Deus para a remissão dos pecados e que, por si só, perdoa e remete seus pecados que, para esse fim, confessam a sua culpa.
VII
Além disso, esta mesma Igreja nega todas as outras formas e meios de servir a Deus, além do que é espiritualmente ordenado pela Palavra de Deus, que consiste no amor de si mesmo e do próximo. Por isso, rejeita inteiramente os inúmeros esforços fúteis de todas as cerimônias que pervertem a religião, como imagens e coisas semelhantes.
VIII
Também reconhece o magistrado civil ordenado por Deus apenas como necessário para preservar a paz e a tranquilidade do Estado. Para que fim, deseja e ordena que todos sejam obedientes a medida em que nada é ordenado contrário a Deus.
IX
Em seguida, afirma que o casamento é instituído por Deus para todas as pessoas como adequado e conveniente a elas, e não infringe a santidade de ninguém.
X
Finalmente, quanto às coisas que são indiferentes, como alimentos, bebidas e a observação dos dias, permite que tudo o que o homem crê que possa usar em todos os momentos de forma livre, a não ser o que a sabedoria e a caridade impeçam.
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quinta-feira, 23 de maio de 2019
quarta-feira, 26 de março de 2014
A Fé Cristã por Theodore Beza (1519-1605)
Cremos no Espírito Santo; Ele é o poder essencial do Pai e do Filho (Gn 1:2). Ele habita nEles e é coeterno e consubstancial com Eles; Ele procede dEles (Jo 14:16,26; 16:7-15). Ele é um Deus com Eles (Rm 8:9-11; At 5:3-4; 1 Co 12:4-8; 3:16) e é uma Pessoa distinta do Pai e do Filho (Mt 28:19). Isto é o que a Igreja tem bem firmado, pela Palavra de Deus, opondo-se a Macedonius (que viveu no quarto século, e negou a divindade do Espírito Santo. Sua heresia foi condenada no Concílio de Constantinopla em 381 AD) e outros hereges semelhantes. Seu infinito poder é demonstrado na criação e preservação de todas as criaturas, desde o começo do mundo (Gn 1:2; Sl 104:29,30). Mas neste tratado, consideraremos especialmente os efeitos que Ele produz nos filhos de Deus; como, juntamente com a fé, Ele os conduz às graças de Deus para torná-los conscientes da eficácia e poder delas (Rm 8:12-17; 1 Co 2:11,12; 1 Jo 4:13); resumindo, como Ele os conduz, mais e mais, ao fim e propósito para os quais eles foram predestinados antes da fundação do mundo (Ef 1:3-4).
Somente pela fé, o Espírito Santo nos torna participantes de Jesus Cristo
O Espírito Santo, portanto, é Aquele através de quem o Pai estabelece e mantêm Seus elei-tos na posse de Jesus Cristo, Seu Filho e, conseqüentemente, de todas as graças necessárias à salvação deles. Mas é necessário, em primeiro lugar, que o Espírito Santo nos torne propícios e prontos a receber Jesus Cristo. Isto é o que Ele faz criando em nós, por meio de Sua pura bondade e divina misericórdia, aquilo que chamamos ‘fé’ (Ef 1:17; Fp 1:29), o único instrumento pelo qual tomamos posse de Jesus Cristo quando Ele é ofertado a nós, o único recipiente para recebê-Lo (Jo 3:1-13, 33-36).
Os meios que o Espírito Santo usa para produzir e preservar nossa fé
Objetivando criar em nós este instrumento de fé, e também para nutrir e fortalecê-lo mais e mais, o Espírito Santo usa dois meios ordinários (...): a pregação da Palavra de Deus e Seus sacramentos (Mt 29:19-20; At 6:4; Rm 10:17; Tg 1:18; 1 Pe 1:23-25). Mais adiante re-tornaremos a este assunto; em primeiro lugar definiremos o que esta tão preciosa fé é e quais são seus efeitos e poderes.
O que é fé e em que sentido ela é necessária
Somos daí tão inimigos de nossa própria salvação, por causa da nossa corrupção natural (Rm 8:7; 1 Co 2:14), que se Deus tivesse Se contentado meramente em nos comunicar que acharíamos nossa salvação em Jesus Cristo, somente zombaríamos disto; assim tem o mundo sempre feito e assim fará até o fim (1 Co 1:23-25; Jo. 10:20; At. 2:13; Lc 23:35). Mais ainda, se Ele também nada mais acrescentasse além do que nos comunicar que os meios pelos quais experimentamos a eficácia deste remédio contra morte eterna é crer em Jesus Cristo, isto de nada nos aproveitaria (Jo 3: 5-6). Pois, nestas coisas, somos mais do que mudos (Sl. 51:15; Is. 6:5; Jr 1:6), surdos (Sl 40:6; Jo 8:47; Mt. 13:13), e cegos pela corrupção de nossa natureza (Jo 1:5; 3:3; 9:41). Não seria possível para nós até mesmo desejar acreditar, mais do que seria para um homem morto, voar (Jo 12:38, 39; 6:44). É necessário, portanto, que com tudo isto, o bom Pai, que nos escolheu para Sua glória, viesse multiplicar Sua misericórdia para com Seus inimigos. Declarando para nós que Ele tem dado Seu único Filho de forma que todo aquele que se apossa dEle, pela fé, não pereça (Jo 3:16), Ele também cria em nós este instrumento de fé que Ele requer de nós. Assim sendo, a fé de que falamos não consiste somente em crer que Deus é Deus e que o conteúdo de Sua Palavra é verdadeiro - de fato, os demônios têm esta fé, e ela somente os faz tremer (Tg 2:19). Mas, chamamos de fé um certo conhecimento que, somente por Sua graça e bondade, o Espírito Santo grava, mais e mais, no coração dos eleitos de Deus (1 Co 2:6-8).
(...) Fé, eu digo, não somente crê que Jesus Cristo morreu e ressuscitou pelos pecadores, mas também recebe Jesus Cristo (Rm 8:16, 39; Hb 10:22, 23; 1 Jo 4:13; 5:19, etc). Todo aquele que verdadeiramente crê, confia somente nEle e está certo de sua salvação, ao ponto de não mais duvidar dela (Ef 3:12). Daí porque St. Bernardo disse, em conformidade com toda a Escritura, que: “Se você crê que seus pecados não podem ser encobertos, exceto por Aquele contra quem você tem pecado, você faz bem. Mas acrescente ainda um ponto: creia que seus pecados tem sido perdoados por Ele. Este é o testemunho que o Espírito Santo concede aos nossos corações, dizendo: ‘Seus pecados estão perdoados’”.
O objeto e poder da verdadeira fé
Visto que Jesus Cristo é o objeto da fé, assim como Ele nos é apresentado na Palavra de Deus, seguem-se daí dois pontos que deveriam ser bem considerados. De um lado, onde não há Palavra de Deus mas somente a palavra de homem, quem quer que seja, lá não há fé, mas somente uma fantasia ou uma opinião que não pode falhar em nos enganar (Rm 10:2-4; Mc 16:15; Rm 1:28; Gl 1:8-9). Por outro lado, a fé aceita e apropria Jesus Cristo e tudo que está nEle, visto que Ele nos foi entregue na condição de crermos nEle (Jo 17:20, 21; Rm 8:9). Daí seguem-se uma ou duas coisas: ou tudo que é necessário para nossa salvação não está em Jesus Cristo, ou se tudo está de fato lá, aquele que tem a Jesus Cristo pela fé, tem tudo. Ora, dizer que tudo que é necessário para nossa salvação não está em Jesus Cristo é uma horrível blasfêmia, pois isto somente faria dEle um Salvador parcial (Mt 1:21). Daí resta, portanto a outra parte: tendo Jesus Cristo, pela fé, temos nEle tudo que é requerido para nossa salvação (Rm 5:1). Isto é o que o apóstolo diz: “Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus”(Rm 8:1)
Como devemos entender “Somos justificados pela fé somente”.
Aqui está a explicação de nossa justificação pela fé somente: a fé é o instrumento que recebe Jesus Cristo e, consequentemente, recebe Sua justiça, o que significa, toda a perfeição. Quando, portanto, acompanhando o Apóstolo Paulo (Rm 1:17; 3:21-27; 4:3; 5:1; 9:30-33; 11:6; Gl. 2:16-21; 3:9, 10,18; Fp 3:9, 2 Tm 1:9; Tt 3:5; Hb 11:7), dizemos que somos justificados pela fé somente, não queremos dizer que a fé é um mérito nosso que nos faz justos diante de Deus, pois isto seria colocar a fé no lugar de Jesus Cristo que é nossa per-feita e completa justiça. Porém, dizemos juntamente com o apóstolo, que somente pela fé somos justificados, à medida que ela aceita Aquele que nos justifica, Jesus Cristo, a quem nos une e ajunta. Nós somos, então, feitos participantes dEle e dos benefícios que Ele pos-sui. Estes, nos sendo imputados e doados, são mais do que suficientes para nos tornar ino-centes e justos diante de Deus.
Ter certeza da salvação através da fé em Jesus Cristo não é, de forma alguma, arrogância ou presunção.
Está estabelecido que estar certo da salvação através da fé, não é nem presunção, nem arrogância, mas, pelo contrário, é o único meio de despojar alguém de todo orgulho, para dar toda glória a Deus (Rm 8:16,38; Ef 3:12; Hb 10:22,23; 1 Jo 4:13; 5:19; Rm 3:27; 4:20; 1 Co 4:4; 9:26,27). Porque somente a fé nos ensina a desistir de nós mesmos e nos compele a, sinceramente, reconhecer que em nós não há nada, exceto motivo para completa maldição. Assim ela nos manda para Jesus Cristo e nos ensina e assegura que encontraremos salvação diante de Deus somente através da Sua justiça. Verdadeiramente, tudo o que está em Jesus Cristo, ou seja, toda a justiça e perfeição (nEle não há pecado e mais ainda, Ele cumpriu toda a justiça da Lei), é colocado na nossa conta e doado a nós como se fosse nosso, desde que nós O aceitemos pela fé. Daí porque St. Bernardo disse: “O testemunho de nossa consciência é nossa glória: não o testemunho que a mente enganada, enganando seu dono, fornece de si mesma para a vanglória farisaica (Lc 18:11,12); este testemunho não é verdadeiro. Mas o testemunho dado pelo Espírito Santo ao nosso espírito é verdadeiro”.
A fé encontra em Jesus Cristo tudo o que é necessário para salvação
Este tópico requer uma exposição detalhada para que saibamos se, através da fé, nos apos-samos do remédio suficiente para nos assegurar, completamente, a vida eterna, de acordo com a passagem bíblica “O justo viverá pela fé” (Hc 2:4; Rm 1:16,17; Gl 3:11). Dizemos, portanto, que tudo que obstrui a comunhão do homem com Deus, que é perfeitamente justo e bom, repousa em três aspectos. Porém, a vista de cada um deles, encontramos o remédio, não em nós mesmos, mas em Jesus Cristo e em tudo que Ele tem, desde que estejamos unidos a Ele comungando de todos os benefícios (Jo 17:9-11, 20-26). Este é o motivo pelo qual a Igreja, ou seja, a assembléia dos crentes, é chamada de esposa de Jesus Cristo, seu marido (Rm 7:2-6; 8:35; 2 Co 11:2; Ef 5:31,32); é para, mais claramente, mostrar a grandeza da união e comunhão existente entre Jesus Cristo e aqueles que, pela fé, se confiam a Ele. Pois, em virtude desta união e casamento espiritual pela fé, Ele toma toda nossa miséria sobre si e nós recebemos dEle todos os Seus tesouros, pela Sua pura bondade e misericórdia. Isto é o que veremos agora.
O meio que a fé encontra somente em Jesus Cristo contra o primeiro assalto da primeira tentação: “A multidão de nossos pecados”. A segurança que podemos ter sobre este ponto concernente aos santos ou a nós mesmos.
Em primeiro lugar, Satanás e nossa consciência, para demonstrar que somos verdadeira-mente indignos de sermos salvos e bastante dignos de perecer, coloca, em primeiro plano, a natureza de Deus, perfeitamente justo e grande inimigo e vingador de toda a iniquidade. É verdade que estamos cobertos com pecados mil, portanto, segue-se a esta conclusão, que nada mais há para nós fazermos do que esperar pelo salário do pecado, ou seja, morte eterna (Rm 6:23). O que os homens poderiam argumentar contra esta conclusão de Satanás e de suas consciências? Certamente, nada que pudesse ajudar, a menos que seja o que temos tratado. Pois se recorressem à misericórdia de Deus, esquecendo Sua justiça, eles estariam se enganando. (...) Se desejarmos, então, no intuito de cobrir nossos pecados, suplicar pelos méritos dos santos:
1) Fazemo-lhes uma grande ofensa; pois Davi escreve “Não entres em juízo com o Teu servo” (Sl 143:2) e, em outra passagem, ele confessa que suas obras não podem ascender a Deus (Sl 16:2). E o que o apóstolo Paulo diz sobre Abraão, esta santa pessoa e pai da fé? “Porque se Abraão foi justificado por obras, tem de que se gloriar, porém não diante de Deus. pois que diz a Escritura? Abraão creu e isso lhe foi imputado para justiça” (Rm 4:2-3). E com relação a si mesmo? “Porque de nada me argui a consciência; contudo, nem por isso me dou por justificado” (1 Co 4:4). Como então podemos suplicar os méritos dos santos para pagar nossos pecados, se eles próprios recorreram à misericórdia de Deus somente, obtida por Jesus Cristo (Fp 3:8)?
2) Mais ainda, se os santos mereceram o paraíso por suas vidas santas (o que não pode ser, tendo em vista que eles próprios testificam o contrário), já não teriam recebido paga por seus méritos? Com que direito, portanto, suplicaríamos a eles, diante de Deus, uma vez mais?
3) Assim, dizer que eles têm tanto mérito que sobraria algum para nós, é chamar de mentira ao que eles deixaram escrito para nós. Mais ainda, não seria como dizer que eles não precisam da morte de Jesus Cristo, visto que eles possuem em si mesmos mais do que o suficiente?
4) Por fim, se eles têm excesso de méritos, como saberemos que eles são nossos? Porque achamos que sim, ou porque o adquirimos? Mas o apóstolo Pedro repreende Simão, o mágico, por esta falsa e maldita troca: “O teu dinheiro seja contigo para perdição, pois julgaste adquirir por meio dele o dom de Deus” (At 8:20).
Aí está como, crendo que honramos os santos, nós, na verdade, os desonramos tanto quanto
possível. Assim sendo, se as obras dos santos não têm nenhum mérito nesta esfera, o que encontraremos em nós, ou em qualquer outro ser vivente, que seja suficiente para nos fortalecer diante dos assaltos de Satanás? Mas, para restringir todas estas falsas imaginações, consideremos os seguintes pontos: Primeiro, não consideraríamos um homem destituído de sensatez por persuadir-se de estar livre de credores, sob o pretexto de ter imaginado que pagou tudo, ou que outra pessoa pagou por ele? Agimos assim em relação a Deus, quando não nos contentamos somente com a obra de Jesus Cristo. Pois, que fundamento tem todo o resto a não ser fantasia de homens, como se Deus devesse achar bom tudo que nos pareça bom. Mas, pelo contrário, ouçamos o que Jesus Cristo diz: “Em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens” (Mt 15:9). E, em outra passagem, “Quando vindes para comparecer perante mim, quem vos requereu o só pisardes os meus átrios?” (Is 1:12). Em segundo lugar, quando dizemos que descansamos unicamente na misericórdia de Deus, mas imaginamos que pagamos por isto, total ou parcialmente, isto não é desdenhar da Sua misericórdia? (Rm 4:4). Em terceiro lugar, não estar contente unicamente com o mérito de Jesus Cristo, mas desejar acrescentar outros ao dEle, não é como se disséssemos que Cristo não é Jesus, ou seja, nosso Salvador, mas somente em parte? (Gl 2:21) Em quarto lugar, não é como despir Deus de Sua perfeita justiça (Rm 3:26) e, consequentemente, de Sua divindade, ousando apresentar em oposição a Sua ira, as obras dos homens, contra as quais tanto poderia ser dito, não importando quão boas elas sejam (Lc 17:10)? Davi disse “Não entres em julgamento com o teu servo” (Sl 143:2).
Vamos, portanto, aprender a contestar de maneira diferente, o argumento de Satanás supra-citado: “Você diz, Satanás, que Deus é perfeitamente justo e vingador de toda a iniquidade; eu creio nisto. Mas eu acrescento outra propriedade de Sua justiça que você deixou de lado: visto que Ele é justo, Ele se satisfez em ter sido pago uma vez. Em seguida você diz que eu tenho uma multidão de iniquidades e que, portanto, mereço morte eterna; eu creio nisto. Mas acrescento o que você, maliciosamente, omitiu: as iniquidades que estão em mim, foram de forma cabal, vingadas e punidas em Jesus Cristo que suportou o julgamento de Deus em meu lugar (Rm 3:25, 1 Pe 2:24). Daí porque, eu chego a uma conclusão completamente diferente da sua. Desde que Deus é justo (Rm 3:26) e não requer duplo pagamento; desde que Jesus Cristo, Deus e homem (2 Co 5:19), satisfez por Sua infinita obediência (Rm 5:19; Fp 2:8), a infinita majestade de Deus (Rm 8:33), segue-se então, que minhas iniquidades não podem mais levar-me à ruína (Cl 2:14); elas já foram removidas da minha conta, pelo sangue de Jesus Cristo que foi feito maldição por mim (Gl 3:13), e sendo justo, morreu pelos injustos (1 Pe 2:24). Logo após, é certo que Satanás saberá bem colocar, diante de nossos olhos, nossas aflições e especialmente a morte (Rm 5:12). Ele alegará que elas são testemunhas que nos mostram que Deus não perdoou nossos pecados. Mas argumentaremos que: primeiro, embora toda aflição e morte tenham entrado no mundo pelo pecado, Deus nem sempre tem em vista os nossos pecados quando Ele nos aflige. Nós deduzimos isto da história de Jó e em outras passagens (Jo 9:3; 1 Pe 2:19; 3:14; Tg 1:2). Mas Ele tem vários propósitos que visam a Sua glória e o nosso benefício, como explicaremos mais tarde. Por outro lado, quando Deus aflige os Seus por seus pecados, mesmo quando Ele chega a fazê-los sentir as dores da morte (Jó 13:15), Ele não está irado contra eles, como um juiz, para condená-los, mas como um Pai que está disciplinando Seus filhos para livrá-los da destruição (2 Co 6:9; Hb 12:6; 2 Sm 7:14), ou para dar exemplo a outros (2 Sm 12:13,14).
O meio que a fé encontra unicamente em Jesus Cristo, contra a segunda investida da primeira tentação: “Somos destituídos de justiça a qual Deus justamente requer de nós”.
Esta é a segunda investida que Satanás pode levantar contra nós por conta de nosso mundanismo: Não é suficiente não ter pecados, ou ter satisfeito a justiça de Deus. Mas outra coisa é necessária: que o homem cumpra toda a Lei, ou seja, que ame a Deus perfeitamente e seu próximo como a si mesmo (Dt. 17:26; Gl 3:10-12; Mt 22:37-40). Trazendo à tona esta questão, Satanás diz a nossa pobre consciência: você sabe bem que não pode escapar da ira e maldição de Deus. Contra esta investida, o que todos os homens tem a seu favor, senão a Jesus Cristo? Pois esta é uma questão de perfeita obediência que nunca foi achada em ninguém, salvo em Jesus Cristo. Aprendamos aqui a nos apropriarmos, uma vez mais, pela fé, de outro tesouro de Jesus Cristo: Sua justiça. Sabemos que Ele cumpriu toda justiça (Mt 3:15; Fp 2:8, Is 53:11). Ele deu obediência perfeita e amor a Deus, Seu Pai, e amou, perfeitamente, Seus inimigos (Rm 5:6-10) sendo feito maldição por eles, como o apóstolo Paulo diz em Gl 3:13; isto significa suportar por eles o julgamento da ira de Deus (Cl 1:22; 2 Co. 5:21). Assim, sendo revestidos com esta perfeita justiça que nos é dada pela fé como se ela fosse nossa (Ef 1:7-8), somos aceitáveis diante de Deus (Jo 1:12; Rm. 8:17) como irmãos e co-herdeiros com Jesus Cristo. Aqui, Satanás necessariamente fechará sua boca, providos da fé para receber Jesus Cristo e todos os benefícios que Ele possui para comunicar aos que nEle creem (Rm 8:33).
O terceiro assalto da mesma tentação:
“A poluição natural, ou pecado original, que está em nós, faz com que Deus nos odeie ainda”
Resta ainda para Satanás, um ataque com esta tentação sobre nosso mundanismo: Embora você tenha satisfeito a pena pelos seus pecados, na pessoa de Jesus Cristo, e está, pela fé, coberto por Sua justiça, você, todavia, é corrupto em sua natureza; nela reside ainda a fonte de todo pecado (Rm 7:17,18). Como então, você ousaria comparecer diante da majestade de Deus que é inimigo de toda perversão, e vê as profundezas do coração (Sl 44:21; Jr 17:10)? Nesta esfera, encontramos mais uma vez, um pronto auxílio em Jesus Cristo so-mente. Devemos confiar nEle. Verdadeiramente nós estamos encerrados neste corpo mortal (Rm 7:24), de modo que não fazemos o bem que queremos, ainda sentimos o pecado que habita em nós (Rm 7;21-23), e a carne que luta contra o Espírito (Gl 5:17). Este é o porquê, com respeito a nós, estamos ainda contaminados no corpo e na alma (1 Co 4:4; Fp 3:9). Mas visto que temos fé, somos unidos (1 Co. 6:17), vinculados (Ef 4:16; Cl 2:19), confirmados (Cl 2:7), enxertados em Jesus Cristo (Rm 6:5). Nele, desde o primeiro momento de Sua concepção no ventre da virgem Maria (Mt 1:20; Lc 1:35), nossa natureza é mais completamente restaurada e santificada (Hb. 2:10,11), do que mesmo quando criada pura em Adão; visto que Adão foi feito somente a imagem de Deus (Gn 1:27; 1 Co 15:47), considerando que Cristo é verdadeiro Deus, que assumiu nossa forma humana, concebido pelo poder do Espírito Santo. Esta santificação da natureza humana em Jesus Cristo é computada como nossa, pela fé. Assim, a corrupção natural remanescente que mesmo depois da regeneração ainda habita em nós, não pode entrar na nossa conta (Rm 8:1-3). O nosso mundanismo está coberto e tragado pela santidade de Jesus Cristo, que é muito mais poderoso para santificar-nos diante de Deus, do que a corrupção natural para nos contaminar.
Auxílio contra a segunda tentação:
“Temos ou não fé?”
Numa segunda tentação Satanás irá então responder que Jesus Cristo não morreu por todos os pecadores, visto que nem todos serão salvos. Temos então que recorrer a nossa fé, e replicar-lhe que na verdade somente crentes receberão o fruto do sofrimento e sacrifício de Jesus Cristo. Mas, ao invés de nos perturbar, isto nos dá segurança, pois sabemos que temos fé (Rm 8:15; 1 Co 2:12-16; 1 Jo 4:13). Como dissemos antes, não é suficiente ter uma crença vaga e confusa que Jesus Cristo veio tirar os pecados do mundo. Mas é necessário que cada pessoa aplique a si mesma, aproprie-se de Jesus Cristo através da fé, de forma que cada uma delas conclua: Estou em Jesus Cristo pela fé, dai porque não posso perecer, e estou certo da minha salvação (Rm 8:1,38,39; 1 Co 2:16; 1 Jo 5:19,20). Assim, para confirmar que repelimos Satanás nas três investidas da primeira tentação, e para resistir a se-gunda, é necessário saber se temos esta fé ou não. O meio é retornar dos efeitos para causa que as produz. Assim sendo, os efeitos que Jesus Cristo produz em nós, quando nos apos-samos dEle pela fé, são dois. Em primeiro lugar, há o testemunho que o Espírito Santo concede ao nosso espírito de que somos filhos de Deus, e nos capacita a clamar com convicção “Abba, Pai” (Rm 8:15-16; Gl 4:6). Em segundo lugar, devemos entender que quando aplicamos Jesus Cristo a nós, pela fé, isto não é através de alguma tola e vã fantasia e imaginação, mas de fato e de verdade, apesar de espiritualmente (Rm 6:14; 1 Jo 1:6; 2:5; 3:7). Do modo pelo qual a alma produz seus efeitos quando está naturalmente unida ao corpo, assim, quando pela fé, Jesus Cristo habita em nós espiritualmente, Seu poder revela e produz lá, Sua graça, o que é descrito nas Escrituras pelas palavras “regeneração” e “santificação”, e nos faz novas criaturas com respeito às qualidades que podemos ter (Jo 3:3; Ef 4:21-24). Esta regeneração, ou seja, um novo começo e nova criação, é dividida em três partes. Do mesmo modo como a corrupção natural, que nos mantêm cativos, tanto alma quanto corpo, produz em nós pecado e morte (Rm 7:13), assim o poder de Jesus Cristo, fluindo e penetrando em nós com eficácia, como se tomando posse de nós, produz em nós três efeitos: a mortificação do pecado, ou seja, desta corrupção natural que a Escritura chama de “velho homem”, seu sepultamento, e, finalmente, a ressurreição do novo homem. O apóstolo Paulo, em particular, descreve estas coisas detalhadamente (Rm 6 e vários outros textos; cf. 1 Pe 4:1-2). A mortificação da corrupção, ou do pecado, é um resultado de Jesus Cristo em nós. Pouco a pouco, Ele destrói esta maldita corrupção de nossa natureza, de forma que se torna menos poderosa para produzir em nós seus efeitos: os movimentos, as aprovações e as outras ações contrárias a vontade de Deus. O sepultamento do velho homem é um resultado do mesmo Jesus Cristo (Rm 6:4; Cl 2:12; 3:3-4). Pelo Seu poder, o velho homem, que recebeu um golpe mortal, pouco a pouco vai sendo aniquilado. (...). Para este fim, as aflições, com as quais o Senhor nos visita, servem grandemente (2 Co. 4:16); Ele nos visita igualmente com provas espirituais e físicas as quais devemos diligentemente fazer uso, a fim de mortificar, mais e mais, a rebelião da carne, que luta contra o Espírito (1 Co 9:27; Gl 5:17). Por fim, para os crentes, a primeira morte é a completa mortificação e sepultamento do pecado, pois coloca um fim à guerra da carne contra o Espírito (Fp 3:20,21). A ressurreição do novo homem, este homem cujas qualidades e faculdades são verdadeira-mente renovadas, é o terceiro efeito do mesmo Jesus Cristo vivendo em nós. Mortificando em nossa natureza, aquilo que era corrompido, Ele então, nos concede um novo poder e nos recria. Assim, nosso entendimento e julgamento, iluminados pela pura graça do Espírito Santo (Ef. 1:18), e governado pelo novo poder que nós recebemos de Jesus Cristo (Rm 8:14), começamos a entender e aprovar aquilo que, anteriormente, era tolo para nós (1 Co 2:14) e abominável (Rm 8:7). Então, em segundo lugar, a vontade é retificada para odiar o pecado e aceitar a justiça (Rm 6:6). Finalmente, todas as faculdades do homem começam a evitar aquilo que Deus havia proibido, e a seguir tudo que Ele havia ordenado. (Rm 7:22; Fp 2:13). Estes são, portanto, os dois efeitos produzidos por Jesus Cristo em nós. Se nós os experimentamos, a conclusão é infalível: temos fé, e conseqüentemente, temos Jesus Cristo vivendo em nós eternamente. Portanto, é evidente que cada crente deve vigiar, antes de tudo, para manter, pela contínua súplica, este testemunho mencionado acima, que o Espírito de Deus dá aos Seus; ele também deve desenvolver, através de um contínuo exercício de boas obras para as quais sua vocação o chama, o dom da regeneração o qual recebeu (Rm 12:9-16). Neste sentido é dito que aquele que é nascido de Deus não peca (1 Jo 5:18), o que quer dizer, ele não dedica-se a pecar, mas resiste mais e mais, tendo correspondente-mente mais certeza de sua eleição e chamado (2 Pe 1:10). Assim, para conhecermos esta regeneração, é necessário vir aos seus frutos. O homem sendo liberto da escravidão do pecado, isto é, da sua natural corrupção, começa a, agradecido pelo poder de Jesus Cristo que habita nele, produzir os bons frutos, os quais chamamos “boas obras”. Este é o motivo pelo qual dizemos, e com razão, que a fé não pode existir sem boas obras, como o sol sem luz ou o fogo sem calor (1 Jo 2:9; Tg 2:14-17)
Este artigo, de Theodore Beza, foi tomado do capítulo 4, seções 1-13, do seu livro The Christian Faith. Este livro foi um “best seller” durante a Reforma Protestante e surgiu em 1558.
Traduzido por Rev. Paulo Anglada.
Revisado por Rev, Ewerton B. Tokashiki - 26 de Março de 2014.
Somente pela fé, o Espírito Santo nos torna participantes de Jesus Cristo
O Espírito Santo, portanto, é Aquele através de quem o Pai estabelece e mantêm Seus elei-tos na posse de Jesus Cristo, Seu Filho e, conseqüentemente, de todas as graças necessárias à salvação deles. Mas é necessário, em primeiro lugar, que o Espírito Santo nos torne propícios e prontos a receber Jesus Cristo. Isto é o que Ele faz criando em nós, por meio de Sua pura bondade e divina misericórdia, aquilo que chamamos ‘fé’ (Ef 1:17; Fp 1:29), o único instrumento pelo qual tomamos posse de Jesus Cristo quando Ele é ofertado a nós, o único recipiente para recebê-Lo (Jo 3:1-13, 33-36).
Os meios que o Espírito Santo usa para produzir e preservar nossa fé
Objetivando criar em nós este instrumento de fé, e também para nutrir e fortalecê-lo mais e mais, o Espírito Santo usa dois meios ordinários (...): a pregação da Palavra de Deus e Seus sacramentos (Mt 29:19-20; At 6:4; Rm 10:17; Tg 1:18; 1 Pe 1:23-25). Mais adiante re-tornaremos a este assunto; em primeiro lugar definiremos o que esta tão preciosa fé é e quais são seus efeitos e poderes.
O que é fé e em que sentido ela é necessária
Somos daí tão inimigos de nossa própria salvação, por causa da nossa corrupção natural (Rm 8:7; 1 Co 2:14), que se Deus tivesse Se contentado meramente em nos comunicar que acharíamos nossa salvação em Jesus Cristo, somente zombaríamos disto; assim tem o mundo sempre feito e assim fará até o fim (1 Co 1:23-25; Jo. 10:20; At. 2:13; Lc 23:35). Mais ainda, se Ele também nada mais acrescentasse além do que nos comunicar que os meios pelos quais experimentamos a eficácia deste remédio contra morte eterna é crer em Jesus Cristo, isto de nada nos aproveitaria (Jo 3: 5-6). Pois, nestas coisas, somos mais do que mudos (Sl. 51:15; Is. 6:5; Jr 1:6), surdos (Sl 40:6; Jo 8:47; Mt. 13:13), e cegos pela corrupção de nossa natureza (Jo 1:5; 3:3; 9:41). Não seria possível para nós até mesmo desejar acreditar, mais do que seria para um homem morto, voar (Jo 12:38, 39; 6:44). É necessário, portanto, que com tudo isto, o bom Pai, que nos escolheu para Sua glória, viesse multiplicar Sua misericórdia para com Seus inimigos. Declarando para nós que Ele tem dado Seu único Filho de forma que todo aquele que se apossa dEle, pela fé, não pereça (Jo 3:16), Ele também cria em nós este instrumento de fé que Ele requer de nós. Assim sendo, a fé de que falamos não consiste somente em crer que Deus é Deus e que o conteúdo de Sua Palavra é verdadeiro - de fato, os demônios têm esta fé, e ela somente os faz tremer (Tg 2:19). Mas, chamamos de fé um certo conhecimento que, somente por Sua graça e bondade, o Espírito Santo grava, mais e mais, no coração dos eleitos de Deus (1 Co 2:6-8).
(...) Fé, eu digo, não somente crê que Jesus Cristo morreu e ressuscitou pelos pecadores, mas também recebe Jesus Cristo (Rm 8:16, 39; Hb 10:22, 23; 1 Jo 4:13; 5:19, etc). Todo aquele que verdadeiramente crê, confia somente nEle e está certo de sua salvação, ao ponto de não mais duvidar dela (Ef 3:12). Daí porque St. Bernardo disse, em conformidade com toda a Escritura, que: “Se você crê que seus pecados não podem ser encobertos, exceto por Aquele contra quem você tem pecado, você faz bem. Mas acrescente ainda um ponto: creia que seus pecados tem sido perdoados por Ele. Este é o testemunho que o Espírito Santo concede aos nossos corações, dizendo: ‘Seus pecados estão perdoados’”.
O objeto e poder da verdadeira fé
Visto que Jesus Cristo é o objeto da fé, assim como Ele nos é apresentado na Palavra de Deus, seguem-se daí dois pontos que deveriam ser bem considerados. De um lado, onde não há Palavra de Deus mas somente a palavra de homem, quem quer que seja, lá não há fé, mas somente uma fantasia ou uma opinião que não pode falhar em nos enganar (Rm 10:2-4; Mc 16:15; Rm 1:28; Gl 1:8-9). Por outro lado, a fé aceita e apropria Jesus Cristo e tudo que está nEle, visto que Ele nos foi entregue na condição de crermos nEle (Jo 17:20, 21; Rm 8:9). Daí seguem-se uma ou duas coisas: ou tudo que é necessário para nossa salvação não está em Jesus Cristo, ou se tudo está de fato lá, aquele que tem a Jesus Cristo pela fé, tem tudo. Ora, dizer que tudo que é necessário para nossa salvação não está em Jesus Cristo é uma horrível blasfêmia, pois isto somente faria dEle um Salvador parcial (Mt 1:21). Daí resta, portanto a outra parte: tendo Jesus Cristo, pela fé, temos nEle tudo que é requerido para nossa salvação (Rm 5:1). Isto é o que o apóstolo diz: “Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus”(Rm 8:1)
Como devemos entender “Somos justificados pela fé somente”.
Aqui está a explicação de nossa justificação pela fé somente: a fé é o instrumento que recebe Jesus Cristo e, consequentemente, recebe Sua justiça, o que significa, toda a perfeição. Quando, portanto, acompanhando o Apóstolo Paulo (Rm 1:17; 3:21-27; 4:3; 5:1; 9:30-33; 11:6; Gl. 2:16-21; 3:9, 10,18; Fp 3:9, 2 Tm 1:9; Tt 3:5; Hb 11:7), dizemos que somos justificados pela fé somente, não queremos dizer que a fé é um mérito nosso que nos faz justos diante de Deus, pois isto seria colocar a fé no lugar de Jesus Cristo que é nossa per-feita e completa justiça. Porém, dizemos juntamente com o apóstolo, que somente pela fé somos justificados, à medida que ela aceita Aquele que nos justifica, Jesus Cristo, a quem nos une e ajunta. Nós somos, então, feitos participantes dEle e dos benefícios que Ele pos-sui. Estes, nos sendo imputados e doados, são mais do que suficientes para nos tornar ino-centes e justos diante de Deus.
Ter certeza da salvação através da fé em Jesus Cristo não é, de forma alguma, arrogância ou presunção.
Está estabelecido que estar certo da salvação através da fé, não é nem presunção, nem arrogância, mas, pelo contrário, é o único meio de despojar alguém de todo orgulho, para dar toda glória a Deus (Rm 8:16,38; Ef 3:12; Hb 10:22,23; 1 Jo 4:13; 5:19; Rm 3:27; 4:20; 1 Co 4:4; 9:26,27). Porque somente a fé nos ensina a desistir de nós mesmos e nos compele a, sinceramente, reconhecer que em nós não há nada, exceto motivo para completa maldição. Assim ela nos manda para Jesus Cristo e nos ensina e assegura que encontraremos salvação diante de Deus somente através da Sua justiça. Verdadeiramente, tudo o que está em Jesus Cristo, ou seja, toda a justiça e perfeição (nEle não há pecado e mais ainda, Ele cumpriu toda a justiça da Lei), é colocado na nossa conta e doado a nós como se fosse nosso, desde que nós O aceitemos pela fé. Daí porque St. Bernardo disse: “O testemunho de nossa consciência é nossa glória: não o testemunho que a mente enganada, enganando seu dono, fornece de si mesma para a vanglória farisaica (Lc 18:11,12); este testemunho não é verdadeiro. Mas o testemunho dado pelo Espírito Santo ao nosso espírito é verdadeiro”.
A fé encontra em Jesus Cristo tudo o que é necessário para salvação
Este tópico requer uma exposição detalhada para que saibamos se, através da fé, nos apos-samos do remédio suficiente para nos assegurar, completamente, a vida eterna, de acordo com a passagem bíblica “O justo viverá pela fé” (Hc 2:4; Rm 1:16,17; Gl 3:11). Dizemos, portanto, que tudo que obstrui a comunhão do homem com Deus, que é perfeitamente justo e bom, repousa em três aspectos. Porém, a vista de cada um deles, encontramos o remédio, não em nós mesmos, mas em Jesus Cristo e em tudo que Ele tem, desde que estejamos unidos a Ele comungando de todos os benefícios (Jo 17:9-11, 20-26). Este é o motivo pelo qual a Igreja, ou seja, a assembléia dos crentes, é chamada de esposa de Jesus Cristo, seu marido (Rm 7:2-6; 8:35; 2 Co 11:2; Ef 5:31,32); é para, mais claramente, mostrar a grandeza da união e comunhão existente entre Jesus Cristo e aqueles que, pela fé, se confiam a Ele. Pois, em virtude desta união e casamento espiritual pela fé, Ele toma toda nossa miséria sobre si e nós recebemos dEle todos os Seus tesouros, pela Sua pura bondade e misericórdia. Isto é o que veremos agora.
O meio que a fé encontra somente em Jesus Cristo contra o primeiro assalto da primeira tentação: “A multidão de nossos pecados”. A segurança que podemos ter sobre este ponto concernente aos santos ou a nós mesmos.
Em primeiro lugar, Satanás e nossa consciência, para demonstrar que somos verdadeira-mente indignos de sermos salvos e bastante dignos de perecer, coloca, em primeiro plano, a natureza de Deus, perfeitamente justo e grande inimigo e vingador de toda a iniquidade. É verdade que estamos cobertos com pecados mil, portanto, segue-se a esta conclusão, que nada mais há para nós fazermos do que esperar pelo salário do pecado, ou seja, morte eterna (Rm 6:23). O que os homens poderiam argumentar contra esta conclusão de Satanás e de suas consciências? Certamente, nada que pudesse ajudar, a menos que seja o que temos tratado. Pois se recorressem à misericórdia de Deus, esquecendo Sua justiça, eles estariam se enganando. (...) Se desejarmos, então, no intuito de cobrir nossos pecados, suplicar pelos méritos dos santos:
1) Fazemo-lhes uma grande ofensa; pois Davi escreve “Não entres em juízo com o Teu servo” (Sl 143:2) e, em outra passagem, ele confessa que suas obras não podem ascender a Deus (Sl 16:2). E o que o apóstolo Paulo diz sobre Abraão, esta santa pessoa e pai da fé? “Porque se Abraão foi justificado por obras, tem de que se gloriar, porém não diante de Deus. pois que diz a Escritura? Abraão creu e isso lhe foi imputado para justiça” (Rm 4:2-3). E com relação a si mesmo? “Porque de nada me argui a consciência; contudo, nem por isso me dou por justificado” (1 Co 4:4). Como então podemos suplicar os méritos dos santos para pagar nossos pecados, se eles próprios recorreram à misericórdia de Deus somente, obtida por Jesus Cristo (Fp 3:8)?
2) Mais ainda, se os santos mereceram o paraíso por suas vidas santas (o que não pode ser, tendo em vista que eles próprios testificam o contrário), já não teriam recebido paga por seus méritos? Com que direito, portanto, suplicaríamos a eles, diante de Deus, uma vez mais?
3) Assim, dizer que eles têm tanto mérito que sobraria algum para nós, é chamar de mentira ao que eles deixaram escrito para nós. Mais ainda, não seria como dizer que eles não precisam da morte de Jesus Cristo, visto que eles possuem em si mesmos mais do que o suficiente?
4) Por fim, se eles têm excesso de méritos, como saberemos que eles são nossos? Porque achamos que sim, ou porque o adquirimos? Mas o apóstolo Pedro repreende Simão, o mágico, por esta falsa e maldita troca: “O teu dinheiro seja contigo para perdição, pois julgaste adquirir por meio dele o dom de Deus” (At 8:20).
Aí está como, crendo que honramos os santos, nós, na verdade, os desonramos tanto quanto
possível. Assim sendo, se as obras dos santos não têm nenhum mérito nesta esfera, o que encontraremos em nós, ou em qualquer outro ser vivente, que seja suficiente para nos fortalecer diante dos assaltos de Satanás? Mas, para restringir todas estas falsas imaginações, consideremos os seguintes pontos: Primeiro, não consideraríamos um homem destituído de sensatez por persuadir-se de estar livre de credores, sob o pretexto de ter imaginado que pagou tudo, ou que outra pessoa pagou por ele? Agimos assim em relação a Deus, quando não nos contentamos somente com a obra de Jesus Cristo. Pois, que fundamento tem todo o resto a não ser fantasia de homens, como se Deus devesse achar bom tudo que nos pareça bom. Mas, pelo contrário, ouçamos o que Jesus Cristo diz: “Em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens” (Mt 15:9). E, em outra passagem, “Quando vindes para comparecer perante mim, quem vos requereu o só pisardes os meus átrios?” (Is 1:12). Em segundo lugar, quando dizemos que descansamos unicamente na misericórdia de Deus, mas imaginamos que pagamos por isto, total ou parcialmente, isto não é desdenhar da Sua misericórdia? (Rm 4:4). Em terceiro lugar, não estar contente unicamente com o mérito de Jesus Cristo, mas desejar acrescentar outros ao dEle, não é como se disséssemos que Cristo não é Jesus, ou seja, nosso Salvador, mas somente em parte? (Gl 2:21) Em quarto lugar, não é como despir Deus de Sua perfeita justiça (Rm 3:26) e, consequentemente, de Sua divindade, ousando apresentar em oposição a Sua ira, as obras dos homens, contra as quais tanto poderia ser dito, não importando quão boas elas sejam (Lc 17:10)? Davi disse “Não entres em julgamento com o teu servo” (Sl 143:2).
Vamos, portanto, aprender a contestar de maneira diferente, o argumento de Satanás supra-citado: “Você diz, Satanás, que Deus é perfeitamente justo e vingador de toda a iniquidade; eu creio nisto. Mas eu acrescento outra propriedade de Sua justiça que você deixou de lado: visto que Ele é justo, Ele se satisfez em ter sido pago uma vez. Em seguida você diz que eu tenho uma multidão de iniquidades e que, portanto, mereço morte eterna; eu creio nisto. Mas acrescento o que você, maliciosamente, omitiu: as iniquidades que estão em mim, foram de forma cabal, vingadas e punidas em Jesus Cristo que suportou o julgamento de Deus em meu lugar (Rm 3:25, 1 Pe 2:24). Daí porque, eu chego a uma conclusão completamente diferente da sua. Desde que Deus é justo (Rm 3:26) e não requer duplo pagamento; desde que Jesus Cristo, Deus e homem (2 Co 5:19), satisfez por Sua infinita obediência (Rm 5:19; Fp 2:8), a infinita majestade de Deus (Rm 8:33), segue-se então, que minhas iniquidades não podem mais levar-me à ruína (Cl 2:14); elas já foram removidas da minha conta, pelo sangue de Jesus Cristo que foi feito maldição por mim (Gl 3:13), e sendo justo, morreu pelos injustos (1 Pe 2:24). Logo após, é certo que Satanás saberá bem colocar, diante de nossos olhos, nossas aflições e especialmente a morte (Rm 5:12). Ele alegará que elas são testemunhas que nos mostram que Deus não perdoou nossos pecados. Mas argumentaremos que: primeiro, embora toda aflição e morte tenham entrado no mundo pelo pecado, Deus nem sempre tem em vista os nossos pecados quando Ele nos aflige. Nós deduzimos isto da história de Jó e em outras passagens (Jo 9:3; 1 Pe 2:19; 3:14; Tg 1:2). Mas Ele tem vários propósitos que visam a Sua glória e o nosso benefício, como explicaremos mais tarde. Por outro lado, quando Deus aflige os Seus por seus pecados, mesmo quando Ele chega a fazê-los sentir as dores da morte (Jó 13:15), Ele não está irado contra eles, como um juiz, para condená-los, mas como um Pai que está disciplinando Seus filhos para livrá-los da destruição (2 Co 6:9; Hb 12:6; 2 Sm 7:14), ou para dar exemplo a outros (2 Sm 12:13,14).
O meio que a fé encontra unicamente em Jesus Cristo, contra a segunda investida da primeira tentação: “Somos destituídos de justiça a qual Deus justamente requer de nós”.
Esta é a segunda investida que Satanás pode levantar contra nós por conta de nosso mundanismo: Não é suficiente não ter pecados, ou ter satisfeito a justiça de Deus. Mas outra coisa é necessária: que o homem cumpra toda a Lei, ou seja, que ame a Deus perfeitamente e seu próximo como a si mesmo (Dt. 17:26; Gl 3:10-12; Mt 22:37-40). Trazendo à tona esta questão, Satanás diz a nossa pobre consciência: você sabe bem que não pode escapar da ira e maldição de Deus. Contra esta investida, o que todos os homens tem a seu favor, senão a Jesus Cristo? Pois esta é uma questão de perfeita obediência que nunca foi achada em ninguém, salvo em Jesus Cristo. Aprendamos aqui a nos apropriarmos, uma vez mais, pela fé, de outro tesouro de Jesus Cristo: Sua justiça. Sabemos que Ele cumpriu toda justiça (Mt 3:15; Fp 2:8, Is 53:11). Ele deu obediência perfeita e amor a Deus, Seu Pai, e amou, perfeitamente, Seus inimigos (Rm 5:6-10) sendo feito maldição por eles, como o apóstolo Paulo diz em Gl 3:13; isto significa suportar por eles o julgamento da ira de Deus (Cl 1:22; 2 Co. 5:21). Assim, sendo revestidos com esta perfeita justiça que nos é dada pela fé como se ela fosse nossa (Ef 1:7-8), somos aceitáveis diante de Deus (Jo 1:12; Rm. 8:17) como irmãos e co-herdeiros com Jesus Cristo. Aqui, Satanás necessariamente fechará sua boca, providos da fé para receber Jesus Cristo e todos os benefícios que Ele possui para comunicar aos que nEle creem (Rm 8:33).
O terceiro assalto da mesma tentação:
“A poluição natural, ou pecado original, que está em nós, faz com que Deus nos odeie ainda”
Resta ainda para Satanás, um ataque com esta tentação sobre nosso mundanismo: Embora você tenha satisfeito a pena pelos seus pecados, na pessoa de Jesus Cristo, e está, pela fé, coberto por Sua justiça, você, todavia, é corrupto em sua natureza; nela reside ainda a fonte de todo pecado (Rm 7:17,18). Como então, você ousaria comparecer diante da majestade de Deus que é inimigo de toda perversão, e vê as profundezas do coração (Sl 44:21; Jr 17:10)? Nesta esfera, encontramos mais uma vez, um pronto auxílio em Jesus Cristo so-mente. Devemos confiar nEle. Verdadeiramente nós estamos encerrados neste corpo mortal (Rm 7:24), de modo que não fazemos o bem que queremos, ainda sentimos o pecado que habita em nós (Rm 7;21-23), e a carne que luta contra o Espírito (Gl 5:17). Este é o porquê, com respeito a nós, estamos ainda contaminados no corpo e na alma (1 Co 4:4; Fp 3:9). Mas visto que temos fé, somos unidos (1 Co. 6:17), vinculados (Ef 4:16; Cl 2:19), confirmados (Cl 2:7), enxertados em Jesus Cristo (Rm 6:5). Nele, desde o primeiro momento de Sua concepção no ventre da virgem Maria (Mt 1:20; Lc 1:35), nossa natureza é mais completamente restaurada e santificada (Hb. 2:10,11), do que mesmo quando criada pura em Adão; visto que Adão foi feito somente a imagem de Deus (Gn 1:27; 1 Co 15:47), considerando que Cristo é verdadeiro Deus, que assumiu nossa forma humana, concebido pelo poder do Espírito Santo. Esta santificação da natureza humana em Jesus Cristo é computada como nossa, pela fé. Assim, a corrupção natural remanescente que mesmo depois da regeneração ainda habita em nós, não pode entrar na nossa conta (Rm 8:1-3). O nosso mundanismo está coberto e tragado pela santidade de Jesus Cristo, que é muito mais poderoso para santificar-nos diante de Deus, do que a corrupção natural para nos contaminar.
Auxílio contra a segunda tentação:
“Temos ou não fé?”
Numa segunda tentação Satanás irá então responder que Jesus Cristo não morreu por todos os pecadores, visto que nem todos serão salvos. Temos então que recorrer a nossa fé, e replicar-lhe que na verdade somente crentes receberão o fruto do sofrimento e sacrifício de Jesus Cristo. Mas, ao invés de nos perturbar, isto nos dá segurança, pois sabemos que temos fé (Rm 8:15; 1 Co 2:12-16; 1 Jo 4:13). Como dissemos antes, não é suficiente ter uma crença vaga e confusa que Jesus Cristo veio tirar os pecados do mundo. Mas é necessário que cada pessoa aplique a si mesma, aproprie-se de Jesus Cristo através da fé, de forma que cada uma delas conclua: Estou em Jesus Cristo pela fé, dai porque não posso perecer, e estou certo da minha salvação (Rm 8:1,38,39; 1 Co 2:16; 1 Jo 5:19,20). Assim, para confirmar que repelimos Satanás nas três investidas da primeira tentação, e para resistir a se-gunda, é necessário saber se temos esta fé ou não. O meio é retornar dos efeitos para causa que as produz. Assim sendo, os efeitos que Jesus Cristo produz em nós, quando nos apos-samos dEle pela fé, são dois. Em primeiro lugar, há o testemunho que o Espírito Santo concede ao nosso espírito de que somos filhos de Deus, e nos capacita a clamar com convicção “Abba, Pai” (Rm 8:15-16; Gl 4:6). Em segundo lugar, devemos entender que quando aplicamos Jesus Cristo a nós, pela fé, isto não é através de alguma tola e vã fantasia e imaginação, mas de fato e de verdade, apesar de espiritualmente (Rm 6:14; 1 Jo 1:6; 2:5; 3:7). Do modo pelo qual a alma produz seus efeitos quando está naturalmente unida ao corpo, assim, quando pela fé, Jesus Cristo habita em nós espiritualmente, Seu poder revela e produz lá, Sua graça, o que é descrito nas Escrituras pelas palavras “regeneração” e “santificação”, e nos faz novas criaturas com respeito às qualidades que podemos ter (Jo 3:3; Ef 4:21-24). Esta regeneração, ou seja, um novo começo e nova criação, é dividida em três partes. Do mesmo modo como a corrupção natural, que nos mantêm cativos, tanto alma quanto corpo, produz em nós pecado e morte (Rm 7:13), assim o poder de Jesus Cristo, fluindo e penetrando em nós com eficácia, como se tomando posse de nós, produz em nós três efeitos: a mortificação do pecado, ou seja, desta corrupção natural que a Escritura chama de “velho homem”, seu sepultamento, e, finalmente, a ressurreição do novo homem. O apóstolo Paulo, em particular, descreve estas coisas detalhadamente (Rm 6 e vários outros textos; cf. 1 Pe 4:1-2). A mortificação da corrupção, ou do pecado, é um resultado de Jesus Cristo em nós. Pouco a pouco, Ele destrói esta maldita corrupção de nossa natureza, de forma que se torna menos poderosa para produzir em nós seus efeitos: os movimentos, as aprovações e as outras ações contrárias a vontade de Deus. O sepultamento do velho homem é um resultado do mesmo Jesus Cristo (Rm 6:4; Cl 2:12; 3:3-4). Pelo Seu poder, o velho homem, que recebeu um golpe mortal, pouco a pouco vai sendo aniquilado. (...). Para este fim, as aflições, com as quais o Senhor nos visita, servem grandemente (2 Co. 4:16); Ele nos visita igualmente com provas espirituais e físicas as quais devemos diligentemente fazer uso, a fim de mortificar, mais e mais, a rebelião da carne, que luta contra o Espírito (1 Co 9:27; Gl 5:17). Por fim, para os crentes, a primeira morte é a completa mortificação e sepultamento do pecado, pois coloca um fim à guerra da carne contra o Espírito (Fp 3:20,21). A ressurreição do novo homem, este homem cujas qualidades e faculdades são verdadeira-mente renovadas, é o terceiro efeito do mesmo Jesus Cristo vivendo em nós. Mortificando em nossa natureza, aquilo que era corrompido, Ele então, nos concede um novo poder e nos recria. Assim, nosso entendimento e julgamento, iluminados pela pura graça do Espírito Santo (Ef. 1:18), e governado pelo novo poder que nós recebemos de Jesus Cristo (Rm 8:14), começamos a entender e aprovar aquilo que, anteriormente, era tolo para nós (1 Co 2:14) e abominável (Rm 8:7). Então, em segundo lugar, a vontade é retificada para odiar o pecado e aceitar a justiça (Rm 6:6). Finalmente, todas as faculdades do homem começam a evitar aquilo que Deus havia proibido, e a seguir tudo que Ele havia ordenado. (Rm 7:22; Fp 2:13). Estes são, portanto, os dois efeitos produzidos por Jesus Cristo em nós. Se nós os experimentamos, a conclusão é infalível: temos fé, e conseqüentemente, temos Jesus Cristo vivendo em nós eternamente. Portanto, é evidente que cada crente deve vigiar, antes de tudo, para manter, pela contínua súplica, este testemunho mencionado acima, que o Espírito de Deus dá aos Seus; ele também deve desenvolver, através de um contínuo exercício de boas obras para as quais sua vocação o chama, o dom da regeneração o qual recebeu (Rm 12:9-16). Neste sentido é dito que aquele que é nascido de Deus não peca (1 Jo 5:18), o que quer dizer, ele não dedica-se a pecar, mas resiste mais e mais, tendo correspondente-mente mais certeza de sua eleição e chamado (2 Pe 1:10). Assim, para conhecermos esta regeneração, é necessário vir aos seus frutos. O homem sendo liberto da escravidão do pecado, isto é, da sua natural corrupção, começa a, agradecido pelo poder de Jesus Cristo que habita nele, produzir os bons frutos, os quais chamamos “boas obras”. Este é o motivo pelo qual dizemos, e com razão, que a fé não pode existir sem boas obras, como o sol sem luz ou o fogo sem calor (1 Jo 2:9; Tg 2:14-17)
Este artigo, de Theodore Beza, foi tomado do capítulo 4, seções 1-13, do seu livro The Christian Faith. Este livro foi um “best seller” durante a Reforma Protestante e surgiu em 1558.
Traduzido por Rev. Paulo Anglada.
Revisado por Rev, Ewerton B. Tokashiki - 26 de Março de 2014.
sábado, 15 de março de 2014
Prolegomena à Teologia Cristã de Johannes Wollebius [1586-1629]
PREFÁCIO DO TRADUTOR
No Brasil o teólogo reformado Johannes Wollebius ainda é desconhecido pelo público geral. Numa busca rápida na internet, poucos textos são encontrados em português, quer escrito ou, traduzido. Em inglês também há poucos artigos ou pesquisa sobre a sua pessoa ou obra. O fato é que “Teologia Histórica” no período dos séculos XVI e XVII ainda é uma área de pesquisa pouco explorada em nosso país. O Dr Heber C. Campos Jr, dentre os reformados brasileiros, é um pioneiro no desbravamento de pesquisas e produção acadêmica do protestantismo escolástico, inclusive trazendo para o conhecimento, discussão e atraindo a atenção de outros pesquisados para este fértil campo de estudo. Apesar de ter em minha biblioteca o Compendium de Wollebius desde 2009, foi no módulo “Puritanismo e Protestantismo Escolástico” realizado em 2013 no CPAJ que despertou o interesse em conhecê-lo melhor a fim de produzir um artigo. Essa descoberta motivou-me traduzir este livro. O presente texto é o primeiro capítulo.
A primeira tradução para a língua inglesa apareceu em 1650, por Alexander Ross e foi publicado em Londres sob o título de Abridgement of Christian Divinitie. Esta versão se encontra disponível na internet para download. Mas a tradução de John W. Beardslee III surgiu em 1965, e embora, obteve várias publicações, inclusive por diferentes editoras, atualmente está esgotada, podendo ser encontrada apenas alguns volumes usados.
Beardslee III oferece em sua introdução uma breve descrição da importância da obra de Wollebius
Nesta breve nota introdutória algumas informações foram omitidas por Beardslee III que precisam ser acrescidas à importância deste manual de dogmática.[2] Após a sua primeira publicação, em 1626, em Basiléia, em várias universidades reformadas da Europa, ela se tornou o livro-texto tanto para dogmática como para o ensino de ética. Os teólogos reformados necessitam conhece-lo, em especial, por causa da sua influência sobre os divines da Assembleia de Westminster. Infelizmente há sobre os teólogos protestantes do século XVII um estigma de que eram áridos e abstratos. Wollebius em seu manual desmitifica essa deformada caricatura. A sua linguagem é cheia de citações das Escrituras, e por vezes, oferecendo a sua própria tradução dos originais, demonstrando boa exegese na construção de seus argumentos. Há ainda uma preocupação na área da teologia prática, tanto no conteúdo dogmático, como na parte em que ele interpreta e aplica o decálogo. A sua influência entre os teólogos do século XVII se dá por causa de sua clareza, brevidade e precisão nas definições e argumentação. É um excelente sumário da teologia reformada do período do protestantismo escolástico.
Dedico esta tradução ao meu filho João Marcos que desde o aprendizado das primeiras letras ama a nossa herança reformada.
PROLEGOMENA À TEOLOGIA CRISTÃ
A teologia cristã é a doutrina a respeito de Deus, como ele é conhecido e adorado para a sua glória e para a nossa salvação.
PROPOSIÇÕES
I. A palavra “teologia”, que possuí muitos significados, será usada nesta obra para descrever aquele conhecimento de Deus que um cristão pode obter nesta vida da própria Palavra de Deus. De fato, o nome “teologia” afrouxou-se devido ao ensino dos antigos pagãos que era designado sob as três classificações do pensamento poético, mítico, filosófico, sacerdotal ou político em que as pessoas comuns eram mantidas sob o controle das exigências da religião. A verdadeira teologia é corretamente classificada como original e derivada. A teologia original é o conhecimento que Deus tem de si mesmo. Na realidade esta não difere da essência de Deus. A teologia derivada é uma espécie de cópia da original, primeiro em Cristo, o Deus-homem, e em segundo, nos membros de Cristo. Alguns membros de Cristo são triunfantes no céu, e outros militantes na terra; a teologia dos triunfantes pode ser chamada de teologia dos benditos, e a dos militantes é nomeada de teologia dos peregrinos.
II. Teologia não é considerada nesta obra apenas como uma faculdade do intelecto, mas um sistema de ensino, e por isso, é descrito como doutrina. Como um corpo de ensinos, a teologia difere da faculdade intelectual da teologia como um efeito difere de uma causa eficiente. Considera-la apenas como uma faculdade intelectual levanta a dúvida de sua classificação entre estas faculdades; e como um assunto de fato, qualquer uma delas por si mesma é muito restrita para descrever a teologia. O entendimento [intelligentia] que apreende princípios, o conhecimento [scientia] que alcança as conclusões dos princípios, e a sabedoria [sapientia] que resulta do entendimento e conhecimento, são todas faculdades puramente contemplativas. A prudência [prudentia] que dirige a mente nas ações é ativa, e destreza [ars] é uma faculdade que se torna ativa em relação com o correto raciocínio. A teologia consiste tanto em contemplação como em ação. Ela é sabedoria e prudência; o discernimento naquilo que ele apreende princípios através de uma inteligência divinamente iluminada e estende as suas conclusões através do conhecimento; e a prudência está no que ela guia a alma humana em suas ações.
III. O fundamento de ser da teologia é Deus; o fundamento pelo qual ele é conhecido é a palavra de Deus.
IV. Antigamente, antes de Moisés, a palavra de Deus não se encontrava escrita; ela foi escrita porque Deus, de acordo com o seu mais sábio propósito, a partir de Moisés, quis que fosse atestada pelos profetas e apóstolos. Os papistas a fim de substituir as suas tradições pela palavra escrita, declaram que ela foi escrita meramente por causa de circunstâncias não essenciais. Mas isto é refutado por todos os mandamentos de escrever, dados aos profetas e aos apóstolos (Êx 17:14; 34:27; Dt 31:19; Is 8:1; 30:8; Jr 30:2; Hc 2:2; Ap 1:11, 19; 14:13; 19:9; 21:9). A ideia papista é refutada pelo testemunho dos apóstolos, que declararam que eles nada falaram, ou escreveram, a partir de intenções humanas (Jo 20:31: “mas estas coisas são escritas para que vocês possam crer”, etc; Rm 14:5; 1 Co 10:11; 2 Pe 1:20-21; Is 8:20; Jo 5:39). Finalmente, aquelas passagens pelas quais somos dirigidos às Escrituras em matéria concernente a salvação (Is 8:20: “para o ensino e para o testemunho!”; Jo 5:39: “Examinem as Escrituras”).
V. Consequentemente, não reconhecemos outra base para a teologia, senão a escrita palavra de Deus.
VI. Que a Escritura Sagrada é de origem divina e autoridade é uma doutrina sustentada sem dúvidas entre todos os cristãos.
VII. Por isso, é impróprio para um cristão questionar de qualquer modo a Escritura, a Bíblia Sagrada, se ela é a palavra de Deus. Apenas nas escolas não há debate contra quem nega os postulados, então, devemos considerar como impróprio para qualquer um ouvir falar quem nega as bases da religião cristã.
VIII. A dúvida quando busca saber do testemunho da qualidade divina [divinitas] da Escritura Sagrada se torna conhecida, é válida para qualquer um dentre cristãos, se ela é motivada por um desejo de instrução, e não conduzindo ao desvio ou a ridicularização da verdade.
IX. Este testemunho é duplo: primário e subordinado [principais et ministerialis]. O testemunho primário é aquele do Espírito Santo, tanto externamente, na Escritura em si, e internamente, falando no coração e na mente de uma pessoa crente que ele ilumina, lhe assegurando a divina qualidade da Escritura. O testemunho subordinado é aquele que é dado pela igreja. Externamente, o Espírito Santo testemunha, na própria Escritura, acerca da origem e autoridade da palavra, em que tais expressões como “a palavra de Deus,” “assim disse Jehovah,” “Jesus disse,” “toda a Escritura é divinamente inspirada” (2 Tm 3:16), ou “movidos pelo Espírito Santo, santos homens de Deus falaram” (2 Pe 1:21). Internamente, nos corações dos crentes, o Espírito apresenta a divina qualidade da Escritura deste modo: quando um homem lê a Escritura com oração, ele abre os seus olhos e ilumina a sua mente, de modo que, o leitor vê as maravilhosas obras de Deus e, reconhece a voz do Espírito de Deus falando na Escritura. Os papistas sustentam o testemunho somente da igreja, e isto para estender ao que eles defendem que toda a autoridade da Escritura depende da igreja, e declaram que ela somente poderia ser considerada a palavra de Deus através do testemunho da igreja. Isto é claramente inválido para o testemunho da divina qualidade da Escritura, como para conferir aquela qualidade sobre ela. Portanto, da nossa parte provamos pelos seguintes argumentos, que o testemunho do Espírito Santo, e ele somente, nos convence com certeza da divina qualidade da Escritura: (1) O testemunho da Escritura da parte de quem aquela inspiração da Escritura que foi escrita é de maior autoridade: de fato, qualquer um sabe melhor de sua mão e estilo. Mas a Escritura foi escrita pela inspiração do Espírito Santo (2 Tm 3:16; 2 Pe 1:20-21). (2) O testemunho da Escritura da parte de quem é prometido aos crentes numa íntima união [individuus nexus] com a Escritura é de maior autoridade. Mas o Espírito Santo é prometido em íntima união com a Escritura (Is 59:21: “meu Espírito que está em você, e minhas palavras, as quais eu coloquei em sua boca, não se apartariam de sua boca [ou afastariam da boca de suas crianças]”). O testemunho da autoridade da Escritura acerca dele, sem aquela iluminação, ninguém perceberia as maravilhas da Escritura, que é de uma maior autoridade. Mas sem a iluminação do Espírito Santo, ninguém perceberia as maravilhas da Escritura (“Desvenda os meus olhos, para que eu contemple as maravilhas da tua lei.” Sl 119:18, ARA). E assim por diante, etc.[3] Também, pelo seu testemunho daquela função de que é para levar-nos a verdade, e torna-lo nosso conhecimento que a Escritura é a palavra de Deus. Mas esta é a função do Espírito Santo de levar-nos a toda a verdade (Jo 16:13).
À medida que o testemunho da igreja seja o interesse, ela deve ser aceita como uma serva de Deus, todavia, é falso supor que a autoridade da Escritura dependa dela. O que poderia ser mais absurdo que para um chefe de família ter que obter a sua autoridade de um empregado, ou, de uma carta enviada por pais ter que depender do mensageiro, ou, o edito de um magistrado ter que depender do impressor, ou, a norma sobre o que é regulado? Sabemos que para a igreja “foram confiada os oráculos de Deus” (Rm 3:2, ARA), e que ela é a “coluna e baluarte da verdade” (1 Tm 3:15, ARA). Mas, apenas seria insensato dizer que um candeeiro recebe luz do castiçal, embora o candeeiro esteja sobre o castiçal, mesmo assim, é um absurdo transferir a autoridade da Escritura para a igreja. A autoridade da igreja auxilia aqueles que são ignorantes quanto a Escritura, e não têm recebido “o genuíno leite da palavra”, nem crescido por meio dele (1 Pe 2:2). O testemunho da Escritura e do Espírito Santo é determinado e eficaz naqueles que por si experimentam doçura dos divinos oráculos. Assim, como se tem muito melhor apreciação da doçura do mel, se por si mesmo experimenta-lo, do que alguém que crê no que outros falam e testemunham acerca dele, assim aquele que prova a sua doçura, sabe que os escritos sagrados são a palavra de Deus, com muito mais segurança do que aquele que meramente acredita no ensino da igreja. Os samaritanos num primeiro momento creram no testemunho que a mulher deu acerca de Cristo; mas, após eles terem ouvido ao próprio Cristo, eles disseram à mulher: “já agora não é pelo que disseste que nós cremos; mas, porque nós mesmos temos ouvido e sabemos que este é verdadeiramente o Salvador do mundo” (Jo 4:42, ARA). Do mesmo modo, qualquer um, após obter com o auxílio do Espírito Santo, lê e lê continuamente, declara “agora já não creio mais baseado no testemunho da igreja que os escritos sagrados são inspirados [divinus], mas eu creio nisto porque as tenho lido eu mesmo, e através da minha leitura esta conclusão está implantada em minha mente.”
Qualquer escrito que em todas as suas partes apresenta o próprio Deus como quem fala; que foi registrado por homens que receberam dons de profecia e de operar milagres, e que eram ensinados sobrenaturalmente de modo extraordinário, e não dissimularam nenhum de seus pecados e faltas, ou ambos associados; que descreveram não somente assuntos que são verdadeiros e consistentes com o correto raciocínio, mas também outros que transcendem a toda razão; que registra os mesmos eventos em diferentes versões com surpreendente e verdadeira harmonia sobrenatural; que serve para glorificar a Deus e simultaneamente para nossa salvação; que operam com maravilhosa eficácia nos corações humanos e, que concedem força diante do mais terrível sofrimento; e, que são miraculosamente preservados contra a fúria do demônio e dos tiranos – tais escritos estão além de qualquer dúvida, de que a sua origem e autoridade é divina.
Assim é a Escritura Sagrada.
Por essa razão a sua origem e autoridade é divina.
Resumindo: O testemunho da igreja ocorre primeiro; mas, o testificar do Espírito Santo tem primazia em natureza e eficácia. Cremos na igreja, mas não cremos baseados no julgamento da igreja; o Espírito Santo precisa ser crido baseado em si mesmo. O testemunho da igreja apresenta o “o que”; e o testemunho do Espírito Santo revela o “por que”. A igreja dá razões [suadet]; o Espírito Santo convence [persuadet]. O testemunho da igreja oferece opinião; o testemunho da Escritura dá conhecimento e certeza da fé.
X. Os livros canônicos da Escritura são aqueles que compõem o Antigo e Novo Testamento. Ao Antigo Testamento pertencem os cinco livros de Moisés, Josué, Juízes e Ruth cada forma um livro; Samuel, Reis e Crônicas a cada dois formam livros; Esdras, Neemias, Ester, Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cantares; e, os quatro profetas maiores e os doze menores, cada um forma um livro. No Novo Testamento são os quatro evangelhos; o livro de Atos dos Apóstolos; as cartas de Paulo, uma aos Romanos, duas aos Coríntios, e cada uma aos Gálatas, Efésios, Filipenses e aos Colossenses, duas para Tessalonicenses e para Timóteo, e uma para Tito, Filemon, e aos Hebreus; são duas cartas de Pedro, três de João, uma de Tiago e outra de Judas, e por fim, de Apocalipse.
XI. Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiásticos, primeiro, segundo e terceiro Macabeus, Baruque, o Livro de Oração de Manassés, a Carta de Jeremias, e os acréscimos no livro de Daniel e Ester não possuem a mesma autoridade para provar os artigos de fé do mesmo modo que os livros canônicos, embora, eles possam ser lidos com proveito, e assim, eles são chamados de “apócrifos”; ou seja, ocultos.
As razões são: (1) A maioria deles não é escrito pelos profetas, mas somente após Malaquias, o último dos profetas. (2) Eles não foram escritos com a linguagem profética [Hebraico]. (3) Não foram citados em nenhum lugar no Novo Testamento. (4) Há neles muitas narrativas incompatíveis com os registros canônicos, bem como contradições e mitos contrários à fé e devoção.
XII. A Sagrada Escritura é perfeita para o propósito da salvação [ad salutem perfecta est]. “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2 Tm 3:16-17, ARA).
XIII. Embora, as regras da igreja, que prevê conformando em ritos externos, possam ser admitidas em seus devidos lugares, todavia, nenhuma tradição fora da Escritura pode ser admitida como se ela fosse necessária para a salvação.
Os papistas não somente argumentam a favor das tradições papais, mas também fazem destas tradições de igual, senão superior autoridade em relação as Escrituras. Mas, nós aceitamos o mandamento de Deus, de que nada se adicione, nem mesmo seja retirado de sua palavra (Dt 4:2; 5:32, e 12:32; Ap 22:18).
XIV. O estudo da Sagrada Escritura é o dever de todos os cristãos. “Examinais as Escrituras” (Jo 5:39, ARA). “Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo” (Cl 3:16, ARA). A obscuridade em alguns textos dos escritos sagrados, que os papistas enfatizam, não é objeção; enquanto algumas passagens são mais obscuras, outras explicam por si mesmas, e apresentam os claros artigos primários da religião [perspicue].
XV. Por isso, é necessária a sua tradução em linguagem comum para todas as nações.
XVI. Nenhuma tradução é autoritária [authenticus] exceto no caso de estar de concordo com os originais Hebraico e Grego.
XVII. Embora a interpretação da Escritura seja confiada à igreja, não obstante, o supremo juiz da interpretação não é outro, senão o Espírito Santo falando na Escritura. “Eis que a mão do SENHOR não está encolhida, para que não possa salvar; nem surdo o seu ouvido, para não poder ouvir” (Is 59:1, ARA). “Sabendo, primeiramente, isto: que nenhuma profecia da Escritura provém de particular elucidação; porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana; entretanto, homens [santos] falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo” (2 Pe 1:20-21, ARA). Por isso, é sacrilégio dos papistas usurpar este privilégio da suprema autoridade [ius] para a igreja Romana; atribuindo aos seus concílios e do mesmo modo apenas ao Papa.
XVIII. O significado [sensus] de qualquer passagem da Escritura sempre é simples [unicus];[4] todavia, no Antigo Testamento o significado das profecias é muitas vezes composta como sendo – histórica e típica. Por exemplo, Oseas 11:1 é composto destas palavras: “quando Israel era menino, eu o amei; e do Egito chamei o meu filho.” Literal e historicamente as palavras são entendidas como a libertação do povo hebreu do Egito; mas, tipificado e misticamente como uma referência ao chamado de Cristo do Egito (Mt 2:15).
XIX. Os meios de encontrar o verdadeiro sentido da Escritura são: constante oração, conhecimento e exame dos idiomas originais, consideração do argumento e propósito da passagem, distinção entre passagens literais e de linguagem figurada; entendimento das causas, circunstâncias e consequências; análise lógica, comparação de passagens obscuras com outras que sejam claras, iguais com iguais, diferentes com diferentes; e finalmente, a analogia da fé [analogia fidei].
XX. Do mesmo modo que Deus é o peculiar [proprius] e primário objeto da teologia, assim também, é o seu primário e objetivo final.
XXI. Por isso, desde que o seu objetivo final e o mais alto bem [summum bonum] são o mesmo, é óbvio que somente a teologia cristã pode nos ensinar corretamente o mais alto bem.
XXII. Uma finalidade subordinada da teologia sagrada é a nossa salvação, a qual consiste da comunhão com Deus e a nossa satisfação nele.
NOTAS:
[1] John W. Beardslee III, Reformed Dogmatics, pp. 10-11. Nota do tradutor.
[2] W. Hadorn, “Wolleb, Johannes” in: Samuel M. Jackson, ed., The New Schaff-Herzog Encyclopedia of Religious Knowledge (Grand Rapids, Baker Book House, 1950), p. 407. Nota do tradutor.
[3] Wollebius emprega uma elipse, em vez de repetir uma “óbvia” conclusão. Nota de John W. Beardslee III.
[4] Uma típica declaração reformada originada numa polêmica contra a doutrina do sentido tríplice. Nota de John W. Beardslee III.
Extraído de Johannes Wollebius, Compendium Theologicae Christianae in: John W. Beardslee III, ed., Reformed Dogmatics - Seventeeth-Century Reformed Theology Through the Writings of Wollebius, Voetius and Turretin (Grand Rapids, Baker Books House, 1977), pp. 27-35.
Traduzido em 15 de Março de 2014
Rev. Ewerton B. Tokashiki
Pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Porto Velho
Professor de Teologia Sistemática no SPBC-RO
No Brasil o teólogo reformado Johannes Wollebius ainda é desconhecido pelo público geral. Numa busca rápida na internet, poucos textos são encontrados em português, quer escrito ou, traduzido. Em inglês também há poucos artigos ou pesquisa sobre a sua pessoa ou obra. O fato é que “Teologia Histórica” no período dos séculos XVI e XVII ainda é uma área de pesquisa pouco explorada em nosso país. O Dr Heber C. Campos Jr, dentre os reformados brasileiros, é um pioneiro no desbravamento de pesquisas e produção acadêmica do protestantismo escolástico, inclusive trazendo para o conhecimento, discussão e atraindo a atenção de outros pesquisados para este fértil campo de estudo. Apesar de ter em minha biblioteca o Compendium de Wollebius desde 2009, foi no módulo “Puritanismo e Protestantismo Escolástico” realizado em 2013 no CPAJ que despertou o interesse em conhecê-lo melhor a fim de produzir um artigo. Essa descoberta motivou-me traduzir este livro. O presente texto é o primeiro capítulo.
A primeira tradução para a língua inglesa apareceu em 1650, por Alexander Ross e foi publicado em Londres sob o título de Abridgement of Christian Divinitie. Esta versão se encontra disponível na internet para download. Mas a tradução de John W. Beardslee III surgiu em 1965, e embora, obteve várias publicações, inclusive por diferentes editoras, atualmente está esgotada, podendo ser encontrada apenas alguns volumes usados.
Beardslee III oferece em sua introdução uma breve descrição da importância da obra de Wollebius
Johannes Wollebius (1586-1629) nasceu e foi educado em Basiléia, onde se tornou pastor em 1611, e professor de Antigo Testamento e pregador da catedral em 1618. O Compendium Theologicae Christianae foi publicado em 1626, sendo várias vezes, reimpresso em Latim (Basiléia, 1634; Amsterdã, 1638; 1642; Oxford, 1657; Londres, 1760), e foi traduzido para o holandês e inglês. Ernst Bizer quem reeditou o original em nossa geração, poderia agora prevenir-nos contra superestimar a sua importância, concordando com diversos historiadores do século XIX, mas não seria possível negar que seu extenso uso durante o século XVII, a sua brevidade, clareza e fidelidade, não fosse uma positiva expressão característica dos teólogos reformados nos tempos do Sínodo de Dort e que poderia manter esta afirmação concedendo-lhe o título por considera-lo como uma avenida para uma completa descrição do entendimento “ortodoxo” aceito pela Fé Reformada – o “que comumente é ensinado com aceitação em nossas igrejas” e que pode ser encontrado em Voetius, Turretin e igualmente em outros.[1]
Nesta breve nota introdutória algumas informações foram omitidas por Beardslee III que precisam ser acrescidas à importância deste manual de dogmática.[2] Após a sua primeira publicação, em 1626, em Basiléia, em várias universidades reformadas da Europa, ela se tornou o livro-texto tanto para dogmática como para o ensino de ética. Os teólogos reformados necessitam conhece-lo, em especial, por causa da sua influência sobre os divines da Assembleia de Westminster. Infelizmente há sobre os teólogos protestantes do século XVII um estigma de que eram áridos e abstratos. Wollebius em seu manual desmitifica essa deformada caricatura. A sua linguagem é cheia de citações das Escrituras, e por vezes, oferecendo a sua própria tradução dos originais, demonstrando boa exegese na construção de seus argumentos. Há ainda uma preocupação na área da teologia prática, tanto no conteúdo dogmático, como na parte em que ele interpreta e aplica o decálogo. A sua influência entre os teólogos do século XVII se dá por causa de sua clareza, brevidade e precisão nas definições e argumentação. É um excelente sumário da teologia reformada do período do protestantismo escolástico.
Dedico esta tradução ao meu filho João Marcos que desde o aprendizado das primeiras letras ama a nossa herança reformada.
PROLEGOMENA À TEOLOGIA CRISTÃ
A teologia cristã é a doutrina a respeito de Deus, como ele é conhecido e adorado para a sua glória e para a nossa salvação.
PROPOSIÇÕES
I. A palavra “teologia”, que possuí muitos significados, será usada nesta obra para descrever aquele conhecimento de Deus que um cristão pode obter nesta vida da própria Palavra de Deus. De fato, o nome “teologia” afrouxou-se devido ao ensino dos antigos pagãos que era designado sob as três classificações do pensamento poético, mítico, filosófico, sacerdotal ou político em que as pessoas comuns eram mantidas sob o controle das exigências da religião. A verdadeira teologia é corretamente classificada como original e derivada. A teologia original é o conhecimento que Deus tem de si mesmo. Na realidade esta não difere da essência de Deus. A teologia derivada é uma espécie de cópia da original, primeiro em Cristo, o Deus-homem, e em segundo, nos membros de Cristo. Alguns membros de Cristo são triunfantes no céu, e outros militantes na terra; a teologia dos triunfantes pode ser chamada de teologia dos benditos, e a dos militantes é nomeada de teologia dos peregrinos.
II. Teologia não é considerada nesta obra apenas como uma faculdade do intelecto, mas um sistema de ensino, e por isso, é descrito como doutrina. Como um corpo de ensinos, a teologia difere da faculdade intelectual da teologia como um efeito difere de uma causa eficiente. Considera-la apenas como uma faculdade intelectual levanta a dúvida de sua classificação entre estas faculdades; e como um assunto de fato, qualquer uma delas por si mesma é muito restrita para descrever a teologia. O entendimento [intelligentia] que apreende princípios, o conhecimento [scientia] que alcança as conclusões dos princípios, e a sabedoria [sapientia] que resulta do entendimento e conhecimento, são todas faculdades puramente contemplativas. A prudência [prudentia] que dirige a mente nas ações é ativa, e destreza [ars] é uma faculdade que se torna ativa em relação com o correto raciocínio. A teologia consiste tanto em contemplação como em ação. Ela é sabedoria e prudência; o discernimento naquilo que ele apreende princípios através de uma inteligência divinamente iluminada e estende as suas conclusões através do conhecimento; e a prudência está no que ela guia a alma humana em suas ações.
III. O fundamento de ser da teologia é Deus; o fundamento pelo qual ele é conhecido é a palavra de Deus.
IV. Antigamente, antes de Moisés, a palavra de Deus não se encontrava escrita; ela foi escrita porque Deus, de acordo com o seu mais sábio propósito, a partir de Moisés, quis que fosse atestada pelos profetas e apóstolos. Os papistas a fim de substituir as suas tradições pela palavra escrita, declaram que ela foi escrita meramente por causa de circunstâncias não essenciais. Mas isto é refutado por todos os mandamentos de escrever, dados aos profetas e aos apóstolos (Êx 17:14; 34:27; Dt 31:19; Is 8:1; 30:8; Jr 30:2; Hc 2:2; Ap 1:11, 19; 14:13; 19:9; 21:9). A ideia papista é refutada pelo testemunho dos apóstolos, que declararam que eles nada falaram, ou escreveram, a partir de intenções humanas (Jo 20:31: “mas estas coisas são escritas para que vocês possam crer”, etc; Rm 14:5; 1 Co 10:11; 2 Pe 1:20-21; Is 8:20; Jo 5:39). Finalmente, aquelas passagens pelas quais somos dirigidos às Escrituras em matéria concernente a salvação (Is 8:20: “para o ensino e para o testemunho!”; Jo 5:39: “Examinem as Escrituras”).
V. Consequentemente, não reconhecemos outra base para a teologia, senão a escrita palavra de Deus.
VI. Que a Escritura Sagrada é de origem divina e autoridade é uma doutrina sustentada sem dúvidas entre todos os cristãos.
VII. Por isso, é impróprio para um cristão questionar de qualquer modo a Escritura, a Bíblia Sagrada, se ela é a palavra de Deus. Apenas nas escolas não há debate contra quem nega os postulados, então, devemos considerar como impróprio para qualquer um ouvir falar quem nega as bases da religião cristã.
VIII. A dúvida quando busca saber do testemunho da qualidade divina [divinitas] da Escritura Sagrada se torna conhecida, é válida para qualquer um dentre cristãos, se ela é motivada por um desejo de instrução, e não conduzindo ao desvio ou a ridicularização da verdade.
IX. Este testemunho é duplo: primário e subordinado [principais et ministerialis]. O testemunho primário é aquele do Espírito Santo, tanto externamente, na Escritura em si, e internamente, falando no coração e na mente de uma pessoa crente que ele ilumina, lhe assegurando a divina qualidade da Escritura. O testemunho subordinado é aquele que é dado pela igreja. Externamente, o Espírito Santo testemunha, na própria Escritura, acerca da origem e autoridade da palavra, em que tais expressões como “a palavra de Deus,” “assim disse Jehovah,” “Jesus disse,” “toda a Escritura é divinamente inspirada” (2 Tm 3:16), ou “movidos pelo Espírito Santo, santos homens de Deus falaram” (2 Pe 1:21). Internamente, nos corações dos crentes, o Espírito apresenta a divina qualidade da Escritura deste modo: quando um homem lê a Escritura com oração, ele abre os seus olhos e ilumina a sua mente, de modo que, o leitor vê as maravilhosas obras de Deus e, reconhece a voz do Espírito de Deus falando na Escritura. Os papistas sustentam o testemunho somente da igreja, e isto para estender ao que eles defendem que toda a autoridade da Escritura depende da igreja, e declaram que ela somente poderia ser considerada a palavra de Deus através do testemunho da igreja. Isto é claramente inválido para o testemunho da divina qualidade da Escritura, como para conferir aquela qualidade sobre ela. Portanto, da nossa parte provamos pelos seguintes argumentos, que o testemunho do Espírito Santo, e ele somente, nos convence com certeza da divina qualidade da Escritura: (1) O testemunho da Escritura da parte de quem aquela inspiração da Escritura que foi escrita é de maior autoridade: de fato, qualquer um sabe melhor de sua mão e estilo. Mas a Escritura foi escrita pela inspiração do Espírito Santo (2 Tm 3:16; 2 Pe 1:20-21). (2) O testemunho da Escritura da parte de quem é prometido aos crentes numa íntima união [individuus nexus] com a Escritura é de maior autoridade. Mas o Espírito Santo é prometido em íntima união com a Escritura (Is 59:21: “meu Espírito que está em você, e minhas palavras, as quais eu coloquei em sua boca, não se apartariam de sua boca [ou afastariam da boca de suas crianças]”). O testemunho da autoridade da Escritura acerca dele, sem aquela iluminação, ninguém perceberia as maravilhas da Escritura, que é de uma maior autoridade. Mas sem a iluminação do Espírito Santo, ninguém perceberia as maravilhas da Escritura (“Desvenda os meus olhos, para que eu contemple as maravilhas da tua lei.” Sl 119:18, ARA). E assim por diante, etc.[3] Também, pelo seu testemunho daquela função de que é para levar-nos a verdade, e torna-lo nosso conhecimento que a Escritura é a palavra de Deus. Mas esta é a função do Espírito Santo de levar-nos a toda a verdade (Jo 16:13).
À medida que o testemunho da igreja seja o interesse, ela deve ser aceita como uma serva de Deus, todavia, é falso supor que a autoridade da Escritura dependa dela. O que poderia ser mais absurdo que para um chefe de família ter que obter a sua autoridade de um empregado, ou, de uma carta enviada por pais ter que depender do mensageiro, ou, o edito de um magistrado ter que depender do impressor, ou, a norma sobre o que é regulado? Sabemos que para a igreja “foram confiada os oráculos de Deus” (Rm 3:2, ARA), e que ela é a “coluna e baluarte da verdade” (1 Tm 3:15, ARA). Mas, apenas seria insensato dizer que um candeeiro recebe luz do castiçal, embora o candeeiro esteja sobre o castiçal, mesmo assim, é um absurdo transferir a autoridade da Escritura para a igreja. A autoridade da igreja auxilia aqueles que são ignorantes quanto a Escritura, e não têm recebido “o genuíno leite da palavra”, nem crescido por meio dele (1 Pe 2:2). O testemunho da Escritura e do Espírito Santo é determinado e eficaz naqueles que por si experimentam doçura dos divinos oráculos. Assim, como se tem muito melhor apreciação da doçura do mel, se por si mesmo experimenta-lo, do que alguém que crê no que outros falam e testemunham acerca dele, assim aquele que prova a sua doçura, sabe que os escritos sagrados são a palavra de Deus, com muito mais segurança do que aquele que meramente acredita no ensino da igreja. Os samaritanos num primeiro momento creram no testemunho que a mulher deu acerca de Cristo; mas, após eles terem ouvido ao próprio Cristo, eles disseram à mulher: “já agora não é pelo que disseste que nós cremos; mas, porque nós mesmos temos ouvido e sabemos que este é verdadeiramente o Salvador do mundo” (Jo 4:42, ARA). Do mesmo modo, qualquer um, após obter com o auxílio do Espírito Santo, lê e lê continuamente, declara “agora já não creio mais baseado no testemunho da igreja que os escritos sagrados são inspirados [divinus], mas eu creio nisto porque as tenho lido eu mesmo, e através da minha leitura esta conclusão está implantada em minha mente.”
Qualquer escrito que em todas as suas partes apresenta o próprio Deus como quem fala; que foi registrado por homens que receberam dons de profecia e de operar milagres, e que eram ensinados sobrenaturalmente de modo extraordinário, e não dissimularam nenhum de seus pecados e faltas, ou ambos associados; que descreveram não somente assuntos que são verdadeiros e consistentes com o correto raciocínio, mas também outros que transcendem a toda razão; que registra os mesmos eventos em diferentes versões com surpreendente e verdadeira harmonia sobrenatural; que serve para glorificar a Deus e simultaneamente para nossa salvação; que operam com maravilhosa eficácia nos corações humanos e, que concedem força diante do mais terrível sofrimento; e, que são miraculosamente preservados contra a fúria do demônio e dos tiranos – tais escritos estão além de qualquer dúvida, de que a sua origem e autoridade é divina.
Assim é a Escritura Sagrada.
Por essa razão a sua origem e autoridade é divina.
Resumindo: O testemunho da igreja ocorre primeiro; mas, o testificar do Espírito Santo tem primazia em natureza e eficácia. Cremos na igreja, mas não cremos baseados no julgamento da igreja; o Espírito Santo precisa ser crido baseado em si mesmo. O testemunho da igreja apresenta o “o que”; e o testemunho do Espírito Santo revela o “por que”. A igreja dá razões [suadet]; o Espírito Santo convence [persuadet]. O testemunho da igreja oferece opinião; o testemunho da Escritura dá conhecimento e certeza da fé.
X. Os livros canônicos da Escritura são aqueles que compõem o Antigo e Novo Testamento. Ao Antigo Testamento pertencem os cinco livros de Moisés, Josué, Juízes e Ruth cada forma um livro; Samuel, Reis e Crônicas a cada dois formam livros; Esdras, Neemias, Ester, Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cantares; e, os quatro profetas maiores e os doze menores, cada um forma um livro. No Novo Testamento são os quatro evangelhos; o livro de Atos dos Apóstolos; as cartas de Paulo, uma aos Romanos, duas aos Coríntios, e cada uma aos Gálatas, Efésios, Filipenses e aos Colossenses, duas para Tessalonicenses e para Timóteo, e uma para Tito, Filemon, e aos Hebreus; são duas cartas de Pedro, três de João, uma de Tiago e outra de Judas, e por fim, de Apocalipse.
XI. Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiásticos, primeiro, segundo e terceiro Macabeus, Baruque, o Livro de Oração de Manassés, a Carta de Jeremias, e os acréscimos no livro de Daniel e Ester não possuem a mesma autoridade para provar os artigos de fé do mesmo modo que os livros canônicos, embora, eles possam ser lidos com proveito, e assim, eles são chamados de “apócrifos”; ou seja, ocultos.
As razões são: (1) A maioria deles não é escrito pelos profetas, mas somente após Malaquias, o último dos profetas. (2) Eles não foram escritos com a linguagem profética [Hebraico]. (3) Não foram citados em nenhum lugar no Novo Testamento. (4) Há neles muitas narrativas incompatíveis com os registros canônicos, bem como contradições e mitos contrários à fé e devoção.
XII. A Sagrada Escritura é perfeita para o propósito da salvação [ad salutem perfecta est]. “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2 Tm 3:16-17, ARA).
XIII. Embora, as regras da igreja, que prevê conformando em ritos externos, possam ser admitidas em seus devidos lugares, todavia, nenhuma tradição fora da Escritura pode ser admitida como se ela fosse necessária para a salvação.
Os papistas não somente argumentam a favor das tradições papais, mas também fazem destas tradições de igual, senão superior autoridade em relação as Escrituras. Mas, nós aceitamos o mandamento de Deus, de que nada se adicione, nem mesmo seja retirado de sua palavra (Dt 4:2; 5:32, e 12:32; Ap 22:18).
XIV. O estudo da Sagrada Escritura é o dever de todos os cristãos. “Examinais as Escrituras” (Jo 5:39, ARA). “Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo” (Cl 3:16, ARA). A obscuridade em alguns textos dos escritos sagrados, que os papistas enfatizam, não é objeção; enquanto algumas passagens são mais obscuras, outras explicam por si mesmas, e apresentam os claros artigos primários da religião [perspicue].
XV. Por isso, é necessária a sua tradução em linguagem comum para todas as nações.
XVI. Nenhuma tradução é autoritária [authenticus] exceto no caso de estar de concordo com os originais Hebraico e Grego.
XVII. Embora a interpretação da Escritura seja confiada à igreja, não obstante, o supremo juiz da interpretação não é outro, senão o Espírito Santo falando na Escritura. “Eis que a mão do SENHOR não está encolhida, para que não possa salvar; nem surdo o seu ouvido, para não poder ouvir” (Is 59:1, ARA). “Sabendo, primeiramente, isto: que nenhuma profecia da Escritura provém de particular elucidação; porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana; entretanto, homens [santos] falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo” (2 Pe 1:20-21, ARA). Por isso, é sacrilégio dos papistas usurpar este privilégio da suprema autoridade [ius] para a igreja Romana; atribuindo aos seus concílios e do mesmo modo apenas ao Papa.
XVIII. O significado [sensus] de qualquer passagem da Escritura sempre é simples [unicus];[4] todavia, no Antigo Testamento o significado das profecias é muitas vezes composta como sendo – histórica e típica. Por exemplo, Oseas 11:1 é composto destas palavras: “quando Israel era menino, eu o amei; e do Egito chamei o meu filho.” Literal e historicamente as palavras são entendidas como a libertação do povo hebreu do Egito; mas, tipificado e misticamente como uma referência ao chamado de Cristo do Egito (Mt 2:15).
XIX. Os meios de encontrar o verdadeiro sentido da Escritura são: constante oração, conhecimento e exame dos idiomas originais, consideração do argumento e propósito da passagem, distinção entre passagens literais e de linguagem figurada; entendimento das causas, circunstâncias e consequências; análise lógica, comparação de passagens obscuras com outras que sejam claras, iguais com iguais, diferentes com diferentes; e finalmente, a analogia da fé [analogia fidei].
XX. Do mesmo modo que Deus é o peculiar [proprius] e primário objeto da teologia, assim também, é o seu primário e objetivo final.
XXI. Por isso, desde que o seu objetivo final e o mais alto bem [summum bonum] são o mesmo, é óbvio que somente a teologia cristã pode nos ensinar corretamente o mais alto bem.
XXII. Uma finalidade subordinada da teologia sagrada é a nossa salvação, a qual consiste da comunhão com Deus e a nossa satisfação nele.
NOTAS:
[1] John W. Beardslee III, Reformed Dogmatics, pp. 10-11. Nota do tradutor.
[2] W. Hadorn, “Wolleb, Johannes” in: Samuel M. Jackson, ed., The New Schaff-Herzog Encyclopedia of Religious Knowledge (Grand Rapids, Baker Book House, 1950), p. 407. Nota do tradutor.
[3] Wollebius emprega uma elipse, em vez de repetir uma “óbvia” conclusão. Nota de John W. Beardslee III.
[4] Uma típica declaração reformada originada numa polêmica contra a doutrina do sentido tríplice. Nota de John W. Beardslee III.
Extraído de Johannes Wollebius, Compendium Theologicae Christianae in: John W. Beardslee III, ed., Reformed Dogmatics - Seventeeth-Century Reformed Theology Through the Writings of Wollebius, Voetius and Turretin (Grand Rapids, Baker Books House, 1977), pp. 27-35.
Traduzido em 15 de Março de 2014
Rev. Ewerton B. Tokashiki
Pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Porto Velho
Professor de Teologia Sistemática no SPBC-RO
sexta-feira, 7 de março de 2014
Ato e uso da Santa Ceia do Senhor por Hulrich Zwingli [1525]
O TEXTO[1]
O profeta[2] ou pastor[3] orará de frente para o povo[4] com voz imposta e clara,[5] dizendo:
Oh! Deus onipotente e eterno, a quem honram como é devido a todas as criaturas, a quem adoram e louvam como Fazedor, Criador e Pai; concede-nos, nós que somos pobres pecadores, o que fielmente e com fé celebramos, louvando-te, com ações de graças que o teu Filho Unigênito, o nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, ordenou aos crentes em memória de sua morte. Em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, o teu Filho, que contigo vive e reina em união com o Espírito Santo, Deus de toda eternidade. Amém.
O diácono ou leitor dirá com voz imposta, assim: o que vamos ler está escrito na 1ª Epístola de Paulo aos Coríntios, capítulo 11. (é realizada a leitura da Escritura).
Os diáconos e toda a congregação, declaram em seguida: Louvado seja Deus!
O cântico[6] de louvor será iniciado pelo pastor com a primeira estrofe e então todo o povo, homens e mulheres,[7] recitarão uma estrofe após a outra:
Pastor: Glória a Deus nas alturas!
Homens: E paz na terra!
Mulheres: E aos homens de boa vontade!
Homens: Louvamos e exaltamos a Ti.
Mulheres: Adoramos e honramos a Ti.
Homens: Damos graças por tua grande glória e tua bondade, oh! Senhor e Deus, rei dos céus, Pai e onipotente!
Mulheres: Oh! Senhor, Filho Unigênito, Jesus Cristo e Espírito Santo.
Homens: Oh! Senhor, Deus, tu Cordeiro de Deus, Filho do Pai, que tira o pecado do mundo, tem compaixão de nós.
Mulheres: Tu que tiras os pecados do mundo, aceita a nossa oração.
Homens: Tu que estás assentado à direita do Pai, tem compaixão de nós.
Mulheres: Pois somente Tu és santo.
Homens: Somente Tu és Senhor.
Mulheres: Somente Tu és o Altíssimo, Jesus Cristo com o Espírito Santo na glória de Deus Pai.
Homens e mulheres: Amém.
Agora o diácono diz ao leitor: O Senhor seja convosco!
O povo responde: E com o teu espírito.
Leitor: A leitura do Evangelho se encontra escrita no evangelho de João, capítulo 6.
O povo responde: Louvado seja Deus!
Leitura bíblica: (Jo 6:47-63)[8]
Em verdade, em verdade vos digo: quem crê em mim tem a vida eterna. Eu sou o pão da vida. Vossos pais comeram o maná no deserto e morreram. Este é o pão que desce do céu, para que todo o que dele comer não pereça. Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém dele comer, viverá eternamente; e o pão que eu darei pela vida do mundo é a minha carne. Disputavam, pois, os judeus entre si, dizendo: Como pode este dar-nos a comer a sua própria carne? Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tendes vida em vós mesmos. Quem comer a minha carne e beber o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Pois a minha carne é verdadeira comida, e o meu sangue é verdadeira bebida. Quem comer a minha carne e beber o meu sangue permanece em mim, e eu, nele. Assim como o Pai, que vive, me enviou, e igualmente eu vivo pelo Pai, também quem de mim se alimenta por mim viverá. Este é o pão que desceu do céu, em nada semelhante àquele que os vossos pais comeram e, contudo, morreram; quem comer este pão viverá eternamente. Estas coisas disse Jesus, quando ensinava na sinagoga de Cafarnaum. Muitos dos seus discípulos, tendo ouvido tais palavras, disseram: Duro é este discurso; quem o pode ouvir? Mas Jesus, sabendo por si mesmo que eles murmuravam a respeito de suas palavras, interpelou-os: Isto vos escandaliza? Que será, pois, se virdes o Filho do Homem subir para o lugar onde primeiro estava? O espírito é o que vivifica; a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos tenho dito são espírito e são vida.
Leitor (após a leitura, ele beija o livro) diz: Demos louvor e graças! Que Ele conforme a sua santa palavra perdoe todos os nossos pecados.
O povo responde: Amém.
O diácono:[9] Creio em Deus Pai, Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra.
Homens: Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor,
Mulheres: o qual foi concebido do Espírito Santo,
Homens: nasceu da Virgem Maria,
Mulheres: padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos,
Homens: foi crucificado, morto e sepultado, desceu aos infernos,
Mulheres: no terceiro dia ressuscitou dos mortos,
Homens: subiu aos céus, está sentado à destra de Deus, o Pai onipotente,
Mulheres: donde há de vir para julgar os vivos e os mortos.
Homens: Creio no Espírito Santo,
Mulheres: na santa igreja católica,
Homens: na comunhão dos santos,
Mulheres: na remissão dos pecados,
Homens: na ressurreição da carne
Mulheres: e na vida eterna.
O povo: Amém.
Diácono: Agora, amados irmãos, vamos comer o pão e beber conforme a instituição de nosso Senhor Jesus Cristo e como ele ordenou: Em sua memória, com louvor e ações de graças por ter morrido por nós e derramado o seu sangue lavando com ele os nossos pecados. Portanto, que cada um pense, segundo admoesta Paulo, que consolo, que fé e confiança tem em nosso senhor Jesus Cristo, a fim de que ninguém considere-se crente, não sendo, e por não ser se faça culpado da morte do Senhor e peque contra toda a Igreja cristã, que é o corpo de Cristo. Ajoelhai-vos e orai:
Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome;
Venha o teu reino,
Faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu;
O pão nosso de cada dia dá-nos hoje;
E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores;
E não nos deixes cair em tentação;
Mas livra-nos do mal.[10]
O povo responde: Amém.
Diácono: Oh! Senhor, Deus onipotente, que por teu Espírito nos concedeu estar unidos na mesma fé, e com isto fez que sejamos o teu corpo: a este corpo tem ordenado que te louve, e lhe dê graças pelo bem e generoso bem que tem recebido, entregando o teu Filho Unigênito, o nosso Senhor Jesus Cristo. Outorgando-nos que fielmente te louvemos e demos graças e não provoquemos com hipocrisia ou falsidade a verdade que não consente com enganos. Concede-nos também o poder viver em pureza, como corresponde a teu corpo, aos que fez membros de tua família e teus filhos, a fim de que igualmente os incrédulos aprendam reconhecer o teu nome e a tua honra. Senhor guarda-nos de que por nossa causa, o teu nome e honras sejam escarnecidos; Senhor aumenta continuamente a nossa fé, ou seja, a nossa confiança em Ti, que vives e governas, Deus de toda a eternidade. Amém.
Diácono: (leitura de 1 Co 11:23-34)[11]
Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão; e, tendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim. Por semelhante modo, depois de haver ceado, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim. Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha. Por isso, aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor, indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor. Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e, assim, coma do pão, e beba do cálice; pois quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si. Eis a razão por que há entre vós muitos fracos e doentes e não poucos que dormem. Porque, se nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados. Mas, quando julgados, somos disciplinados pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo. Assim, pois, irmãos meus, quando vos reunis para comer, esperai uns pelos outros. Se alguém tem fome, coma em casa, a fim de não vos reunirdes para juízo. Quanto às demais coisas, eu as ordenarei quando for ter convosco.
Terminada a leitura, os diáconos reconhecidos como tais, oferecem o pão ázimo a todos, e que cada crente pegue com a sua própria mão um pedaço de pão, ou aceite o pão da mão do diácono que o oferece. Uma vez que cada um tenha comido o seu pedaço de pão, os outros diáconos se aproximam com o cálice e de igual modo dão de beber a cada um. E que tudo isto se faça com o respeito e a decência própria da Igreja de Deus, e da Ceia de Cristo.
Logo após comer e beber, seguindo o exemplo de Cristo, declarem o Salmo 113, com ações de graças. Começará com o pastor.
Pastor: Louvai, oh! Servos do Senhor, louvai o nome do Senhor!
Homens: Louvado seja o nome do Senhor agora e até a eternidade!
Mulheres: Desde que se levante o sol, até o seu repouso seja louvado o nome do Senhor.
Homens: O Senhor é engrandecido sobre todos os povos e sua honra exaltada acima dos céus.
Mulheres: Quem é o Senhor, nosso Deus, que estando tão alto se inclina para olhar os céus e a terra?
Homens: O Senhor que dentre o pó levanta ao humilde, e ao pobre tira da imundícia.
Mulheres: E os assenta com os príncipes, com os príncipes de seu povo.
Homens: O Senhor que a mulher estéril concede a maternidade e faz que tenha alegria nos seus filhos.
Pastor: Senhor, damos-te graças por todos os bens e dádivas; graças, Senhor, que vives e governas, Deus de toda a eternidade.
O povo: Amém.
Pastor: Ide em paz.
NOTAS:
[1] M. Gutiérrez Marín comenta que “o tratado prescreve que a Santa Ceia fosse celebrada quatro vezes por ano (Páscoa da Ressurreição, Pentecostes, o 11 de Setembro, ou seja, quando antes da Reforma se venerava aos santos Félix e Régula, e no Natal)” in: Zuinglio – Antología (Barcelona, Producciones Editoriales del Nordeste, 1973), p. 112. O texto do impresso em Março ou início de Abril, sendo esta liturgia usada pela primeira vez em 13 de Abril de 1525. Nota do tradutor.
[2] Por profeta, Zwingli entendia o “pregador”, e não alguém que pudesse falar novas revelações extra-bíblicas. M. Gutiérrez Marín observa que para ele profecia significava “a profunda investigação da Sagrada Escritura, e isto de modo que os pregadores formados, ou ainda em preparo, estivessem bem preparados.” Zuinglio – Antología, p. 34.
[3] Entre 26 a 28 de Outubro de 1523, Zwingli pregou numa conferência que reuniu cerca de 350 pastores suíços. A pedido de Joachim Vadian, dirigente da Reforma em San Gall, publicou o sermão em 26 de Março de 1524, com o título de “O Pastor.” Este tornou-se um tratado de teologia pastoral. Este sermão será em breve publicado aqui no blog.
[4] A liturgia tradicional católico romana ainda hoje preserva a prática do celebrante no momento de consagrar a hóstia dar as costas para o povo.
[5] Não mais em latim, mas em vernáculo comum.
[6] O uso de instrumentos era ausente no culto da Igreja de Zurique nos dias de Zwingli, apesar ser o reformador um exímio músico sabendo manusear instrumentos como alaúde, harpa, violino, flauta, címbalo, cítara de cordas, também compositor, tendo-se preservado pelo menos 3 hinos de sua autoria. Hannes Reimamm esclarece que Zwingli “não teve tempo de formular uma doutrina sobre o cântico no culto, senão que também com respeito a esta questão encontrava a meio caminho. E isto é próprio de um homem cujas características não eram a imobilidade, mas o dinamismo. O fato dele não conseguir conjugar a música com o culto e ter abolido radicalmente o cântico de Salmos por corais na missa, não significa que quisera abolir para sempre a música e os cânticos nos lugares destinados ao culto.” Hannes Reimamm, “Die Einführung des Kirchengesanges in der Zürcher Kirche nach der Reformation” (Zürich, 1959) citado por M. Gutiérrez Marín, Zuinglio – Antología, p. 111. Interessante notar que a partir de 1533 são impressos 17 hinários diferentes em Zurique. A maioria deles com o título “Salmos e cânticos espirituais”, contendo melodias alemãs e uma parte com o subtítulo “Salmos de Davi” contendo melodias francesas; parte deles eram salmos metrificados, e ainda alguns cânticos compostos por Lutero, e canções adaptadas com letras bíblicas ou doutrinárias. Nota do tradutor.
[7] M. Gutiérrez Marín comenta que “os homens se sentavam no lado direito e as mulheres no lado esquerdo do templo. O pão e o vinho eram servidos em bandejas de madeira, sendo repartido pelos diáconos para a congregação que permanece sentada. Não havia nem música nem cânticos.” Zuinglio – Antología, p. 112.
[8] Optei por citar a versão ARA.
[9] O diácono dá início e em seguida, os homens e as mulheres alternam recitando o Credo Apostólico, e todos juntos findam dizendo: Amém. Nota do tradutor.
[10] A oração do Pai Nosso é feita sem a doxologia da segunda metade do verso 13. Optei por citar a versão ARA. Nota do tradutor.
[11] Optei por citar a versão ARA. Nota do tradutor.
Extraído de M. Gutiérrez Marín, Zuinglio – Antología (Barcelona, Producciones Editorial del Nordeste, 1973), pp. 112-117.
Traduzido em 8 de Setembro de 2010
Revisado em 7 de Março de 2014
Rev. Ewerton B. Tokashiki
Pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Porto Velho
Professor de Teologia Sistemática no SPBC-RO
O profeta[2] ou pastor[3] orará de frente para o povo[4] com voz imposta e clara,[5] dizendo:
Oh! Deus onipotente e eterno, a quem honram como é devido a todas as criaturas, a quem adoram e louvam como Fazedor, Criador e Pai; concede-nos, nós que somos pobres pecadores, o que fielmente e com fé celebramos, louvando-te, com ações de graças que o teu Filho Unigênito, o nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, ordenou aos crentes em memória de sua morte. Em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, o teu Filho, que contigo vive e reina em união com o Espírito Santo, Deus de toda eternidade. Amém.
O diácono ou leitor dirá com voz imposta, assim: o que vamos ler está escrito na 1ª Epístola de Paulo aos Coríntios, capítulo 11. (é realizada a leitura da Escritura).
Os diáconos e toda a congregação, declaram em seguida: Louvado seja Deus!
O cântico[6] de louvor será iniciado pelo pastor com a primeira estrofe e então todo o povo, homens e mulheres,[7] recitarão uma estrofe após a outra:
Pastor: Glória a Deus nas alturas!
Homens: E paz na terra!
Mulheres: E aos homens de boa vontade!
Homens: Louvamos e exaltamos a Ti.
Mulheres: Adoramos e honramos a Ti.
Homens: Damos graças por tua grande glória e tua bondade, oh! Senhor e Deus, rei dos céus, Pai e onipotente!
Mulheres: Oh! Senhor, Filho Unigênito, Jesus Cristo e Espírito Santo.
Homens: Oh! Senhor, Deus, tu Cordeiro de Deus, Filho do Pai, que tira o pecado do mundo, tem compaixão de nós.
Mulheres: Tu que tiras os pecados do mundo, aceita a nossa oração.
Homens: Tu que estás assentado à direita do Pai, tem compaixão de nós.
Mulheres: Pois somente Tu és santo.
Homens: Somente Tu és Senhor.
Mulheres: Somente Tu és o Altíssimo, Jesus Cristo com o Espírito Santo na glória de Deus Pai.
Homens e mulheres: Amém.
Agora o diácono diz ao leitor: O Senhor seja convosco!
O povo responde: E com o teu espírito.
Leitor: A leitura do Evangelho se encontra escrita no evangelho de João, capítulo 6.
O povo responde: Louvado seja Deus!
Leitura bíblica: (Jo 6:47-63)[8]
Em verdade, em verdade vos digo: quem crê em mim tem a vida eterna. Eu sou o pão da vida. Vossos pais comeram o maná no deserto e morreram. Este é o pão que desce do céu, para que todo o que dele comer não pereça. Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém dele comer, viverá eternamente; e o pão que eu darei pela vida do mundo é a minha carne. Disputavam, pois, os judeus entre si, dizendo: Como pode este dar-nos a comer a sua própria carne? Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tendes vida em vós mesmos. Quem comer a minha carne e beber o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Pois a minha carne é verdadeira comida, e o meu sangue é verdadeira bebida. Quem comer a minha carne e beber o meu sangue permanece em mim, e eu, nele. Assim como o Pai, que vive, me enviou, e igualmente eu vivo pelo Pai, também quem de mim se alimenta por mim viverá. Este é o pão que desceu do céu, em nada semelhante àquele que os vossos pais comeram e, contudo, morreram; quem comer este pão viverá eternamente. Estas coisas disse Jesus, quando ensinava na sinagoga de Cafarnaum. Muitos dos seus discípulos, tendo ouvido tais palavras, disseram: Duro é este discurso; quem o pode ouvir? Mas Jesus, sabendo por si mesmo que eles murmuravam a respeito de suas palavras, interpelou-os: Isto vos escandaliza? Que será, pois, se virdes o Filho do Homem subir para o lugar onde primeiro estava? O espírito é o que vivifica; a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos tenho dito são espírito e são vida.
Leitor (após a leitura, ele beija o livro) diz: Demos louvor e graças! Que Ele conforme a sua santa palavra perdoe todos os nossos pecados.
O povo responde: Amém.
O diácono:[9] Creio em Deus Pai, Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra.
Homens: Creio em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor,
Mulheres: o qual foi concebido do Espírito Santo,
Homens: nasceu da Virgem Maria,
Mulheres: padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos,
Homens: foi crucificado, morto e sepultado, desceu aos infernos,
Mulheres: no terceiro dia ressuscitou dos mortos,
Homens: subiu aos céus, está sentado à destra de Deus, o Pai onipotente,
Mulheres: donde há de vir para julgar os vivos e os mortos.
Homens: Creio no Espírito Santo,
Mulheres: na santa igreja católica,
Homens: na comunhão dos santos,
Mulheres: na remissão dos pecados,
Homens: na ressurreição da carne
Mulheres: e na vida eterna.
O povo: Amém.
Diácono: Agora, amados irmãos, vamos comer o pão e beber conforme a instituição de nosso Senhor Jesus Cristo e como ele ordenou: Em sua memória, com louvor e ações de graças por ter morrido por nós e derramado o seu sangue lavando com ele os nossos pecados. Portanto, que cada um pense, segundo admoesta Paulo, que consolo, que fé e confiança tem em nosso senhor Jesus Cristo, a fim de que ninguém considere-se crente, não sendo, e por não ser se faça culpado da morte do Senhor e peque contra toda a Igreja cristã, que é o corpo de Cristo. Ajoelhai-vos e orai:
Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome;
Venha o teu reino,
Faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu;
O pão nosso de cada dia dá-nos hoje;
E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores;
E não nos deixes cair em tentação;
Mas livra-nos do mal.[10]
O povo responde: Amém.
Diácono: Oh! Senhor, Deus onipotente, que por teu Espírito nos concedeu estar unidos na mesma fé, e com isto fez que sejamos o teu corpo: a este corpo tem ordenado que te louve, e lhe dê graças pelo bem e generoso bem que tem recebido, entregando o teu Filho Unigênito, o nosso Senhor Jesus Cristo. Outorgando-nos que fielmente te louvemos e demos graças e não provoquemos com hipocrisia ou falsidade a verdade que não consente com enganos. Concede-nos também o poder viver em pureza, como corresponde a teu corpo, aos que fez membros de tua família e teus filhos, a fim de que igualmente os incrédulos aprendam reconhecer o teu nome e a tua honra. Senhor guarda-nos de que por nossa causa, o teu nome e honras sejam escarnecidos; Senhor aumenta continuamente a nossa fé, ou seja, a nossa confiança em Ti, que vives e governas, Deus de toda a eternidade. Amém.
Diácono: (leitura de 1 Co 11:23-34)[11]
Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão; e, tendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim. Por semelhante modo, depois de haver ceado, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim. Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha. Por isso, aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor, indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor. Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e, assim, coma do pão, e beba do cálice; pois quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si. Eis a razão por que há entre vós muitos fracos e doentes e não poucos que dormem. Porque, se nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados. Mas, quando julgados, somos disciplinados pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo. Assim, pois, irmãos meus, quando vos reunis para comer, esperai uns pelos outros. Se alguém tem fome, coma em casa, a fim de não vos reunirdes para juízo. Quanto às demais coisas, eu as ordenarei quando for ter convosco.
Terminada a leitura, os diáconos reconhecidos como tais, oferecem o pão ázimo a todos, e que cada crente pegue com a sua própria mão um pedaço de pão, ou aceite o pão da mão do diácono que o oferece. Uma vez que cada um tenha comido o seu pedaço de pão, os outros diáconos se aproximam com o cálice e de igual modo dão de beber a cada um. E que tudo isto se faça com o respeito e a decência própria da Igreja de Deus, e da Ceia de Cristo.
Logo após comer e beber, seguindo o exemplo de Cristo, declarem o Salmo 113, com ações de graças. Começará com o pastor.
Pastor: Louvai, oh! Servos do Senhor, louvai o nome do Senhor!
Homens: Louvado seja o nome do Senhor agora e até a eternidade!
Mulheres: Desde que se levante o sol, até o seu repouso seja louvado o nome do Senhor.
Homens: O Senhor é engrandecido sobre todos os povos e sua honra exaltada acima dos céus.
Mulheres: Quem é o Senhor, nosso Deus, que estando tão alto se inclina para olhar os céus e a terra?
Homens: O Senhor que dentre o pó levanta ao humilde, e ao pobre tira da imundícia.
Mulheres: E os assenta com os príncipes, com os príncipes de seu povo.
Homens: O Senhor que a mulher estéril concede a maternidade e faz que tenha alegria nos seus filhos.
Pastor: Senhor, damos-te graças por todos os bens e dádivas; graças, Senhor, que vives e governas, Deus de toda a eternidade.
O povo: Amém.
Pastor: Ide em paz.
NOTAS:
[1] M. Gutiérrez Marín comenta que “o tratado prescreve que a Santa Ceia fosse celebrada quatro vezes por ano (Páscoa da Ressurreição, Pentecostes, o 11 de Setembro, ou seja, quando antes da Reforma se venerava aos santos Félix e Régula, e no Natal)” in: Zuinglio – Antología (Barcelona, Producciones Editoriales del Nordeste, 1973), p. 112. O texto do impresso em Março ou início de Abril, sendo esta liturgia usada pela primeira vez em 13 de Abril de 1525. Nota do tradutor.
[2] Por profeta, Zwingli entendia o “pregador”, e não alguém que pudesse falar novas revelações extra-bíblicas. M. Gutiérrez Marín observa que para ele profecia significava “a profunda investigação da Sagrada Escritura, e isto de modo que os pregadores formados, ou ainda em preparo, estivessem bem preparados.” Zuinglio – Antología, p. 34.
[3] Entre 26 a 28 de Outubro de 1523, Zwingli pregou numa conferência que reuniu cerca de 350 pastores suíços. A pedido de Joachim Vadian, dirigente da Reforma em San Gall, publicou o sermão em 26 de Março de 1524, com o título de “O Pastor.” Este tornou-se um tratado de teologia pastoral. Este sermão será em breve publicado aqui no blog.
[4] A liturgia tradicional católico romana ainda hoje preserva a prática do celebrante no momento de consagrar a hóstia dar as costas para o povo.
[5] Não mais em latim, mas em vernáculo comum.
[6] O uso de instrumentos era ausente no culto da Igreja de Zurique nos dias de Zwingli, apesar ser o reformador um exímio músico sabendo manusear instrumentos como alaúde, harpa, violino, flauta, címbalo, cítara de cordas, também compositor, tendo-se preservado pelo menos 3 hinos de sua autoria. Hannes Reimamm esclarece que Zwingli “não teve tempo de formular uma doutrina sobre o cântico no culto, senão que também com respeito a esta questão encontrava a meio caminho. E isto é próprio de um homem cujas características não eram a imobilidade, mas o dinamismo. O fato dele não conseguir conjugar a música com o culto e ter abolido radicalmente o cântico de Salmos por corais na missa, não significa que quisera abolir para sempre a música e os cânticos nos lugares destinados ao culto.” Hannes Reimamm, “Die Einführung des Kirchengesanges in der Zürcher Kirche nach der Reformation” (Zürich, 1959) citado por M. Gutiérrez Marín, Zuinglio – Antología, p. 111. Interessante notar que a partir de 1533 são impressos 17 hinários diferentes em Zurique. A maioria deles com o título “Salmos e cânticos espirituais”, contendo melodias alemãs e uma parte com o subtítulo “Salmos de Davi” contendo melodias francesas; parte deles eram salmos metrificados, e ainda alguns cânticos compostos por Lutero, e canções adaptadas com letras bíblicas ou doutrinárias. Nota do tradutor.
[7] M. Gutiérrez Marín comenta que “os homens se sentavam no lado direito e as mulheres no lado esquerdo do templo. O pão e o vinho eram servidos em bandejas de madeira, sendo repartido pelos diáconos para a congregação que permanece sentada. Não havia nem música nem cânticos.” Zuinglio – Antología, p. 112.
[8] Optei por citar a versão ARA.
[9] O diácono dá início e em seguida, os homens e as mulheres alternam recitando o Credo Apostólico, e todos juntos findam dizendo: Amém. Nota do tradutor.
[10] A oração do Pai Nosso é feita sem a doxologia da segunda metade do verso 13. Optei por citar a versão ARA. Nota do tradutor.
[11] Optei por citar a versão ARA. Nota do tradutor.
Extraído de M. Gutiérrez Marín, Zuinglio – Antología (Barcelona, Producciones Editorial del Nordeste, 1973), pp. 112-117.
Traduzido em 8 de Setembro de 2010
Revisado em 7 de Março de 2014
Rev. Ewerton B. Tokashiki
Pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Porto Velho
Professor de Teologia Sistemática no SPBC-RO
sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014
Carta de João Calvino a Lélio Socino [1551]
Você está equivocado no modo como expõe a impressão de que [Felipe] Melanchton[1] não concorda conosco a respeito da doutrina da predestinação.[2] Eu somente disse de forma breve que tinha uma carta escrita por sua própria mão, na qual ele confessou que sua opinião concordava com a minha. Contudo, posso crer que de tudo o que você disse, e que não é novidade sua equivocar-se neste assunto, o melhor é desfazer-se das enfadonhas dúvidas. Certamente não existe ninguém que tenha mais aversão ao paradoxo do que eu, e em sutilezas não encontro nenhum prazer. Contudo, nada poderia impedir-me de admitir abertamente o que tenho aprendido da Palavra de Deus; pois, nada além do que é proveitoso é ensinado na escola deste mestre. Ela é o meu único guia, e concordar com as suas evidentes doutrinas seria minha constante regra de sabedoria.[3]
O que você também, meu querido Lélio,[4] poderia aprender regular a sua capacidade com a mesma moderação! Você não tem motivos para esperar de mim uma réplica do mesmo modo como você levou adiante aquelas monstruosas questões. Se você está satisfeito pela incerteza entre aquelas tênues especulações, permita-me, eu lhe suplico, um humilde servo de Cristo, para que medite sobre aqueles assuntos que tendem para a edificação da minha fé. E, de fato, eu daqui em diante seguirei minha sabedoria em silêncio, que você possa não ser aborrecido por mim. E, na verdade, estou muito preocupado com os finos talentos com os quais Deus tem concedido a você, que poderiam ser ocupados não somente com coisas que são vãs e infrutíferas, mas que correm o risco de também ser prejudicados por imaginações perniciosas. Advirto você de continuar, e seriamente preciso repetir, que a menos que você corrija a tempo esta sarna após uma investigação, ela deverá ser temida, pois você trará sobre si mais severo sofrimento.
Eu seria cruel com você se tratasse do assunto com uma aparência de indulgência, o que creio ser um verdadeiro erro.[5] Preferiria, adequadamente, ofender-lhe um pouco no presente pela minha severidade, do que permiti-lo entregar-se incontrolado na cativante fascinação da curiosidade. O tempo virá, eu espero, quando você regozijará em ter sido tão violentamente admoestado. Adeus, irmão tão altamente estimado por mim; e se esta repreensão for demais áspera do que ela tem que ser, atribua-a ao meu amor por você.[6]
NOTAS:
[1] Nota do tradutor: numa carta anterior Socino acusou Felipe Melanchton de discordar de Calvino quanto à doutrina da predestinação. Inicialmente Melanchton defendia como Calvino a doutrina da predestinação, todavia, posteriormente a morte de Martinho Lutero ele modificou em muito a sua posição, tornando-a mais sinergista. Talvez, nesta época Socino já havia identificado esta mudança em Melanchton e usou a sua opinião para confrontar Calvino. Vide, Bengt Hägglund explica que “Melanchton passou a rejeitar a própria ideia da predestinação na forma em que a apresentara anteriormente” in: História da Teologia (São Leopoldo, Concórdia Editora, 1999), p. 214.
[2] Nota do tradutor: por causa do seu estreito relacionamento com Melanchton, Calvino prefaciou a primeira edição francesa de Loci Communes. Posteriormente, Calvino ao perceber a mudança sinergista que ocorreu com o colega luterano, lamentou este fato. Vide, Paul K. Jewett, Elección y Predestinación (Jenison, TELL, 1992), p. 28
[3] Nota do tradutor: Esta interação epistolar com Socino fez com que Calvino, quanto a doutrina do mérito de Cristo e da certeza da fé, incorporasse “estas respostas na edição de 1559 das Institutas, sem qualquer modificação significativa.” Alister McGrath, A vida de João Calvino (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2004), p. 63.
[4] Nota do tradutor: Lélio Socino [Laelius Socinus] - (1525-1562) precursor da seita herética unitarista conhecida por Socianismo que surgiu na segunda metade do século XVI e início do XVII. O historiador I. Breward nota que a “sua obra Confissão de Fé (1555), que usava termo ortodoxos, mas de maneira ilimitada e inquiridora, fez que alguns protestantes se sentissem desconfortáveis.” I. Breward, “Socino e Socinianismo” in: Sinclair Ferguson, ed., Novo Dicionário de Teologia (São Paulo, Editora Hagnos, 2009), p. 932. Lélio Socino esteve em Genebra em dois momentos diferentes, primeiro entre 1548, ou 1549, e noutro momento, em 1554. Philip Schaff, History of the Christian Church (Peabody, Hendrickson Publishers, 2011), vol. 8, pp. 634-635.
[5] Nota do tradutor: Servetus foi executado em 1553. Se Socino explicitasse as suas ideias, certamente teria um fim semelhante ao do unitarista espanhol. Mas Socino pela sua forma polidamente educada, levantando mais questões e dúvidas, do que fazendo asseverações confrontadoras, consegue esconder a sua verdadeira opinião sobre a doutrina da Trindade. A sua dissimulação teológica conseguiu que desfrutasse de uma amizade com Henrich Bullinger.
[6] Nota do tradutor: esta carta escrita por Calvino pertence aos últimos meses do ano de 1551. Lélio Socino estava residindo em Wittenberg, Alemanha. Calvino evidencia certa intolerância as insistentes dúvidas e cepticismo de Socino quanto às doutrinas da expiação vicária, dos sacramentos e Trindade.
Extraído de Letters of John Calvin: Select from the Bonnet Edition with an introductory biographical sketch (Edinburgh, The Banner of Truth Trust, 1980), pp. 128-129. Este livro foi publicado em português sob o título de Cartas de João Calvino (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2009).
Tradução e notas revisadas em 27 de Fevereiro de 2014.
Rev. Ewerton B. Tokashiki
Pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Porto Velho
Professor de Teologia Sistemática no SPBC-RO
O que você também, meu querido Lélio,[4] poderia aprender regular a sua capacidade com a mesma moderação! Você não tem motivos para esperar de mim uma réplica do mesmo modo como você levou adiante aquelas monstruosas questões. Se você está satisfeito pela incerteza entre aquelas tênues especulações, permita-me, eu lhe suplico, um humilde servo de Cristo, para que medite sobre aqueles assuntos que tendem para a edificação da minha fé. E, de fato, eu daqui em diante seguirei minha sabedoria em silêncio, que você possa não ser aborrecido por mim. E, na verdade, estou muito preocupado com os finos talentos com os quais Deus tem concedido a você, que poderiam ser ocupados não somente com coisas que são vãs e infrutíferas, mas que correm o risco de também ser prejudicados por imaginações perniciosas. Advirto você de continuar, e seriamente preciso repetir, que a menos que você corrija a tempo esta sarna após uma investigação, ela deverá ser temida, pois você trará sobre si mais severo sofrimento.
Eu seria cruel com você se tratasse do assunto com uma aparência de indulgência, o que creio ser um verdadeiro erro.[5] Preferiria, adequadamente, ofender-lhe um pouco no presente pela minha severidade, do que permiti-lo entregar-se incontrolado na cativante fascinação da curiosidade. O tempo virá, eu espero, quando você regozijará em ter sido tão violentamente admoestado. Adeus, irmão tão altamente estimado por mim; e se esta repreensão for demais áspera do que ela tem que ser, atribua-a ao meu amor por você.[6]
NOTAS:
[1] Nota do tradutor: numa carta anterior Socino acusou Felipe Melanchton de discordar de Calvino quanto à doutrina da predestinação. Inicialmente Melanchton defendia como Calvino a doutrina da predestinação, todavia, posteriormente a morte de Martinho Lutero ele modificou em muito a sua posição, tornando-a mais sinergista. Talvez, nesta época Socino já havia identificado esta mudança em Melanchton e usou a sua opinião para confrontar Calvino. Vide, Bengt Hägglund explica que “Melanchton passou a rejeitar a própria ideia da predestinação na forma em que a apresentara anteriormente” in: História da Teologia (São Leopoldo, Concórdia Editora, 1999), p. 214.
[2] Nota do tradutor: por causa do seu estreito relacionamento com Melanchton, Calvino prefaciou a primeira edição francesa de Loci Communes. Posteriormente, Calvino ao perceber a mudança sinergista que ocorreu com o colega luterano, lamentou este fato. Vide, Paul K. Jewett, Elección y Predestinación (Jenison, TELL, 1992), p. 28
[3] Nota do tradutor: Esta interação epistolar com Socino fez com que Calvino, quanto a doutrina do mérito de Cristo e da certeza da fé, incorporasse “estas respostas na edição de 1559 das Institutas, sem qualquer modificação significativa.” Alister McGrath, A vida de João Calvino (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2004), p. 63.
[4] Nota do tradutor: Lélio Socino [Laelius Socinus] - (1525-1562) precursor da seita herética unitarista conhecida por Socianismo que surgiu na segunda metade do século XVI e início do XVII. O historiador I. Breward nota que a “sua obra Confissão de Fé (1555), que usava termo ortodoxos, mas de maneira ilimitada e inquiridora, fez que alguns protestantes se sentissem desconfortáveis.” I. Breward, “Socino e Socinianismo” in: Sinclair Ferguson, ed., Novo Dicionário de Teologia (São Paulo, Editora Hagnos, 2009), p. 932. Lélio Socino esteve em Genebra em dois momentos diferentes, primeiro entre 1548, ou 1549, e noutro momento, em 1554. Philip Schaff, History of the Christian Church (Peabody, Hendrickson Publishers, 2011), vol. 8, pp. 634-635.
[5] Nota do tradutor: Servetus foi executado em 1553. Se Socino explicitasse as suas ideias, certamente teria um fim semelhante ao do unitarista espanhol. Mas Socino pela sua forma polidamente educada, levantando mais questões e dúvidas, do que fazendo asseverações confrontadoras, consegue esconder a sua verdadeira opinião sobre a doutrina da Trindade. A sua dissimulação teológica conseguiu que desfrutasse de uma amizade com Henrich Bullinger.
[6] Nota do tradutor: esta carta escrita por Calvino pertence aos últimos meses do ano de 1551. Lélio Socino estava residindo em Wittenberg, Alemanha. Calvino evidencia certa intolerância as insistentes dúvidas e cepticismo de Socino quanto às doutrinas da expiação vicária, dos sacramentos e Trindade.
Extraído de Letters of John Calvin: Select from the Bonnet Edition with an introductory biographical sketch (Edinburgh, The Banner of Truth Trust, 1980), pp. 128-129. Este livro foi publicado em português sob o título de Cartas de João Calvino (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2009).
Tradução e notas revisadas em 27 de Fevereiro de 2014.
Rev. Ewerton B. Tokashiki
Pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Porto Velho
Professor de Teologia Sistemática no SPBC-RO
domingo, 23 de fevereiro de 2014
Os Artigos com as 67 Conclusões de Hulrich Zwingli [1523]
Os artigos[1]
Eu, Hulrich Zwingli,[2] confesso ter pregado[3] na nobilíssima cidade de Zurique os artigos e conclusões que passarei a expor. Encontram-se baseados na Sagrada Escritura, a “theopneustos”, ou seja, a [palavra] inspirada por Deus. Ofereço-me para defender estes artigos, e estou disposto a ser ensinado,[4] caso não tenha compreendido[5] corretamente a Sagrada Escritura;[6] mas, qualquer correção que me faça permanecer fundamentado somente[7] na Sagrada Escritura.[8]
...
[ este texto foi retirado por motivo de publicação ]
...
Extraído de James T. Dennison, Jr., ed., Reformed Confessions of the 16th and 17th Centuries in English Translation – 1523-1552 (Grand Rapids, Reformation Heritage Books, 2008), vol. 1, págs. 1-8; ainda, recorrendo ao texto original e notas de Phillip Schaff, “Articuli sive conclusiones LXVII. H. Zwinglii” in: The Creeds of Christendom (Grand Rapids, Baker Books, 2007), vol. 3, pág. 197, e também da tradução hispânica com notas preparadas por M. Gutiérrez Marín, Zuinglio – Antología (Barcelona, Producciones Editoriales del Nordeste, 1973).
Tradução e notas revisadas em 23 de Fevereiro de 2014.
Tradução e notas de Rev. Ewerton B. Tokashiki
Observação: Sou grato ao Rev. Alexandre Ribeiro Lessa por revisar a língua portuguesa e fazer preciosas sugestões de estilo na tradução. Obviamente se ainda há algum erro, assumo toda a responsabilidade.
sábado, 15 de fevereiro de 2014
Carta de Pedro Rechier a João Calvino [1557]
Carta do Rev. Pedro Rechier[1] a João Calvino, em Março de 1557, desde o Forte de Coligny, na Guanabara, por ocasião da primeira tentativa de implantação da Igreja Reformada no Brasil pelos franceses[2]
Não quis desprezar a presente ocasião, para esclarecê-lo, meu irmão, acerca das nossas coisas. Em primeiro lugar quero que seja por ti conhecido o benefício que de Deus recebemos até agora, a fim de que conosco lhe dês graças pela sua bondade. Pois de todos nós teve tal cuidado que, pela sua bondade nos conduziu todos ao porto, sãos e incólumes, através das multas separações das terras e do mar. Saih, na verdade, como é natural, expôs-nos, no caminho, a diversos perigos: mas, como filhos, embora indignos, sempre experimentamos muito a mão auxiliadora do Pai que continua misericordiosamente estendida para nós através dos dias.
Ao chegarmos ao porto, Villegagnon[3] quis que a Palavra de Deus fosse publicamente pregada.[3] Na semana subsequente desejou que fosse administrada a ceia sagrada de Cristo, a que ele próprio com alguns de seus domésticos, religiosamente compareceu, dando um exemplo da sua fé para a edificação das pessoas presentes. Quem podia melhor auxiliar o nosso plano? Que podia corresponder mais oportunamente aos nossos desejos todos de que a verdadeira igreja ter-se patenteado a esses furiosos junto de nós? Com tais benefícios o nosso supremo Pai se dignou recompensar-nos.
Esta região, doutro lado, porque seja inculta e com raros habitantes, quase nada produz daquilo que a gente de nosso país gosta de saborear. Produz milho é verdade, figos silvestres e umas certas raízes com as quais fabricam para seus habitantes, a farinha que lhes serve de provisão de viagem. Não tem pão, nem produz vinho ou algo semelhante. Além disso, não nos servimos, em nenhum tempo ou lugar, de nenhum fruto familiar. Todavia, qualquer coisa nos basta, e passamos perfeitamente bem, bastando dizer que estou mais forte que de costume e o mesmo acontece a todos os outros. Um naturalista teria acrescido ao que disse a bondade do ar, que de tal sorte se tempera e corresponde ao nosso maio. De tal forma o Pai celeste se mostra bom e nos oferece o seu paterno afeto que aqui, em tão bárbaro e agreste solo, nos ministra o seu favor, a fim de que comprovemos que a provisão de viagem do homem não depende do pão, mas, da Palavra de Deus, cuja bênção substitui para nós todas as delícias.
Uma coisa há que nos constrange e preocupa: a selvageria do povo, tão grande que maior não podia ser. Não lhes censuro serem antropófagos o que, entretanto, é neles muito vulgar; mas deploro a estupidez de sua mente que é palpável mesmo nas trevas. Sobre a virtude do Pai também nada conhecem não distinguindo o bem do mal e os vícios que a natureza revela naturalmente às outras gentes eles os têm por virtude; não conhecendo a torpeza do vício pouco diferem das feras. E o que é a mais perniciosa de todas as coisas, não sabem se Deus existe. Estão muito longe de observar a Sua lei ou admirar o Seu poder e vontade, por isso não temos esperança de ganhá los inteiramente para Cristo, embora seja realmente a coisa mais importante de todas. Aprovo na verdade quem os descreve como uma “tábula rasa”, facilmente pintável em quaisquer cores, pois essa espécie de cores nada tem de contrário à pureza natural.
Mas o grande obstáculo é a diversidade de idiomas. Acrescente se que não temos intérpretes fiéis a Deus. O mérito de nossa obra consiste para nós em refrear o passo e esperar pacientemente que os adolescentes aprendam a língua dos índios. E já alguns vivem entre eles. Praza a Deus que fique aquém deles qualquer perigo para as suas almas. Desde que o Altíssimo nos impôs esta tarefa, devemos esperar que esta terra se torne a futura possessão de Cristo. Neste ínterim precisamos mais gente para que se forme esta nação bárbara e que nossa igreja receba seu incremento. Abundaríamos certamente de toda a cópia de bens se aqui houvesse um povo numeroso; sendo poucas almas progride o agricultor muito devagar. Mas por todas as coisas vela o Altíssimo. Nós em verdade, desejamos fortemente ser recomendados às preces de todas as nossas Igrejas.[4]
NOTAS:
[1] O Rev Pedro Rechier foi um dos pastores formados na Academia de Genebra e indicados por Calvino para integrarem a primeira expedição de franceses e suíços [de genebrinos] que veio para o Brasil. Eles aportaram na Baia da Guanabara, no Rio de Janeiro. Ele era "doutor ver em teologia e ex-frade carmelita, convertera-se ao Protestantismo e, após haver feito seus estudos em Genebra, dirigiu-se ao Brasil em 1556, de onde voltou no ano seguinte, sendo então enviado a Rochelle, em cujo lugar organizou a Igreja e morreu a 8 de março de 1580. Ali publicou ele, primeiro em latim (1561) e depois em francês (1562), a Refutação às loucas fantasias, às execráveis blasfêmias, aos erros e às mentiras de Nicolas Durand de Villegaignon." Jean Crespin, A tragédia da Guanabara - A História dos Primeiros Mártires do Cristianismo no Brasil (Rio de Janeiro, CPAD, 2006), p. 25. Nota do revisor.
[2] Enquanto tradicionalmente a nossa história apresenta, duma perspectiva católica, os franceses como invasores, na realidade eles eram colonizadores. Nota do revisor.
[3] Nicolas Durand de Villegagnon. Nota do revisor.
[4] Para uma análise da Confissão de Fé da Guanabara recomendo a leitura da Dissertação de Mestrado do Ms. Rev. Folton Nogueira da Silva. # [SILVA, Folton Nogueira da. Principais doutrinas da Confissão de fé da Guanabara. 1998] que pode ser obtida nos arquivos do CPAJ na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Para estudo continuado sobre o assunto recomendo dois livros que oferecem ad fontes:
1. Jean Crespin, A tragédia da Guanabara - A história dos primeiros mártires do Cristianismo no Brasil (Rio de Janeiro, CPAD, 2006).
2. Jean Crespin, A tragédia da Guanabara - A história dos primeiros mártires do Cristianismo no Brasil (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2007).
Tradução de Sergio Milliet
Revisão e notas por Rev. Ewerton B. Tokashiki
Extraído do livro Viagem à terra do Brasil, Jean de Léry, nota 134, Editora Itatiaia, 1980.
Não quis desprezar a presente ocasião, para esclarecê-lo, meu irmão, acerca das nossas coisas. Em primeiro lugar quero que seja por ti conhecido o benefício que de Deus recebemos até agora, a fim de que conosco lhe dês graças pela sua bondade. Pois de todos nós teve tal cuidado que, pela sua bondade nos conduziu todos ao porto, sãos e incólumes, através das multas separações das terras e do mar. Saih, na verdade, como é natural, expôs-nos, no caminho, a diversos perigos: mas, como filhos, embora indignos, sempre experimentamos muito a mão auxiliadora do Pai que continua misericordiosamente estendida para nós através dos dias.
Ao chegarmos ao porto, Villegagnon[3] quis que a Palavra de Deus fosse publicamente pregada.[3] Na semana subsequente desejou que fosse administrada a ceia sagrada de Cristo, a que ele próprio com alguns de seus domésticos, religiosamente compareceu, dando um exemplo da sua fé para a edificação das pessoas presentes. Quem podia melhor auxiliar o nosso plano? Que podia corresponder mais oportunamente aos nossos desejos todos de que a verdadeira igreja ter-se patenteado a esses furiosos junto de nós? Com tais benefícios o nosso supremo Pai se dignou recompensar-nos.
Esta região, doutro lado, porque seja inculta e com raros habitantes, quase nada produz daquilo que a gente de nosso país gosta de saborear. Produz milho é verdade, figos silvestres e umas certas raízes com as quais fabricam para seus habitantes, a farinha que lhes serve de provisão de viagem. Não tem pão, nem produz vinho ou algo semelhante. Além disso, não nos servimos, em nenhum tempo ou lugar, de nenhum fruto familiar. Todavia, qualquer coisa nos basta, e passamos perfeitamente bem, bastando dizer que estou mais forte que de costume e o mesmo acontece a todos os outros. Um naturalista teria acrescido ao que disse a bondade do ar, que de tal sorte se tempera e corresponde ao nosso maio. De tal forma o Pai celeste se mostra bom e nos oferece o seu paterno afeto que aqui, em tão bárbaro e agreste solo, nos ministra o seu favor, a fim de que comprovemos que a provisão de viagem do homem não depende do pão, mas, da Palavra de Deus, cuja bênção substitui para nós todas as delícias.
Uma coisa há que nos constrange e preocupa: a selvageria do povo, tão grande que maior não podia ser. Não lhes censuro serem antropófagos o que, entretanto, é neles muito vulgar; mas deploro a estupidez de sua mente que é palpável mesmo nas trevas. Sobre a virtude do Pai também nada conhecem não distinguindo o bem do mal e os vícios que a natureza revela naturalmente às outras gentes eles os têm por virtude; não conhecendo a torpeza do vício pouco diferem das feras. E o que é a mais perniciosa de todas as coisas, não sabem se Deus existe. Estão muito longe de observar a Sua lei ou admirar o Seu poder e vontade, por isso não temos esperança de ganhá los inteiramente para Cristo, embora seja realmente a coisa mais importante de todas. Aprovo na verdade quem os descreve como uma “tábula rasa”, facilmente pintável em quaisquer cores, pois essa espécie de cores nada tem de contrário à pureza natural.
Mas o grande obstáculo é a diversidade de idiomas. Acrescente se que não temos intérpretes fiéis a Deus. O mérito de nossa obra consiste para nós em refrear o passo e esperar pacientemente que os adolescentes aprendam a língua dos índios. E já alguns vivem entre eles. Praza a Deus que fique aquém deles qualquer perigo para as suas almas. Desde que o Altíssimo nos impôs esta tarefa, devemos esperar que esta terra se torne a futura possessão de Cristo. Neste ínterim precisamos mais gente para que se forme esta nação bárbara e que nossa igreja receba seu incremento. Abundaríamos certamente de toda a cópia de bens se aqui houvesse um povo numeroso; sendo poucas almas progride o agricultor muito devagar. Mas por todas as coisas vela o Altíssimo. Nós em verdade, desejamos fortemente ser recomendados às preces de todas as nossas Igrejas.[4]
NOTAS:
[1] O Rev Pedro Rechier foi um dos pastores formados na Academia de Genebra e indicados por Calvino para integrarem a primeira expedição de franceses e suíços [de genebrinos] que veio para o Brasil. Eles aportaram na Baia da Guanabara, no Rio de Janeiro. Ele era "doutor ver em teologia e ex-frade carmelita, convertera-se ao Protestantismo e, após haver feito seus estudos em Genebra, dirigiu-se ao Brasil em 1556, de onde voltou no ano seguinte, sendo então enviado a Rochelle, em cujo lugar organizou a Igreja e morreu a 8 de março de 1580. Ali publicou ele, primeiro em latim (1561) e depois em francês (1562), a Refutação às loucas fantasias, às execráveis blasfêmias, aos erros e às mentiras de Nicolas Durand de Villegaignon." Jean Crespin, A tragédia da Guanabara - A História dos Primeiros Mártires do Cristianismo no Brasil (Rio de Janeiro, CPAD, 2006), p. 25. Nota do revisor.
[2] Enquanto tradicionalmente a nossa história apresenta, duma perspectiva católica, os franceses como invasores, na realidade eles eram colonizadores. Nota do revisor.
[3] Nicolas Durand de Villegagnon. Nota do revisor.
[4] Para uma análise da Confissão de Fé da Guanabara recomendo a leitura da Dissertação de Mestrado do Ms. Rev. Folton Nogueira da Silva. # [SILVA, Folton Nogueira da. Principais doutrinas da Confissão de fé da Guanabara. 1998] que pode ser obtida nos arquivos do CPAJ na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Para estudo continuado sobre o assunto recomendo dois livros que oferecem ad fontes:
1. Jean Crespin, A tragédia da Guanabara - A história dos primeiros mártires do Cristianismo no Brasil (Rio de Janeiro, CPAD, 2006).
2. Jean Crespin, A tragédia da Guanabara - A história dos primeiros mártires do Cristianismo no Brasil (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2007).
Tradução de Sergio Milliet
Revisão e notas por Rev. Ewerton B. Tokashiki
Extraído do livro Viagem à terra do Brasil, Jean de Léry, nota 134, Editora Itatiaia, 1980.
quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014
O testamento de João Calvino
A última vontade e testamento do Mestre João Calvino[1]
Em nome de Deus, seja conhecido de todos os homens e por aqueles que estão presentes, que no dia 25 de Abril do ano de 1564, eu Peter Chenelat, cidadão e tabelião de Genebra, fui procurado pelo honrado João Calvino, ministro da Palavra da Deus na Igreja de Genebra, e burguês da dita Genebra,[2] que estando doente e indisposto em corpo somente, declarou-me a sua intenção de fazer o seu testamento e declaração de sua última vontade, solicitando-me escreve-la conforme poderia por ele ser ditada e pronunciada no seu declarado desejo, tenho feito, e escrito-a sob a sua ordem, e de acordo com o que ele ditou e pronunciou, palavra por palavra, sem omitir ou, acrescentar nada – na forma como segue:
Em nome de Deus, eu João Calvino, ministro da Palavra de Deus, na Igreja de Genebra, sentindo estar em declínio [de saúde], por causa de diversos males, e que não posso senão pensar que isto seja da vontade de Deus para tirar-me em breve deste mundo, e sendo aconselhado a fazer e firmar por escrito o meu testamento e declaração da minha última vontade da forma como segue:
Em primeiro lugar, dou graças a Deus, não só porque teve compaixão de mim, uma pobre criatura sua, ao tirar-me do abismo da idolatria no qual eu estava atolado, de modo a guiar-me para a luz do seu evangelho e tornar-me um participante da doutrina da salvação, da qual eu era inteiramente indigno, e continuando em sua misericórdia, Ele tem me suportado em meio a muitos pecados e oscilações, que eram tais, que eu bem merecia ser rejeitado por Ele uma centena de vezes – mas pelo contrário, Ele estendeu-me a sua misericórdia para que eu e meu labor pudéssemos conduzir e anunciar a verdade do seu evangelho; protestando que é meu desejo viver e morrer nesta fé, a qual foi-me conferida, não possuindo outra esperança, nem refúgio, exceto em sua gratuita adoção, sobre a qual toda a minha salvação está fundamentada; abraçando a graça que Ele tem-me entregue, em nosso Senhor Jesus Cristo, e aceitando os méritos da sua morte e sofrimento, de modo que, por estes meios, todos os meus pecados estão sepultados; e orando-lhe para lavar-me e purificar-me pelo sangue deste grande Redentor, que foi derramado por nós, pobres pecadores, que eu possa comparecer diante de sua face, carregando a sua imagem tal como ela era.[3]
Também protesto que tenho diligentemente, de acordo com a medida da graça que me é dada, ensinar a sua Palavra com pureza, tanto em meus sermões como em meus escritos, e expondo fielmente a Sagrada Escritura; e ainda, que em toda disputa que tive com os inimigos da verdade, nunca fiz uso de sutis artimanhas, nem de sofismas, senão que tenho me esforçado em agir honestamente ao manter o debate. Mas ai de mim! Pois, o desejo que tive, e o zelo, se podem assim ser chamados, foram tão frios e tão lentos que sinto que sou um devedor a tudo e em toda parte, e que isto, não foi por sua infinita bondade, toda afeição que tive poderia ser como fumaça, e não somente isto, que desde os favores que Ele me concedeu poderiam senão render-me maior culpa; de modo que o meu único recurso é este, que sendo Pai de misericórdia, Ele me apresentará diante do Pai, sendo eu um tão miserável pecador.
Além disso, desejo que o meu corpo, após o meu falecimento, seja enterrado conforme o modo usual, para a espera do dia da bendita ressurreição.
A respeito dos poucos bens terrenos que Deus me deu aqui para dispor-los, eu nomeio e indico como o meu único herdeiro, meu amado irmão Antony Calvino, mas somente como honrado herdeiro, concedendo-lhe o direito de possuir nada mais, senão a taça que ganhei de Monsieur de Varennes,[4] e suplico-lhe que fique satisfeito com isto, como eu estou bem certo de que ele será, pois ele sabe que fiz isto por nenhuma outra razão, senão que o pouco que deixo possa permanecer para os seus filhos. Em seguida, deixo para a Academia dez moedas de cinco xelins, e para o tesouro dos pobres estrangeiros a mesma soma.[5] Igualmente, para Jane, filha de Charles Costan e minha meia-irmã,[6] por assim dizer, por parte de pai, a soma de dez moedas de cinco xelins; e ainda, para cada um de meus sobrinhos, Samuel e João, filhos de meu supracitado irmão,[7] quarenta moedas de cinco xelins; e para cada uma de minhas sobrinhas, Anne, Susannah e Dorothy deixo trinta moedas de cinco xelins. Também para o meu sobrinho David e seu irmão, pois ele tem sido imprudente e inseguro, deixo-lhe, porém, vinte e cinco moedas de cinco xelins como uma punição.[8] Este é o total de todos os bens que Deus me deu, de acordo com o que fui capaz de avaliar e estima-los, quer sejam em livros,[9] mobília,[10] objetos de prata, ou qualquer outra coisa. De qualquer modo, é possível que o resultado da venda remonte a alguma coisa mais, entendo que poderia ser distribuído entre meus citados sobrinhos e sobrinhas, sem excluir David, se Deus tiver lhe concedido graça para ser mais moderado e sério. Mas, creio que a respeito deste assunto não haverá dificuldade, especialmente quanto as minhas dívidas que serão pagas, como tenho encarregado a meu irmão em quem confio, nomeando-o executor deste testamento junto ao respeitável Laurence de Normandie, concedendo-lhes poderes e autoridade para fazer um inventário sem qualquer forma judicial, e negociar minha mobília para levantar dinheiro dela de modo a consumar as orientações deste testamento como ele está aqui firmado por escrito, neste dia
25 de Abril de 1564.
Testemunho com a minha mão,
JOÃO CALVINO.[11]
Após ser escrito como está acima, no mesmo instante o citado respeitável Calvino subscreveu com a sua usual assinatura o registro do citado testamento. E no dia seguinte, que foi 26 do mês de Abril, o citado respeitável Calvino chamou pela uma segunda vez junto aos respeitáveis Theodore Beza, Raymond Chauvet, Michael Cop, Louis Enoch, Nicholas Coladon, Jacques Desbordes, ministros da Palavra de Deus nesta igreja, e o respeitável Henry Seringer, professor de letras, todos os burgueses de Genebra, na presença de quem ele declarou que tinha determinado-me escrever sob ele, e com o seu ditado, o citado testamento na forma, e com as mesmas palavras que estão acima, dizendo-me para que o lesse em alta voz na presença das ditas testemunhas convidadas para este propósito, o que eu fiz com uma voz audível, e palavra por palavra. Depois desta leitura, ele declarou que esta era a sua vontade e último disposição, desejando que pudesse ser realizado. E assim, para maior confirmação do mesmo, solicitou as pessoas supracitadas que também a assinassem comigo, em Genebra, na rua chamada Des Chanoines, na residência do citado testador. Com fé disto, e para servir por suficiente prova, tenho redigido na forma como acima está apresentado o presente testamento, de modo a expedi-lo a quem o é de direito, sob o comum selo dos nossos mais honrados senhores e superiores e com a minha usual assinatura.
Testemunho com a minha mão,
P. CHENELAT.
NOTAS:
[1] Nota do tradutor: O texto original está no Corpus Reformatorum vol. 20, pp. 298-302.
[2] Nota do tradutor: Alister McGrath nota que “Calvino somente adquiriu o status de bougeois, em Genebra, na sua velhice: ele nunca veio a ser um cidadão da cidade. Ele não poderia concorrer às eleições (e até dezembro de 1559 ele não podia nem mesmo votar nas eleições municipais); nem teve ele qualquer acesso privilegiado ao Conselho municipal ou influência direta sobre este, em nenhuma fase de sua carreira.” Alister McGrath, A vida de João Calvino (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2004), p. 148.
[3] Nota do tradutor: Calvino em seus escritos preserva essa característica coerente à sua convicção de que era a soberana graça que o tornava aceito diante de Deus, apesar de sua indignidade pecaminosa. Herman J. Selderhuis nota que Calvino “continuamente cita em suas cartas numerosas características negativas das quais ele era ciente, mas que ao mesmo tempo tinha dificuldade de esconder.” Herman J. Selderhuis, ed., The Calvin Handbook (Grand Rapids, Wm. Eerdmans Pulishing Co., 2009), p. 6. Ronald Wallace faz similar observar “o próprio Calvino era bem consciente de muitas de suas falhas que, às vezes, prejudicavam seu testemunho público e que o caracterizavam como uma pessoa particular.” Ronald Wallace, Calvino, Genebra e a Reforma – Um estudo sobre Calvino como um Reformador Social, Clérigo, Pastor e Teólogo (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2003), p. 237. Sobre este assunto Wallace dedica das páginas 237 a 242.
[4] Nota do editor: Guilhaume de Trie, Lorde de Varennes. Ele morreu em 1562, deixando a guarda de seus filhos à Calvino.
[5] Nota do tradutor: Este “tesouro dos pobres estrangeiros” era um fundo de reserva que a cidade de Genebra tinha para socorrer os refugiados, que por motivos políticos ou teológicos eram expulsos de suas pátrias, e procuravam acolhida nesta cidade. Durante o retorno de João Calvino para Genebra esta cidade em pouco tempo tornou-se não somente um local de referência para a Reforma teológica, mas também para o pensamento econômico, político e social. O próprio Calvino sabia o que era andar errante como um “pobre estrangeiro”. David W. Hall, The legacy of John Calvin – his influence on the modern world (Phillipsburg, P&R Publishing, 2008), pp. 15-18.
[6] Nota do editor: Mary, filha de um segundo casamento de Gérard Calvino. Ela deixou Noyon em 1536, para acompanhar os seus irmãos, João e Antony para a Suíça.
[7] Nota do editor: Antony Calvino teve com a sua primeira esposa dois filhos, Samuel e Davi, e duas filhas, Anne e Susannah; com a segunda, um filho, João, que morreu sem deixar posteridade em 1601, e três filhas, Dorothy, Judith e Mary, que morreram da praga em 1574.
[8] Nota do editor: Este David, bem como o seu irmão Samuel, foram deserdados por Antony Calvino, por causa de sua “desobediência”.
[9] Nota do editor: Os livros de Calvino foram comprados após a sua morte pelo lorde, como podemos ver nos registros do concílio do dia 8 de Julho de 1564: “resolvido comprar para a república os tais livros do senhor Calvino, como o senhor Beza melhor julgar.”
[10] Nota do editor: Uma parte da mobília pertencia a república de Genebra, como é provado pelo inventário preservado nos arquivos (No. 1426). Extraímos desta lista os artigos emprestados para o reformador, do dia 27 de Dezembro de 1548, e devolvidos ao lorde após a sua morte.
[11] Nota do tradutor: Calvino faleceu em 27 de Maio de 1564 e é sepultado no dia seguinte “’envolvido em uma mortalha e colocado em um caixão de madeira, sem pompa ou cerimônia requintada ... seu túmulo foi identificado com um montículo simples, como o de seus mais humildes companheiros.’ Conforme ele mesmo desejara.” Derek W.H. Thomas, “Quem era João Calvino?” in: Burk Parsons, ed., João Calvino amor à devoção, doutrina e glória de Deus (São José dos Campos, Editora Fiel, 2010), p. 54.
[12] Nota do tradutor: O livro foi publicado pela Editora Cultura Cristã sob o título de “Cartas de João Calvino – celebrando os 500 anos de nascimento do Reformador de Genebra”.
Extraído de Letters of John Calvin: Select from the Bonnet Edition with an introductory biographical sketch (Edinburgh, The Banner of Truth Trust, 1980), pp. 249-253.[12]
Tradução em 20 de Novembro de 2005 e revisado em 12 de Fevereiro de 2014.
Rev. Ewerton B.Tokashiki
Em nome de Deus, seja conhecido de todos os homens e por aqueles que estão presentes, que no dia 25 de Abril do ano de 1564, eu Peter Chenelat, cidadão e tabelião de Genebra, fui procurado pelo honrado João Calvino, ministro da Palavra da Deus na Igreja de Genebra, e burguês da dita Genebra,[2] que estando doente e indisposto em corpo somente, declarou-me a sua intenção de fazer o seu testamento e declaração de sua última vontade, solicitando-me escreve-la conforme poderia por ele ser ditada e pronunciada no seu declarado desejo, tenho feito, e escrito-a sob a sua ordem, e de acordo com o que ele ditou e pronunciou, palavra por palavra, sem omitir ou, acrescentar nada – na forma como segue:
Em nome de Deus, eu João Calvino, ministro da Palavra de Deus, na Igreja de Genebra, sentindo estar em declínio [de saúde], por causa de diversos males, e que não posso senão pensar que isto seja da vontade de Deus para tirar-me em breve deste mundo, e sendo aconselhado a fazer e firmar por escrito o meu testamento e declaração da minha última vontade da forma como segue:
Em primeiro lugar, dou graças a Deus, não só porque teve compaixão de mim, uma pobre criatura sua, ao tirar-me do abismo da idolatria no qual eu estava atolado, de modo a guiar-me para a luz do seu evangelho e tornar-me um participante da doutrina da salvação, da qual eu era inteiramente indigno, e continuando em sua misericórdia, Ele tem me suportado em meio a muitos pecados e oscilações, que eram tais, que eu bem merecia ser rejeitado por Ele uma centena de vezes – mas pelo contrário, Ele estendeu-me a sua misericórdia para que eu e meu labor pudéssemos conduzir e anunciar a verdade do seu evangelho; protestando que é meu desejo viver e morrer nesta fé, a qual foi-me conferida, não possuindo outra esperança, nem refúgio, exceto em sua gratuita adoção, sobre a qual toda a minha salvação está fundamentada; abraçando a graça que Ele tem-me entregue, em nosso Senhor Jesus Cristo, e aceitando os méritos da sua morte e sofrimento, de modo que, por estes meios, todos os meus pecados estão sepultados; e orando-lhe para lavar-me e purificar-me pelo sangue deste grande Redentor, que foi derramado por nós, pobres pecadores, que eu possa comparecer diante de sua face, carregando a sua imagem tal como ela era.[3]
Também protesto que tenho diligentemente, de acordo com a medida da graça que me é dada, ensinar a sua Palavra com pureza, tanto em meus sermões como em meus escritos, e expondo fielmente a Sagrada Escritura; e ainda, que em toda disputa que tive com os inimigos da verdade, nunca fiz uso de sutis artimanhas, nem de sofismas, senão que tenho me esforçado em agir honestamente ao manter o debate. Mas ai de mim! Pois, o desejo que tive, e o zelo, se podem assim ser chamados, foram tão frios e tão lentos que sinto que sou um devedor a tudo e em toda parte, e que isto, não foi por sua infinita bondade, toda afeição que tive poderia ser como fumaça, e não somente isto, que desde os favores que Ele me concedeu poderiam senão render-me maior culpa; de modo que o meu único recurso é este, que sendo Pai de misericórdia, Ele me apresentará diante do Pai, sendo eu um tão miserável pecador.
Além disso, desejo que o meu corpo, após o meu falecimento, seja enterrado conforme o modo usual, para a espera do dia da bendita ressurreição.
A respeito dos poucos bens terrenos que Deus me deu aqui para dispor-los, eu nomeio e indico como o meu único herdeiro, meu amado irmão Antony Calvino, mas somente como honrado herdeiro, concedendo-lhe o direito de possuir nada mais, senão a taça que ganhei de Monsieur de Varennes,[4] e suplico-lhe que fique satisfeito com isto, como eu estou bem certo de que ele será, pois ele sabe que fiz isto por nenhuma outra razão, senão que o pouco que deixo possa permanecer para os seus filhos. Em seguida, deixo para a Academia dez moedas de cinco xelins, e para o tesouro dos pobres estrangeiros a mesma soma.[5] Igualmente, para Jane, filha de Charles Costan e minha meia-irmã,[6] por assim dizer, por parte de pai, a soma de dez moedas de cinco xelins; e ainda, para cada um de meus sobrinhos, Samuel e João, filhos de meu supracitado irmão,[7] quarenta moedas de cinco xelins; e para cada uma de minhas sobrinhas, Anne, Susannah e Dorothy deixo trinta moedas de cinco xelins. Também para o meu sobrinho David e seu irmão, pois ele tem sido imprudente e inseguro, deixo-lhe, porém, vinte e cinco moedas de cinco xelins como uma punição.[8] Este é o total de todos os bens que Deus me deu, de acordo com o que fui capaz de avaliar e estima-los, quer sejam em livros,[9] mobília,[10] objetos de prata, ou qualquer outra coisa. De qualquer modo, é possível que o resultado da venda remonte a alguma coisa mais, entendo que poderia ser distribuído entre meus citados sobrinhos e sobrinhas, sem excluir David, se Deus tiver lhe concedido graça para ser mais moderado e sério. Mas, creio que a respeito deste assunto não haverá dificuldade, especialmente quanto as minhas dívidas que serão pagas, como tenho encarregado a meu irmão em quem confio, nomeando-o executor deste testamento junto ao respeitável Laurence de Normandie, concedendo-lhes poderes e autoridade para fazer um inventário sem qualquer forma judicial, e negociar minha mobília para levantar dinheiro dela de modo a consumar as orientações deste testamento como ele está aqui firmado por escrito, neste dia
25 de Abril de 1564.
Testemunho com a minha mão,
JOÃO CALVINO.[11]
Após ser escrito como está acima, no mesmo instante o citado respeitável Calvino subscreveu com a sua usual assinatura o registro do citado testamento. E no dia seguinte, que foi 26 do mês de Abril, o citado respeitável Calvino chamou pela uma segunda vez junto aos respeitáveis Theodore Beza, Raymond Chauvet, Michael Cop, Louis Enoch, Nicholas Coladon, Jacques Desbordes, ministros da Palavra de Deus nesta igreja, e o respeitável Henry Seringer, professor de letras, todos os burgueses de Genebra, na presença de quem ele declarou que tinha determinado-me escrever sob ele, e com o seu ditado, o citado testamento na forma, e com as mesmas palavras que estão acima, dizendo-me para que o lesse em alta voz na presença das ditas testemunhas convidadas para este propósito, o que eu fiz com uma voz audível, e palavra por palavra. Depois desta leitura, ele declarou que esta era a sua vontade e último disposição, desejando que pudesse ser realizado. E assim, para maior confirmação do mesmo, solicitou as pessoas supracitadas que também a assinassem comigo, em Genebra, na rua chamada Des Chanoines, na residência do citado testador. Com fé disto, e para servir por suficiente prova, tenho redigido na forma como acima está apresentado o presente testamento, de modo a expedi-lo a quem o é de direito, sob o comum selo dos nossos mais honrados senhores e superiores e com a minha usual assinatura.
Testemunho com a minha mão,
P. CHENELAT.
NOTAS:
[1] Nota do tradutor: O texto original está no Corpus Reformatorum vol. 20, pp. 298-302.
[2] Nota do tradutor: Alister McGrath nota que “Calvino somente adquiriu o status de bougeois, em Genebra, na sua velhice: ele nunca veio a ser um cidadão da cidade. Ele não poderia concorrer às eleições (e até dezembro de 1559 ele não podia nem mesmo votar nas eleições municipais); nem teve ele qualquer acesso privilegiado ao Conselho municipal ou influência direta sobre este, em nenhuma fase de sua carreira.” Alister McGrath, A vida de João Calvino (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2004), p. 148.
[3] Nota do tradutor: Calvino em seus escritos preserva essa característica coerente à sua convicção de que era a soberana graça que o tornava aceito diante de Deus, apesar de sua indignidade pecaminosa. Herman J. Selderhuis nota que Calvino “continuamente cita em suas cartas numerosas características negativas das quais ele era ciente, mas que ao mesmo tempo tinha dificuldade de esconder.” Herman J. Selderhuis, ed., The Calvin Handbook (Grand Rapids, Wm. Eerdmans Pulishing Co., 2009), p. 6. Ronald Wallace faz similar observar “o próprio Calvino era bem consciente de muitas de suas falhas que, às vezes, prejudicavam seu testemunho público e que o caracterizavam como uma pessoa particular.” Ronald Wallace, Calvino, Genebra e a Reforma – Um estudo sobre Calvino como um Reformador Social, Clérigo, Pastor e Teólogo (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2003), p. 237. Sobre este assunto Wallace dedica das páginas 237 a 242.
[4] Nota do editor: Guilhaume de Trie, Lorde de Varennes. Ele morreu em 1562, deixando a guarda de seus filhos à Calvino.
[5] Nota do tradutor: Este “tesouro dos pobres estrangeiros” era um fundo de reserva que a cidade de Genebra tinha para socorrer os refugiados, que por motivos políticos ou teológicos eram expulsos de suas pátrias, e procuravam acolhida nesta cidade. Durante o retorno de João Calvino para Genebra esta cidade em pouco tempo tornou-se não somente um local de referência para a Reforma teológica, mas também para o pensamento econômico, político e social. O próprio Calvino sabia o que era andar errante como um “pobre estrangeiro”. David W. Hall, The legacy of John Calvin – his influence on the modern world (Phillipsburg, P&R Publishing, 2008), pp. 15-18.
[6] Nota do editor: Mary, filha de um segundo casamento de Gérard Calvino. Ela deixou Noyon em 1536, para acompanhar os seus irmãos, João e Antony para a Suíça.
[7] Nota do editor: Antony Calvino teve com a sua primeira esposa dois filhos, Samuel e Davi, e duas filhas, Anne e Susannah; com a segunda, um filho, João, que morreu sem deixar posteridade em 1601, e três filhas, Dorothy, Judith e Mary, que morreram da praga em 1574.
[8] Nota do editor: Este David, bem como o seu irmão Samuel, foram deserdados por Antony Calvino, por causa de sua “desobediência”.
[9] Nota do editor: Os livros de Calvino foram comprados após a sua morte pelo lorde, como podemos ver nos registros do concílio do dia 8 de Julho de 1564: “resolvido comprar para a república os tais livros do senhor Calvino, como o senhor Beza melhor julgar.”
[10] Nota do editor: Uma parte da mobília pertencia a república de Genebra, como é provado pelo inventário preservado nos arquivos (No. 1426). Extraímos desta lista os artigos emprestados para o reformador, do dia 27 de Dezembro de 1548, e devolvidos ao lorde após a sua morte.
[11] Nota do tradutor: Calvino faleceu em 27 de Maio de 1564 e é sepultado no dia seguinte “’envolvido em uma mortalha e colocado em um caixão de madeira, sem pompa ou cerimônia requintada ... seu túmulo foi identificado com um montículo simples, como o de seus mais humildes companheiros.’ Conforme ele mesmo desejara.” Derek W.H. Thomas, “Quem era João Calvino?” in: Burk Parsons, ed., João Calvino amor à devoção, doutrina e glória de Deus (São José dos Campos, Editora Fiel, 2010), p. 54.
[12] Nota do tradutor: O livro foi publicado pela Editora Cultura Cristã sob o título de “Cartas de João Calvino – celebrando os 500 anos de nascimento do Reformador de Genebra”.
Extraído de Letters of John Calvin: Select from the Bonnet Edition with an introductory biographical sketch (Edinburgh, The Banner of Truth Trust, 1980), pp. 249-253.[12]
Tradução em 20 de Novembro de 2005 e revisado em 12 de Fevereiro de 2014.
Rev. Ewerton B.Tokashiki
segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014
As 10 Teses de Berna [1528]
Introdução histórica
A Reforma teve início na Alemanha e encontrava adeptos na Suíça. Thomas Wyttenbach, um professor da Universidade de Basiléia,[1] produzia discípulos cada vez mais influentes no cantão leste. A teologia e as práticas da Igreja Católica Romana estavam progressivamente sendo mais questionadas na região de língua alemã. Deste modo, as cidades de Zurique, liderada por Hulrich Zwingli, Berna sob a liderança de Berthold Haller,[2] Sebastian Meyer[3] e Franz Kolb, e Basiléia com Thomas Wyttenbach influente mentor dos demais,[4] tornavam-se uma ameaça para o monopólio religioso romano.
Os governantes civis de Berna seguiram o exemplo de Zurique[5] e convocaram um concílio para realizarem um debate público em alemão, e não em latim. A reunião ocorreu durante o período de 7 a 26 de Janeiro de 1528, entretanto, os debates tiveram início formal em 15 de Janeiro. O concílio terminou no dia 26 de Janeiro, com a subscrição da maioria dos clérigos de Berna.
De um lado estariam os pregadores protestantes defendendo as suas conclusões teológicas. Assim foram as 10 Teses preparadas e defendidas pelos ministros que deram início à reforma da Igreja de Berna, Berthold Haller, Sebastian Meyer e Franz Kolb. Posteriormente, o texto foi revisado e publicado em alemão, latim e francês[6] para que fosse usado na conferência. Segundo Thomas M. Lindsay elas representavam uma “sucinta apresentação da pregação da Igreja Reformada na Suíça”[7] sob a liderança de Zwingli, que durante o período da disputa pregou dois sermões que causaram positiva impressão nos cidadãos.
Os bispos católicos da cidade de Constança, de Basiléia, de Valais e de Lausanne, apesar de convidados, não compareceram. Durante um segundo momento somente esteve presente o bispo Conrad Treger, de Lausanne, que decidiu guardar silêncio, por não aceitar que o debate ocorresse em língua nativa e não em latim. Os partidários romanistas da cidade de Berna não demonstraram interesse pelo debate, visto se virem desamparados pelo clero regional.
Os principais líderes da Reforma alemã e suíça estavam na conferência. Dentre os mais influentes Ambrosius Blaarer de Constança, Oecolampadius de Basiléia, Martin Bucer e Capito de Estrasburgo, Sebastian Wagner Hofmeister de Schaffhausen, William Farel que era pregador em Aigle, e outros menos conhecidos que entre os suíços e estrangeiros, somavam aproximadamente 250 clérigos presentes.
O resultado da disputa teológica entre protestantes e romanistas foi que as autoridades e cidadãos estavam resolutos em adotar a Reforma. De imediato foram tomadas decisões que refletiram o compromisso com o espírito reformado. A missa foi abolida e substituída pelo sermão,[8] imagens foram removidas dos templos e, os monastérios foram esvaziados e usados para a educação de pessoas comuns, e o sustento clérigos romanistas e a verba papal foi declarada ilegal em Berna. Deste modo o resultado foi que o novo movimento protestante obteve completa vitória em Berna.
A importância deste documento é que ele inaugura a expansão do movimento de Reforma na Suíça. Até então no cantão leste, Zurique está só, e Berna era uma das três cidades mais importantes da região. A união era uma necessidade urgente para que pudessem fortalecer o movimento de Reforma e alcançar outras cidades da federação suíça.
As 10 Teses de Berna
São nos entregues as seguintes conclusões de Franciscus Kolb e Berchtoldus Haller, ambos sendo pastores da Igreja de Berna, ao lado de outros professores ortodoxos, e por esta única razão, as recebemos a partir dos escritos bíblicos, tanto dos livros do Antigo como do Novo Testamento, neste dia designado, sendo o próximo domingo após o dia da circuncisão, no ano de 1528.[9]
I. A santa Igreja Cristã,[10] sobre quem somente Cristo é a Cabeça, é nascida da Palavra de Deus, e se conforma na mesma, e não ouve a voz de estranho.
II. A Igreja de Cristo não pode fazer nenhuma lei ou mandamento aparte da Palavra de Deus. Deste modo, as tradições humanas não devem ser-nos exigidas se elas não estiverem fundamentadas na Palavra de Deus.[11]
III. Cristo é a nossa única sabedoria, justiça, redenção e satisfação pelos pecados de todo o mundo. Assim sendo, nega a obra de Cristo, quando se confessa que há outro fundamento de salvação e satisfação.[12]
IV. Que o corpo e sangue de Cristo é recebido, essencial e corporalmente, no pão da Eucaristia é impossível de se provar a partir da Escritura Sagrada.[13]
V. A missa como atualmente é usada, na qual Cristo é oferecido a Deus o Pai, pelos pecados dos vivos e mortos, é contrária à sagrada Escritura, é blasfêmia contra o mais santo sacrifício, paixão e morte de Cristo e, por esta razão, considerado um abuso e uma abominação diante de Deus.
VI. Assim, somente Cristo morreu por nós, assim, ele deve ser adorado como o único Mediador e Advogado entre Deus o Pai e os crentes. Sendo assim, é contrário à Palavra de Deus propor e invocar outros mediadores.
VII. A Escritura nada revela acerca de um purgatório após esta vida. Assim, todas as homenagens aos mortos, como vigílias, missas pelos mortos, ritos fúnebres de sétimo dia, lâmpadas, candelabros, e coisas deste tipo, são inúteis.[14]
VIII. A adoração de imagens é uma prática contrária à Escritura, tanto nos livros do Antigo como no Novo Testamento. Deste modo, como as imagens desonram a si mesmas, e são um perigo, deveriam ser abolidas como objetos de adoração.
IX. O matrimônio não é proibido na Escritura para nenhuma ordem ou homem em qualquer condição, pelo contrário, é ordenado e permitido a todos que se casem como um meio de impedir a fornicação e a impureza.[15]
X. Assim, de acordo com a Escritura, um assumido fornicador precisa ser excomungado, porque ele está vivendo uma vida de solteiro luxuriosa e impura, que é tão pernicioso para qualquer pessoa e, muito mais para o sacerdote.
NOTAS:
[1] Fundada em 1459 a Universidade de Basiléia é o mais antigo centro acadêmico da Suíça em contínuo funcionamento.
[2] Berthold Haller nasceu em Aldingen (1492-1536), estudou em Rothweil e Pfortzheim onde ele estabeleceu uma aproximação com Felipe Melanchthon. Recebeu o seu bacharel em teologia da Universidade de Köln e, retornou para ensinar em Rothweil e em seguida foi lecionar em Berna (1513-1518), sendo eleito assistente de Thomas Wyttenbach. A sua simpatia e eloquência deu-lhe proeminência na cidade, entretanto o seu repetido desânimo diante das dificuldades precisou que Zwingli o encorajasse a perseverar na obra da Reforma. Segundo Thomas M. Lindsay foram Haller e Zwingli quem esboçaram o texto e tiveram o auxílio de Kolb para expor o seu conteúdo.
[3] Sebastian Meyer (1467-1545) foi um professor franciscano de teologia, de Elsas, que pregava em Berna desde 1518, contra os abusos da Igreja Roma. Os notórios ataques dos monges dominicanos em Berna (1507-1509) e, a venda de indulgências (1518) promovida por eles motivou os cidadãos a apreciarem as pregações e a lerem o documento.
[4] No livro Interpretação e fundamento das 67 Conclusões, escrito em 29 de Janeiro de 1523, Hulrich Zwingli afirma que “no início do ano de 1519 (cheguei a Zurique no dia 27 de Dezembro de 1518, o dia de São João Evangelista), nada sabia de Lutero, a não ser que havia publicado um escrito sobre as indulgências, escrito que a mim, nada poderia dizer de novidade. Acerca das indulgências, eu havia aprendido que são um engano e uma falsa esperança. Aprendi numa discussão promovida em Basiléia alguns anos antes, pelo Dr Thomas Wyttenbach, de Biel, ainda que não estive presente nos debates.” M. Gutiérrez Marín, Zuinglio – Antología (Barcelona, Producciones Editoriales del Nordeste, 1973), pág. 59. A concepção de Zwingli sobre a doutrina da Ceia do Senhor também recebeu influência de Wyttenbach que “atacou a venda de indulgências antes de Lutero, a concepção católica romana da Ceia do Senhor, e o celibato obrigatório.” Albert H. Newman, A Manual of Church History (Philadelphia, The American Baptist Publication Society, 1953), vol. 2, pág. 126; veja também em J. Rilliet, Zwingli: Third Man of the Reformation (Londres, Lutterworth Press, 1964), págs. 27-28.
[5] Em 1523 a liderança da cidade de Zurique convocou um debate entre Zwingli e um grupo representante da Igreja Católica Romana. Nesta disputa o reformador suíço apresentou as suas 67 Conclusões, dando início público à Reforma Suíça com o apoio da cidade.
[6] Originalmente o texto foi escrito em alemão suíço sendo traduzido por Zwingli para o latim e por Farel para o francês visando beneficiar os estrangeiros que estariam presentes no debate. Vide* Thomas M. Lindsay, A History of the Reformation (New York, Charles Scribner’s Sons, 1925), vol.2, págs. 41-42.
[7] Thomas M. Lindsay, A History of the Reformation, vol.2, págs. 42.
[8] O debate terminou no dia 26 de Janeiro e a missa foi abolida em 7 de Fevereiro do mesmo ano.
[9] A tradução fiz do texto latino conforme aparece em Philip Schaff, The Creeds of Christendom (Grand Rapids, Baker Books, 6ªed., 2007), vol. 3, pág. 208. O texto latino reza o seguinte: De sequentibus Conclusionibus nos Franciscus Kolb et Berchtoldus Haller, ambo pastores Ecclesiae Bernensis, simul cum aliis orthodoxiae professoribus unicuique rationem reddemus, ex scriptis biblicis, Veteris nimirum et N. Testamenti libris, die designato, mimirum primo post dominicam primam circumcisionis, anno MDXXVIII.” Um tanto diferente James T. Dennison, Jr. do latim traduz a parte introdutória desta forma: “Berthold Haller e Francis Kolb, ministros evangélicos em Berna com outros professores evangélicos, ambos responderão seguindo o método de proposições e deduções, sendo a regra para todos os debatedores que seja a sacra Escritura, que é a Bíblia do Antigo e Novo Testamento, no dia indicado em Berna, ou seja, aquele que é próximo à Festa da Circuncisão do Senhor. Ano 1528”. James T. Dennison, Jr., Reformed Confessions of the 16th and 17th Centuries in English Translation 1523-1552, vol. 1, pág. 41.
[10] James T. Dennison, Jr. traduz: “A santa igreja católica...” in: Reformed Confessions of the 16th and 17th Centuries in English Translation 1523-1552, vol. 1, pág. 41.
[11] Thomas M. Lindsay traduz: “A Igreja de Cristo não faz lei, nem estatuto aparte da Palavra de Deus, e conseqüentemente, aquelas ordenanças humanas que são chamados mandamentos da Igreja não podem obrigar nossas consciências a menos que estejam fundamentadas na Palavra de Deus e de acordo com ela.” A History of the Reformation, vol.2, págs. 41.
[12] Lindsay traduz: “Cristo é nossa sabedoria, justiça, redenção e pagamento pelos pecados do mundo todo; e todos os que pensam que podem obter salvação de outro modo, ou ter outra satisfação pelos seus pecados, renunciaram a Cristo.” A History of the Reformation, vol.2, págs. 41.
[13] Lindsay traduz: “É impossível provar das Escrituras que o Corpo e Sangue de Cristo estão corporalmente presentes no pão da Santa Ceia.” A History of the Reformation, vol.2, págs. 41.
[14] Lindsay traduz: “Não há evidência de Purgatório após a morte na Bíblia; e nenhum culto pelos mortos, nem vigílias, missas, ou coisa parecida, estas coisas são inúteis.” A History of the Reformation, vol.2, págs. 41.
[15] Lindsay traduz: “O casamento não é proibido em nenhum estado [civil] pela Escritura, mas devassidão e a fornicação são proibidas a qualquer estado em que se encontrar.” A History of the Reformation, vol.2, págs. 41.
[16] Collison revela que quando “Zwinglio se casou, informou seu bispo de que não era a concubina ou ‘ama de casa’ que a maior parte do clero suíço mantinha num quarto dos fundos.” Patrick Collison, A Reforma (Rio de Janeiro, Editora Objetiva, 2006), pág.94.
O texto pode ser encontrado em latim em Rev. B.J. Kidd, ed., Documents illustrative of the Continental Reformation (Eugene, Wipf & Stock Publishers, 1911), págs. 459-460; o texto comparativo do latim com o alemão suíço encontra-se em Philip Schaff, The Creeds of Christendom (Grand Rapids, Baker Books, 6ªed., 2007), vol. 3 págs. 208-210; o texto traduzido do francês para o inglês por James T. Dennison, Jr., org., Reformed Confessions of the 16th and 17th Centuries in English Translation – 1523-1552 (Grand Rapids, Reformation Heritage Books, 2008), vol. 1, págs. 40-42; e também do francês para o inglês uma tradução de Thomas M. Lindsay, A History of the Reformation (New York, Charles Scribner’s Sons, 1925), vol. 2, págs. 42-43.
Tradução com introdução e notas históricas em 27 de Junho de 2011.
Revisado em 10 de Fevereiro de 2014.
Rev. Ewerton B. Tokashiki
Pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Porto Velho
Professor de Teologia Sistemática do SPBC-RO.
A Reforma teve início na Alemanha e encontrava adeptos na Suíça. Thomas Wyttenbach, um professor da Universidade de Basiléia,[1] produzia discípulos cada vez mais influentes no cantão leste. A teologia e as práticas da Igreja Católica Romana estavam progressivamente sendo mais questionadas na região de língua alemã. Deste modo, as cidades de Zurique, liderada por Hulrich Zwingli, Berna sob a liderança de Berthold Haller,[2] Sebastian Meyer[3] e Franz Kolb, e Basiléia com Thomas Wyttenbach influente mentor dos demais,[4] tornavam-se uma ameaça para o monopólio religioso romano.
Os governantes civis de Berna seguiram o exemplo de Zurique[5] e convocaram um concílio para realizarem um debate público em alemão, e não em latim. A reunião ocorreu durante o período de 7 a 26 de Janeiro de 1528, entretanto, os debates tiveram início formal em 15 de Janeiro. O concílio terminou no dia 26 de Janeiro, com a subscrição da maioria dos clérigos de Berna.
De um lado estariam os pregadores protestantes defendendo as suas conclusões teológicas. Assim foram as 10 Teses preparadas e defendidas pelos ministros que deram início à reforma da Igreja de Berna, Berthold Haller, Sebastian Meyer e Franz Kolb. Posteriormente, o texto foi revisado e publicado em alemão, latim e francês[6] para que fosse usado na conferência. Segundo Thomas M. Lindsay elas representavam uma “sucinta apresentação da pregação da Igreja Reformada na Suíça”[7] sob a liderança de Zwingli, que durante o período da disputa pregou dois sermões que causaram positiva impressão nos cidadãos.
Os bispos católicos da cidade de Constança, de Basiléia, de Valais e de Lausanne, apesar de convidados, não compareceram. Durante um segundo momento somente esteve presente o bispo Conrad Treger, de Lausanne, que decidiu guardar silêncio, por não aceitar que o debate ocorresse em língua nativa e não em latim. Os partidários romanistas da cidade de Berna não demonstraram interesse pelo debate, visto se virem desamparados pelo clero regional.
Os principais líderes da Reforma alemã e suíça estavam na conferência. Dentre os mais influentes Ambrosius Blaarer de Constança, Oecolampadius de Basiléia, Martin Bucer e Capito de Estrasburgo, Sebastian Wagner Hofmeister de Schaffhausen, William Farel que era pregador em Aigle, e outros menos conhecidos que entre os suíços e estrangeiros, somavam aproximadamente 250 clérigos presentes.
O resultado da disputa teológica entre protestantes e romanistas foi que as autoridades e cidadãos estavam resolutos em adotar a Reforma. De imediato foram tomadas decisões que refletiram o compromisso com o espírito reformado. A missa foi abolida e substituída pelo sermão,[8] imagens foram removidas dos templos e, os monastérios foram esvaziados e usados para a educação de pessoas comuns, e o sustento clérigos romanistas e a verba papal foi declarada ilegal em Berna. Deste modo o resultado foi que o novo movimento protestante obteve completa vitória em Berna.
A importância deste documento é que ele inaugura a expansão do movimento de Reforma na Suíça. Até então no cantão leste, Zurique está só, e Berna era uma das três cidades mais importantes da região. A união era uma necessidade urgente para que pudessem fortalecer o movimento de Reforma e alcançar outras cidades da federação suíça.
As 10 Teses de Berna
São nos entregues as seguintes conclusões de Franciscus Kolb e Berchtoldus Haller, ambos sendo pastores da Igreja de Berna, ao lado de outros professores ortodoxos, e por esta única razão, as recebemos a partir dos escritos bíblicos, tanto dos livros do Antigo como do Novo Testamento, neste dia designado, sendo o próximo domingo após o dia da circuncisão, no ano de 1528.[9]
I. A santa Igreja Cristã,[10] sobre quem somente Cristo é a Cabeça, é nascida da Palavra de Deus, e se conforma na mesma, e não ouve a voz de estranho.
II. A Igreja de Cristo não pode fazer nenhuma lei ou mandamento aparte da Palavra de Deus. Deste modo, as tradições humanas não devem ser-nos exigidas se elas não estiverem fundamentadas na Palavra de Deus.[11]
III. Cristo é a nossa única sabedoria, justiça, redenção e satisfação pelos pecados de todo o mundo. Assim sendo, nega a obra de Cristo, quando se confessa que há outro fundamento de salvação e satisfação.[12]
IV. Que o corpo e sangue de Cristo é recebido, essencial e corporalmente, no pão da Eucaristia é impossível de se provar a partir da Escritura Sagrada.[13]
V. A missa como atualmente é usada, na qual Cristo é oferecido a Deus o Pai, pelos pecados dos vivos e mortos, é contrária à sagrada Escritura, é blasfêmia contra o mais santo sacrifício, paixão e morte de Cristo e, por esta razão, considerado um abuso e uma abominação diante de Deus.
VI. Assim, somente Cristo morreu por nós, assim, ele deve ser adorado como o único Mediador e Advogado entre Deus o Pai e os crentes. Sendo assim, é contrário à Palavra de Deus propor e invocar outros mediadores.
VII. A Escritura nada revela acerca de um purgatório após esta vida. Assim, todas as homenagens aos mortos, como vigílias, missas pelos mortos, ritos fúnebres de sétimo dia, lâmpadas, candelabros, e coisas deste tipo, são inúteis.[14]
VIII. A adoração de imagens é uma prática contrária à Escritura, tanto nos livros do Antigo como no Novo Testamento. Deste modo, como as imagens desonram a si mesmas, e são um perigo, deveriam ser abolidas como objetos de adoração.
IX. O matrimônio não é proibido na Escritura para nenhuma ordem ou homem em qualquer condição, pelo contrário, é ordenado e permitido a todos que se casem como um meio de impedir a fornicação e a impureza.[15]
X. Assim, de acordo com a Escritura, um assumido fornicador precisa ser excomungado, porque ele está vivendo uma vida de solteiro luxuriosa e impura, que é tão pernicioso para qualquer pessoa e, muito mais para o sacerdote.
NOTAS:
[1] Fundada em 1459 a Universidade de Basiléia é o mais antigo centro acadêmico da Suíça em contínuo funcionamento.
[2] Berthold Haller nasceu em Aldingen (1492-1536), estudou em Rothweil e Pfortzheim onde ele estabeleceu uma aproximação com Felipe Melanchthon. Recebeu o seu bacharel em teologia da Universidade de Köln e, retornou para ensinar em Rothweil e em seguida foi lecionar em Berna (1513-1518), sendo eleito assistente de Thomas Wyttenbach. A sua simpatia e eloquência deu-lhe proeminência na cidade, entretanto o seu repetido desânimo diante das dificuldades precisou que Zwingli o encorajasse a perseverar na obra da Reforma. Segundo Thomas M. Lindsay foram Haller e Zwingli quem esboçaram o texto e tiveram o auxílio de Kolb para expor o seu conteúdo.
[3] Sebastian Meyer (1467-1545) foi um professor franciscano de teologia, de Elsas, que pregava em Berna desde 1518, contra os abusos da Igreja Roma. Os notórios ataques dos monges dominicanos em Berna (1507-1509) e, a venda de indulgências (1518) promovida por eles motivou os cidadãos a apreciarem as pregações e a lerem o documento.
[4] No livro Interpretação e fundamento das 67 Conclusões, escrito em 29 de Janeiro de 1523, Hulrich Zwingli afirma que “no início do ano de 1519 (cheguei a Zurique no dia 27 de Dezembro de 1518, o dia de São João Evangelista), nada sabia de Lutero, a não ser que havia publicado um escrito sobre as indulgências, escrito que a mim, nada poderia dizer de novidade. Acerca das indulgências, eu havia aprendido que são um engano e uma falsa esperança. Aprendi numa discussão promovida em Basiléia alguns anos antes, pelo Dr Thomas Wyttenbach, de Biel, ainda que não estive presente nos debates.” M. Gutiérrez Marín, Zuinglio – Antología (Barcelona, Producciones Editoriales del Nordeste, 1973), pág. 59. A concepção de Zwingli sobre a doutrina da Ceia do Senhor também recebeu influência de Wyttenbach que “atacou a venda de indulgências antes de Lutero, a concepção católica romana da Ceia do Senhor, e o celibato obrigatório.” Albert H. Newman, A Manual of Church History (Philadelphia, The American Baptist Publication Society, 1953), vol. 2, pág. 126; veja também em J. Rilliet, Zwingli: Third Man of the Reformation (Londres, Lutterworth Press, 1964), págs. 27-28.
[5] Em 1523 a liderança da cidade de Zurique convocou um debate entre Zwingli e um grupo representante da Igreja Católica Romana. Nesta disputa o reformador suíço apresentou as suas 67 Conclusões, dando início público à Reforma Suíça com o apoio da cidade.
[6] Originalmente o texto foi escrito em alemão suíço sendo traduzido por Zwingli para o latim e por Farel para o francês visando beneficiar os estrangeiros que estariam presentes no debate. Vide* Thomas M. Lindsay, A History of the Reformation (New York, Charles Scribner’s Sons, 1925), vol.2, págs. 41-42.
[7] Thomas M. Lindsay, A History of the Reformation, vol.2, págs. 42.
[8] O debate terminou no dia 26 de Janeiro e a missa foi abolida em 7 de Fevereiro do mesmo ano.
[9] A tradução fiz do texto latino conforme aparece em Philip Schaff, The Creeds of Christendom (Grand Rapids, Baker Books, 6ªed., 2007), vol. 3, pág. 208. O texto latino reza o seguinte: De sequentibus Conclusionibus nos Franciscus Kolb et Berchtoldus Haller, ambo pastores Ecclesiae Bernensis, simul cum aliis orthodoxiae professoribus unicuique rationem reddemus, ex scriptis biblicis, Veteris nimirum et N. Testamenti libris, die designato, mimirum primo post dominicam primam circumcisionis, anno MDXXVIII.” Um tanto diferente James T. Dennison, Jr. do latim traduz a parte introdutória desta forma: “Berthold Haller e Francis Kolb, ministros evangélicos em Berna com outros professores evangélicos, ambos responderão seguindo o método de proposições e deduções, sendo a regra para todos os debatedores que seja a sacra Escritura, que é a Bíblia do Antigo e Novo Testamento, no dia indicado em Berna, ou seja, aquele que é próximo à Festa da Circuncisão do Senhor. Ano 1528”. James T. Dennison, Jr., Reformed Confessions of the 16th and 17th Centuries in English Translation 1523-1552, vol. 1, pág. 41.
[10] James T. Dennison, Jr. traduz: “A santa igreja católica...” in: Reformed Confessions of the 16th and 17th Centuries in English Translation 1523-1552, vol. 1, pág. 41.
[11] Thomas M. Lindsay traduz: “A Igreja de Cristo não faz lei, nem estatuto aparte da Palavra de Deus, e conseqüentemente, aquelas ordenanças humanas que são chamados mandamentos da Igreja não podem obrigar nossas consciências a menos que estejam fundamentadas na Palavra de Deus e de acordo com ela.” A History of the Reformation, vol.2, págs. 41.
[12] Lindsay traduz: “Cristo é nossa sabedoria, justiça, redenção e pagamento pelos pecados do mundo todo; e todos os que pensam que podem obter salvação de outro modo, ou ter outra satisfação pelos seus pecados, renunciaram a Cristo.” A History of the Reformation, vol.2, págs. 41.
[13] Lindsay traduz: “É impossível provar das Escrituras que o Corpo e Sangue de Cristo estão corporalmente presentes no pão da Santa Ceia.” A History of the Reformation, vol.2, págs. 41.
[14] Lindsay traduz: “Não há evidência de Purgatório após a morte na Bíblia; e nenhum culto pelos mortos, nem vigílias, missas, ou coisa parecida, estas coisas são inúteis.” A History of the Reformation, vol.2, págs. 41.
[15] Lindsay traduz: “O casamento não é proibido em nenhum estado [civil] pela Escritura, mas devassidão e a fornicação são proibidas a qualquer estado em que se encontrar.” A History of the Reformation, vol.2, págs. 41.
[16] Collison revela que quando “Zwinglio se casou, informou seu bispo de que não era a concubina ou ‘ama de casa’ que a maior parte do clero suíço mantinha num quarto dos fundos.” Patrick Collison, A Reforma (Rio de Janeiro, Editora Objetiva, 2006), pág.94.
O texto pode ser encontrado em latim em Rev. B.J. Kidd, ed., Documents illustrative of the Continental Reformation (Eugene, Wipf & Stock Publishers, 1911), págs. 459-460; o texto comparativo do latim com o alemão suíço encontra-se em Philip Schaff, The Creeds of Christendom (Grand Rapids, Baker Books, 6ªed., 2007), vol. 3 págs. 208-210; o texto traduzido do francês para o inglês por James T. Dennison, Jr., org., Reformed Confessions of the 16th and 17th Centuries in English Translation – 1523-1552 (Grand Rapids, Reformation Heritage Books, 2008), vol. 1, págs. 40-42; e também do francês para o inglês uma tradução de Thomas M. Lindsay, A History of the Reformation (New York, Charles Scribner’s Sons, 1925), vol. 2, págs. 42-43.
Tradução com introdução e notas históricas em 27 de Junho de 2011.
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