Por João Calvino
Antes que o primeiro homem fosse criado, Deus por um decreto determinou o que aconteceria a toda a raça humana.
Através deste oculto decreto de Deus, foi decidido que Adão cairia do seu perfeito estado de sua natureza e arrastaria toda a sua posteridade em culpa e morte eterna.
Sobre o mesmo decreto penderia a discriminação entre o eleito e o réprobo: pois, alguns Ele para si mesmo adotou para a salvação; no entanto, Ele destinou outros para a destruição eterna.
Apesar do réprobo ser vaso da justa vingança de Deus e, o eleito ser vaso de misericórdia, todavia, não há outra causa da discriminação encontrada em Deus, senão a sua simples vontade, a qual é a suprema regra de justiça.
Apesar disto, é pela fé que o eleito recebe a graça da adoção, todavia, a eleição não depende da fé, mas é anterior a ela em tempo e em ordem.
Portanto, a origem e perseverança da fé decorrem da gratuita eleição de Deus, sendo que nenhum outro é verdadeiramente iluminado com fé, nem são dotados com o Espírito de regeneração, a não ser aqueles que Deus tenha escolhido: mas, o réprobo inevitavelmente mantém-se em sua escuridão e distante queda da fé, mesmo que haja qualquer coisa boa nele.
Apesar de sermos escolhidos em Cristo, todavia, o Senhor que considera-nos entre os seus, está ordenado para si fazer-nos membros de Cristo.
Apesar da vontade de Deus ser a suprema e primeira causa de todas as coisas, e Deus dirigir o demônio e todos os ímpios segundo a sua vontade, entretanto, a Deus nunca pode ser atribuído a causa do pecado, nem a autoria do mal, nem é Ele aberto para alguma culpa.
Apesar de Deus ser verdadeiramente hostil ao pecado e condenar todo a iniquidade dos homens, pois lhe são ofensivos, todavia, não acontecem meramente pela sua permissão revelada, mas pela sua vontade e decreto secreto em que todas as coisas ocorrem e os homens são governados.
Apesar do demônio e réprobos serem servos e instrumentos para conduzir suas decisões secretas, entretanto, de uma maneira incompreensível, Deus assim opera neles, e através deles, ao restringir sem, todavia, contaminar-se com o seu vício, porque a sua malícia é usada num justo e correto caminho para um bom propósito, apesar da maneira como é feito, muitas vezes para nós isto é ocultado.
Eles agem ignorantes e com calúnias, ao dizer que Deus se torna o autor do pecado, se todas as coisas ocorrem pela sua vontade e ordenança; pois, não distinguem entre a obstinada depravação dos homens e os ocultos desígnios de Deus.
Extraído de B.B. Warfield, Studies in Theology (Grand Rapids, Baker Books, 2002), pp. 193-194
Traduzido por Rev. Ewerton B. Tokashiki
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segunda-feira, 19 de março de 2018
quarta-feira, 3 de janeiro de 2018
Comentário de Martinho Lutero sobre Rm 1:17-18
v. 17. A justiça de Deus se revela.[1]
Os ensinos humanos revelam e inculcam a justiça dos homens, ou seja, instrui-se quem é e de que natureza é o justo diante de si e dos demais, e como se pode alcançar. Mas em nenhum outro lugar, senão no evangelho se revela a justiça de Deus (ou seja, quem é e de que natureza é o justo diante de Deus, e como se pode ser) por meio da fé somente com que o homem crê na Palavra de Deus, como está escrito no último capítulo de Marcos (16:16): “o que crer e for batizado, será salvo; mas o que não crer, será condenado”. Pois a justiça de Deus é a causa da salvação. E como ocorreu com o “poder” de Deus, também com a “justiça” de Deus deve-se entender não aquela por virtude da qual ele é justo em si mesmo, senão a justiça pela qual somos feitos justos por Deus. E esse “ser feito justo” ocorre por meio da fé no evangelho. Por isso, santo Agostinho escreveu no capítulo 11 de sua obra Acerca do Espírito e a Letra: “Ela é chamada de justiça de Deus, porque ao infundí-la, Deus faz justos aos homens, assim como a “salvação que é do Senhor” (da qual fala o Salmo 3:8) é o ato salvador mediante o qual Deus salva aos homens”. santo Agostinho diz a mesma coisa no capítulo 9 da obra citada. E a chama justiça de Deus para diferencia-la da justiça dos homens, que emana de suas obras, como descreve Aristóteles no Livro III de sua Moral. Para Aristóteles, a justiça é o resultado das obras, e se origina nelas. Mas para Deus, a justiça precede às obras, de modo que as obras são o resultado da justiça - tal como ocorre com as obras de um bispo ou sacerdote: somente consegue fazê-las aquela pessoa que previamente foi consagrada e separada para que as faça. As obras justas de pessoas que, todavia, não são justas, são como as obras de um homem que desempenha as funções de um sacerdote e bispo sem que seja um sacerdote; ou seja, são imitações grosseiras, comparáveis aos truques dos charlatães da feira.
Em segundo lugar, devemos dirigir nossa atenção às interpretações bastante diferentes que fizeram das palavras por fé e para fé, v.17. Lyra sugere a seguinte: “Desde uma fé informe a uma fé formada”. Mas isto é de todo inaceitável, posto que nenhum justo vive de uma “fé informe”, nem mesmo é certo que a justiça de Deus vem da fé informe - mas em nosso texto se afirma tanto um como o outro: que o justo viverá pela fé, e que a justiça de Deus se revela pela fé. Talvez Lyra entenda com “fé informe” a fé dos neófitos, e com “fé formada” a fé dos crentes maduros. Mas uma fé informe no final das contas não é fé, senão algo oposto à fé; pois não vejo como alguma pessoa é capaz de crêr com uma fé informe. Mas isto pode-se fazer: ver o que se deve crer, e permanecer assim em suspenso.
Outros propõe a seguinte solução: “Da fé dos pais que viveram sob a antiga lei à fé da nova lei. Esta interpretação é mais aceitável, ainda que, pressuponho, também se possa desaprovar e refutar com o argumento de que o justo não vive da fé das gerações passadas. Paulo disse: “o justo viverá pela fé”. Os pais creram no mesmo que também cremos. Não há além do que uma única fé, se bem que a dos antigos possivelmente foi menos clara, assim como também hoje em dia as pessoas instruídas creem no mesmo que as não instruídas, ainda que as primeiras possuem um entendimento mais detalhado. O significado desta passagem parece ser, pois, o seguinte: A justiça de Deus é somente e exclusivamente uma justiça pela fé, mas de tal sorte que, em desenvolvimento, não “entra em aparência” senão que produz uma fé sempre mais nítida, conforme declara em 2 Co 3:18: “Somos transformados de uma glória em outra etc.”, e (Sl 84:7): "Irão de poder em poder. Assim, também, irão de “de fé em fé”, crendo com maior firmeza sempre, de modo que “o que é justo, pratique a justiça ainda mais” (Ap 22:11). Em outras palavras: Ninguém deve pretender havê-lo alcançado (Fp 3:13), e por tal motivo deixar de avançar, e começar a retroceder. Santo Agostinho observa no capítulo 11 do livro Acerca do Espírito e a Letra: “Da fé dos que confessam com a boca à fé dos que obedecem com os atos”. E Paulo de Burgos disse: “Da fé da sinagoga (como ponto de partida) à fé da igreja (como meta)”. O apóstolo Paulo, entretanto, disse “que a justiça vem pela fé, mas os gentios não tiveram uma fé da qual pudessem ser conduzidos a outra fé a fim de serem justificados”.
v.18. A ira de Deus se revela.
O apóstolo dirige o seu ataque a todos os governantes e sábios deste mundo, porque uma vez que foram reduzidos à humildade, estes facilmente reduzirão à humildade também os governados e os indoutos. O outro motivo por que ataca principalmente aqueles, é que os poderosos e sábios foram os que mais se opuseram ao evangelho e à palavra e à vida prometida pela cruz de Cristo, instigando também aos demais contra ela. Por isso, o apóstolo lhes imputa a culpa e o pecado como se eles fossem os únicos culpáveis e pecadores, e lhes anuncia a ira divina que se desatará contra eles.
Com efeito: para ninguém a “palavra da cruz é uma loucura tão grande” (1 Co 1:18) como precisamente para os filósofos e os que ostentam o poder, porque é uma mensagem diametralmente oposta a eles mesmos e ao seu modo de pensar.
NOTA:
[1] A luta pessoal de Lutero com o conceito básico da iustitia Dei achou a sua expressão nitidamente no prefácio que ele escreveu para a edição de 1545 de suas Obras em latim, Luther's Works, American Edition vol. 34, pp. 336-337. Em WA III, 147, pp. 13-16, Lutero chama a passagem de Rm 1:17-18 de conclusio totius Epistolae b. Pauli ad Romanos.
Os ensinos humanos revelam e inculcam a justiça dos homens, ou seja, instrui-se quem é e de que natureza é o justo diante de si e dos demais, e como se pode alcançar. Mas em nenhum outro lugar, senão no evangelho se revela a justiça de Deus (ou seja, quem é e de que natureza é o justo diante de Deus, e como se pode ser) por meio da fé somente com que o homem crê na Palavra de Deus, como está escrito no último capítulo de Marcos (16:16): “o que crer e for batizado, será salvo; mas o que não crer, será condenado”. Pois a justiça de Deus é a causa da salvação. E como ocorreu com o “poder” de Deus, também com a “justiça” de Deus deve-se entender não aquela por virtude da qual ele é justo em si mesmo, senão a justiça pela qual somos feitos justos por Deus. E esse “ser feito justo” ocorre por meio da fé no evangelho. Por isso, santo Agostinho escreveu no capítulo 11 de sua obra Acerca do Espírito e a Letra: “Ela é chamada de justiça de Deus, porque ao infundí-la, Deus faz justos aos homens, assim como a “salvação que é do Senhor” (da qual fala o Salmo 3:8) é o ato salvador mediante o qual Deus salva aos homens”. santo Agostinho diz a mesma coisa no capítulo 9 da obra citada. E a chama justiça de Deus para diferencia-la da justiça dos homens, que emana de suas obras, como descreve Aristóteles no Livro III de sua Moral. Para Aristóteles, a justiça é o resultado das obras, e se origina nelas. Mas para Deus, a justiça precede às obras, de modo que as obras são o resultado da justiça - tal como ocorre com as obras de um bispo ou sacerdote: somente consegue fazê-las aquela pessoa que previamente foi consagrada e separada para que as faça. As obras justas de pessoas que, todavia, não são justas, são como as obras de um homem que desempenha as funções de um sacerdote e bispo sem que seja um sacerdote; ou seja, são imitações grosseiras, comparáveis aos truques dos charlatães da feira.
Em segundo lugar, devemos dirigir nossa atenção às interpretações bastante diferentes que fizeram das palavras por fé e para fé, v.17. Lyra sugere a seguinte: “Desde uma fé informe a uma fé formada”. Mas isto é de todo inaceitável, posto que nenhum justo vive de uma “fé informe”, nem mesmo é certo que a justiça de Deus vem da fé informe - mas em nosso texto se afirma tanto um como o outro: que o justo viverá pela fé, e que a justiça de Deus se revela pela fé. Talvez Lyra entenda com “fé informe” a fé dos neófitos, e com “fé formada” a fé dos crentes maduros. Mas uma fé informe no final das contas não é fé, senão algo oposto à fé; pois não vejo como alguma pessoa é capaz de crêr com uma fé informe. Mas isto pode-se fazer: ver o que se deve crer, e permanecer assim em suspenso.
Outros propõe a seguinte solução: “Da fé dos pais que viveram sob a antiga lei à fé da nova lei. Esta interpretação é mais aceitável, ainda que, pressuponho, também se possa desaprovar e refutar com o argumento de que o justo não vive da fé das gerações passadas. Paulo disse: “o justo viverá pela fé”. Os pais creram no mesmo que também cremos. Não há além do que uma única fé, se bem que a dos antigos possivelmente foi menos clara, assim como também hoje em dia as pessoas instruídas creem no mesmo que as não instruídas, ainda que as primeiras possuem um entendimento mais detalhado. O significado desta passagem parece ser, pois, o seguinte: A justiça de Deus é somente e exclusivamente uma justiça pela fé, mas de tal sorte que, em desenvolvimento, não “entra em aparência” senão que produz uma fé sempre mais nítida, conforme declara em 2 Co 3:18: “Somos transformados de uma glória em outra etc.”, e (Sl 84:7): "Irão de poder em poder. Assim, também, irão de “de fé em fé”, crendo com maior firmeza sempre, de modo que “o que é justo, pratique a justiça ainda mais” (Ap 22:11). Em outras palavras: Ninguém deve pretender havê-lo alcançado (Fp 3:13), e por tal motivo deixar de avançar, e começar a retroceder. Santo Agostinho observa no capítulo 11 do livro Acerca do Espírito e a Letra: “Da fé dos que confessam com a boca à fé dos que obedecem com os atos”. E Paulo de Burgos disse: “Da fé da sinagoga (como ponto de partida) à fé da igreja (como meta)”. O apóstolo Paulo, entretanto, disse “que a justiça vem pela fé, mas os gentios não tiveram uma fé da qual pudessem ser conduzidos a outra fé a fim de serem justificados”.
v.18. A ira de Deus se revela.
O apóstolo dirige o seu ataque a todos os governantes e sábios deste mundo, porque uma vez que foram reduzidos à humildade, estes facilmente reduzirão à humildade também os governados e os indoutos. O outro motivo por que ataca principalmente aqueles, é que os poderosos e sábios foram os que mais se opuseram ao evangelho e à palavra e à vida prometida pela cruz de Cristo, instigando também aos demais contra ela. Por isso, o apóstolo lhes imputa a culpa e o pecado como se eles fossem os únicos culpáveis e pecadores, e lhes anuncia a ira divina que se desatará contra eles.
Com efeito: para ninguém a “palavra da cruz é uma loucura tão grande” (1 Co 1:18) como precisamente para os filósofos e os que ostentam o poder, porque é uma mensagem diametralmente oposta a eles mesmos e ao seu modo de pensar.
NOTA:
[1] A luta pessoal de Lutero com o conceito básico da iustitia Dei achou a sua expressão nitidamente no prefácio que ele escreveu para a edição de 1545 de suas Obras em latim, Luther's Works, American Edition vol. 34, pp. 336-337. Em WA III, 147, pp. 13-16, Lutero chama a passagem de Rm 1:17-18 de conclusio totius Epistolae b. Pauli ad Romanos.
domingo, 19 de novembro de 2017
O pacto da graça - Johannes Wollebius
(1)
1. O resultado e benefício do chamado são a externa comunhão [communio] do pacto da graça e da igreja.
2. A externa comunhão do pacto da graça é de que aqueles que são chamados são considerados um povo do pacto e de Deus.
3. Isto é declarado por analogia; pois de fato, alguns são realmente povo de Deus, enquanto outros somente manifestam uma confissão externa.
4. Tanto a doação [oblatio] como o selar [obsignatio] do pacto da graça devem ser considerados.
5. A doação do pacto da graça é o ato pelo qual Deus promete a si mesmo, como o Pai em Cristo ao eleito, se eles viverem numa filial obediência.
PROPOSIÇÕES
I. Isto não deve ser entendido como um pacto universal que Deus fez com todas as criaturas, como o pacto das obras com os nossos primeiros pais, mas como o pacto que Deus fez conosco, a partir da pura misericórdia, após a queda.
II. Ela também é chamada de um testamento, porque Deus teria, por meio dela, como resultado da mediação de seu filho Jesus Cristo, designando uma herança celestial para os seus filhos. “Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor: na sua mente imprimirei as minhas leis, também sobre o seu coração as inscreverei; e eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo” (Hb 8:10, ARA). “Por isso mesmo, ele é o Mediador da nova aliança, a fim de que, intervindo a morte para remissão das transgressões que havia sob a primeira aliança recebam a promessa da eterna herança aqueles que têm sido chamados. Porque, onde há testamento, é necessário que intervenha a morte do testador” (Hb 9:15-16, ARA).
III. A causa eficiente [do pacto da graça] é toda a Santa Trindade, em particular [singulariter] Cristo o Deus-homem, o anjo do pacto. “Eis que eu envio o meu mensageiro [João Batista], que preparará o caminho diante de mim; de repente, virá ao seu templo o Senhor, a quem vós buscais, o Anjo da Aliança, a quem vós desejais; eis que ele vem, diz o SENHOR dos Exércitos” (Ml 3:1).
IV. O conteúdo [materia] do pacto da graça é a concordância entre as duas partes, Deus e o homem. Deus promete ser o nosso Deus em Cristo o Senhor; o homem, em contrapartida, promete obediência de fé e vida.
V. A forma do pacto consiste numa mútua obrigação, mas a relação não é entre iguais; a promessa e obrigação de Deus são livres, enquanto que a do homem é um dever e exigência.
VI. O propósito da oferta do pacto é, do mesmo modo que o comum chamado, a glória de Deus e a salvação do eleito.
VII. O sujeito e objeto a quem o pacto é oferecido é a todos que são chamados, mas estritamente falando [proprie], ela é somente ao eleito. O pacto é oferecido a todos que são chamados, mas somente o eleito goza das promessas do pacto.
VIII. A administração do pacto da graça deve ser vista em seus complementos.
IX. A administração é distinta, com respeito ao tempo, no antigo e novo pacto ou testamento.
X. O antigo testamento é o pacto da graça administrado até o tempo da manifestação de Cristo.
XI. Há três formas sob a qual ela foi administrada: primeiro do período de Adão até Abraão, o segundo de Abraão até Moisés, e o terceiro de Moisés até Cristo.
XII. O primeiro e segundo desses períodos diferem nestes modos: (1) o primeiro foi marcado pelas palavras da promessa, bem breve pela certeza, mas inconfundivelmente evidente; o segundo não somente por uma promessa, mas também por uma expressa condição da obediência. (2) No primeiro teve somente o ritual do sacrifício, o segundo do mesmo modo a circuncisão. (3) No primeiro o pacto foi oferecido a toda a raça humana; no segundo ela foi restrita aos filhos de Abraão.
XIII. Entre os primeiros dois e o último período há uma diferença: o terceiro é mais perfeito e verdadeiramente testamentário, adornado não somente pela páscoa, mas por muitos outros tipos da morte de Cristo.
XIV. O novo testamento é o pacto da graça como administrada após a vinda de Cristo.
XV. O antigo e novo testamento é da mesma substância; Cristo é o testador de ambos, tendo a mesma promessa da graça nele, e em cada um possuem igual exigência de obediência de fé e vida.
XVI. Por isso, aqueles que ensinam que há real diferença entre o antigo e novo testamento, tais como as diferenças entre o pacto das obras e aquela da fé, ou entre a lei e o evangelho, estão errados; cada testamento ou pacto é um pacto da graça. E cada um contém lei e evangelho.
XVII. A administração do antigo testamento difere do novo de vários modos:
1. Quanto ao tempo: o antigo testamento realizou-se antes da vinda de Cristo, e as novas posteriores.
2. Quanto ao lugar ou extensão: o anterior foi oferecido ao povo israelita, e o posterior estende-se através de toda a terra.
3. Quanto à clareza: as promessas da graça em Cristo são proclamadas mais amplamente sob o novo testamento, mas são simbolizadas [sob o antigo] por meio de sombras dos tipos e cerimônias, que agora estão abolidas.
4. Quanto à simplicidade da operação: sob o antigo testamento a administração [do pacto] requereu muito mais atenção aos detalhes [longe fuit operosior] mais do que sob o novo.
5. Quanto à conformidade [suavitas]: sob o antigo testamento a perfeita obediência à lei era frequentemente exigida, não de fato para a exclusão das promessas evangélicas, mas para o fim de que, pela rigorosa exatidão da obediência pudéssemos ser dirigidos, como por um tutor [paedagogus], para buscar a Cristo. Sob o novo testamento as promessas evangélicas predominam, apesar da lei de uma nova obediência motivada pela gratidão de tão gloriosa graça não é excluída.
XVIII. O sentido em que o antigo pacto é oposto ao novo conforme declarado por Jeremias, é por esta razão óbvia. “Não conforme a aliança que fiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para tirá-los da terra do Egito; porquanto eles anularam a minha aliança, não obstante eu os haver desposado, diz o SENHOR” (Jr 31:32). “Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o SENHOR: na mente, lhes imprimirei as minhas leis, também no coração as inscreverei; serei o seu Deus, e eles serão o meu povo” (Jr 31:33).
Nestas palavras há uma referência a terceira e quinta distinção acima: para a quinta especialmente quando elas falam das leis como formalmente escritas sobre tábuas de pedra, mas posteriormente no coração, e quanto ao terceiro quando elas prometem um mais claro conhecimento.
1. O resultado e benefício do chamado são a externa comunhão [communio] do pacto da graça e da igreja.
2. A externa comunhão do pacto da graça é de que aqueles que são chamados são considerados um povo do pacto e de Deus.
3. Isto é declarado por analogia; pois de fato, alguns são realmente povo de Deus, enquanto outros somente manifestam uma confissão externa.
4. Tanto a doação [oblatio] como o selar [obsignatio] do pacto da graça devem ser considerados.
5. A doação do pacto da graça é o ato pelo qual Deus promete a si mesmo, como o Pai em Cristo ao eleito, se eles viverem numa filial obediência.
PROPOSIÇÕES
I. Isto não deve ser entendido como um pacto universal que Deus fez com todas as criaturas, como o pacto das obras com os nossos primeiros pais, mas como o pacto que Deus fez conosco, a partir da pura misericórdia, após a queda.
II. Ela também é chamada de um testamento, porque Deus teria, por meio dela, como resultado da mediação de seu filho Jesus Cristo, designando uma herança celestial para os seus filhos. “Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor: na sua mente imprimirei as minhas leis, também sobre o seu coração as inscreverei; e eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo” (Hb 8:10, ARA). “Por isso mesmo, ele é o Mediador da nova aliança, a fim de que, intervindo a morte para remissão das transgressões que havia sob a primeira aliança recebam a promessa da eterna herança aqueles que têm sido chamados. Porque, onde há testamento, é necessário que intervenha a morte do testador” (Hb 9:15-16, ARA).
III. A causa eficiente [do pacto da graça] é toda a Santa Trindade, em particular [singulariter] Cristo o Deus-homem, o anjo do pacto. “Eis que eu envio o meu mensageiro [João Batista], que preparará o caminho diante de mim; de repente, virá ao seu templo o Senhor, a quem vós buscais, o Anjo da Aliança, a quem vós desejais; eis que ele vem, diz o SENHOR dos Exércitos” (Ml 3:1).
IV. O conteúdo [materia] do pacto da graça é a concordância entre as duas partes, Deus e o homem. Deus promete ser o nosso Deus em Cristo o Senhor; o homem, em contrapartida, promete obediência de fé e vida.
V. A forma do pacto consiste numa mútua obrigação, mas a relação não é entre iguais; a promessa e obrigação de Deus são livres, enquanto que a do homem é um dever e exigência.
VI. O propósito da oferta do pacto é, do mesmo modo que o comum chamado, a glória de Deus e a salvação do eleito.
VII. O sujeito e objeto a quem o pacto é oferecido é a todos que são chamados, mas estritamente falando [proprie], ela é somente ao eleito. O pacto é oferecido a todos que são chamados, mas somente o eleito goza das promessas do pacto.
VIII. A administração do pacto da graça deve ser vista em seus complementos.
IX. A administração é distinta, com respeito ao tempo, no antigo e novo pacto ou testamento.
X. O antigo testamento é o pacto da graça administrado até o tempo da manifestação de Cristo.
XI. Há três formas sob a qual ela foi administrada: primeiro do período de Adão até Abraão, o segundo de Abraão até Moisés, e o terceiro de Moisés até Cristo.
XII. O primeiro e segundo desses períodos diferem nestes modos: (1) o primeiro foi marcado pelas palavras da promessa, bem breve pela certeza, mas inconfundivelmente evidente; o segundo não somente por uma promessa, mas também por uma expressa condição da obediência. (2) No primeiro teve somente o ritual do sacrifício, o segundo do mesmo modo a circuncisão. (3) No primeiro o pacto foi oferecido a toda a raça humana; no segundo ela foi restrita aos filhos de Abraão.
XIII. Entre os primeiros dois e o último período há uma diferença: o terceiro é mais perfeito e verdadeiramente testamentário, adornado não somente pela páscoa, mas por muitos outros tipos da morte de Cristo.
XIV. O novo testamento é o pacto da graça como administrada após a vinda de Cristo.
XV. O antigo e novo testamento é da mesma substância; Cristo é o testador de ambos, tendo a mesma promessa da graça nele, e em cada um possuem igual exigência de obediência de fé e vida.
XVI. Por isso, aqueles que ensinam que há real diferença entre o antigo e novo testamento, tais como as diferenças entre o pacto das obras e aquela da fé, ou entre a lei e o evangelho, estão errados; cada testamento ou pacto é um pacto da graça. E cada um contém lei e evangelho.
XVII. A administração do antigo testamento difere do novo de vários modos:
1. Quanto ao tempo: o antigo testamento realizou-se antes da vinda de Cristo, e as novas posteriores.
2. Quanto ao lugar ou extensão: o anterior foi oferecido ao povo israelita, e o posterior estende-se através de toda a terra.
3. Quanto à clareza: as promessas da graça em Cristo são proclamadas mais amplamente sob o novo testamento, mas são simbolizadas [sob o antigo] por meio de sombras dos tipos e cerimônias, que agora estão abolidas.
4. Quanto à simplicidade da operação: sob o antigo testamento a administração [do pacto] requereu muito mais atenção aos detalhes [longe fuit operosior] mais do que sob o novo.
5. Quanto à conformidade [suavitas]: sob o antigo testamento a perfeita obediência à lei era frequentemente exigida, não de fato para a exclusão das promessas evangélicas, mas para o fim de que, pela rigorosa exatidão da obediência pudéssemos ser dirigidos, como por um tutor [paedagogus], para buscar a Cristo. Sob o novo testamento as promessas evangélicas predominam, apesar da lei de uma nova obediência motivada pela gratidão de tão gloriosa graça não é excluída.
XVIII. O sentido em que o antigo pacto é oposto ao novo conforme declarado por Jeremias, é por esta razão óbvia. “Não conforme a aliança que fiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para tirá-los da terra do Egito; porquanto eles anularam a minha aliança, não obstante eu os haver desposado, diz o SENHOR” (Jr 31:32). “Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o SENHOR: na mente, lhes imprimirei as minhas leis, também no coração as inscreverei; serei o seu Deus, e eles serão o meu povo” (Jr 31:33).
Nestas palavras há uma referência a terceira e quinta distinção acima: para a quinta especialmente quando elas falam das leis como formalmente escritas sobre tábuas de pedra, mas posteriormente no coração, e quanto ao terceiro quando elas prometem um mais claro conhecimento.
sábado, 4 de novembro de 2017
O chamado comum ao estado da graça - Johannes Wollebius
(1)
1. Assim é a redenção de Cristo, que é a causa eficiente do estado de graça. Chamando resultados para isto.
2. O chamado é [entendido como tal] comum aos eleitos e réprobos, ou, exatamente, somente aos eleitos.
(2)
O chamado comum é ato pelo qual todas as pessoas que são convidadas ao estado de graça ou à participação em Cristo, o mediador.[1] Ele pode ser um chamado à eleição de toda uma nação particular (Dt 7:6: “O SENHOR, teu Deus, te escolheu, para que lhe fosses o seu povo próprio, de todos os povos que há sobre a terra”).
PROPOSIÇÕES
I. Com a eleição e chamado, a [convocação para] o ofício é uma coisa, e a salvação é outra; apenas a segunda será aqui considerada. Um exemplo de eleição e chamado ao ofício é Saul (1 Sm 10:24: “Vedes a quem o SENHOR escolheu?”).
II. A causa eficiente deste chamado é toda a Santa Trindade, mas especialmente [singulariter] Cristo o Senhor, quem nos dias de seu ministério na terra, pessoalmente [immediate] chamou pecadores e quem agora chama-os pela agência de seus ministros. Mt 22:2-3: “O reino dos céus é semelhante a um rei que celebrou as bodas de seu filho. Então, enviou os seus servos a chamar os convidados para as bodas; mas estes não quiseram vir”, etc. Mc 1:14-15: “Foi Jesus para a Galiléia, pregando o evangelho de Deus, dizendo: O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho”. 2 Co 5:20: “De sorte que somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio”.
III. Este chamado é endereçado a todos os homens, e não apenas aos eleitos, mas às pessoas de todas as classes e todas etnias da raça humana. O completo registro do Antigo Testamento é uma testemunha de que nem todos são chamados. Naquele tempo Deus chamou a nação israelita, ignorando os outros povos. Também, no tempo do Novo Testamento, nem todas as pessoas foram chamadas; assim, muitos nunca ouviram nada acerca do Senhor Cristo. A parábola de Cristo, em que os bons e os maus são convidados, e muitos são chamados, mas poucos escolhidos (Mt 22:10-14), expõe o ensino de que não são apenas os eleitos que são chamados. Mas seres individuais, isto é, pessoas de todas as classes e condições são chamadas em cada época.
IV. A forma deste chamado consiste em parte da oferta e benefícios da redenção, e em parte na ordem de aceitá-lo. 2 Co 5:20: “De sorte que somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus”.
V. O seu propósito é a glória de Deus e a salvação dos eleitos. Isto serve tanto para a glória de sua misericórdia com o eleito, que responde ao chamado, com para a glória de sua justiça com o réprobo que é desobediente.
VI. Por isso, este chamado ordinário é primariamente uma apropriação [propter] do eleito, e secundariamente um juízo sobre o réprobo.
VII. Ele chama sinceramente [serio][2] a ambas [espécies de pessoas] sem engano.
VIII. Por isso, o chamado comum não é a base para qualquer conclusão com respeito a eleição, pois o chamado comum é estendido tanto ao réprobo como ao eleito, e por isso ele é sujeito à condição da fé. Embora uma nação inteira pudesse ser chamada de “escolhida”, todavia, nem todos os membros eram eleitos. Assim a nação judia é chamada de escolhida, embora muitos judeus eram réprobos.
IX. As pessoas são ordenadas a crer que são eleitas não pelos meios que elas são eleitas; nem são ordenadas a crer nisto de modo inquestionável, mas pelo exame da sua fé. 2 Co 13:5-6: “Examinai-vos a vós mesmos se realmente estais na fé; provai-vos a vós mesmos. Ou não reconheceis que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados. Mas espero reconheçais que não somos reprovados”.
NOTAS:
[1] Conferir Francis Turrentin, Locus IV, Questões XIV, XV, XVII etc., especialmente XVII, vi-xxvii, xlv-xlvi. Nota de John W. Beardslee III.
[2] Wollebius trata isto como equivalente de avupókritos, a forma adjetivada da qual é traduzida por “genuína e “sincera” na RSV. Nota de John W. Beardslee III.
1. Assim é a redenção de Cristo, que é a causa eficiente do estado de graça. Chamando resultados para isto.
2. O chamado é [entendido como tal] comum aos eleitos e réprobos, ou, exatamente, somente aos eleitos.
(2)
O chamado comum é ato pelo qual todas as pessoas que são convidadas ao estado de graça ou à participação em Cristo, o mediador.[1] Ele pode ser um chamado à eleição de toda uma nação particular (Dt 7:6: “O SENHOR, teu Deus, te escolheu, para que lhe fosses o seu povo próprio, de todos os povos que há sobre a terra”).
PROPOSIÇÕES
I. Com a eleição e chamado, a [convocação para] o ofício é uma coisa, e a salvação é outra; apenas a segunda será aqui considerada. Um exemplo de eleição e chamado ao ofício é Saul (1 Sm 10:24: “Vedes a quem o SENHOR escolheu?”).
II. A causa eficiente deste chamado é toda a Santa Trindade, mas especialmente [singulariter] Cristo o Senhor, quem nos dias de seu ministério na terra, pessoalmente [immediate] chamou pecadores e quem agora chama-os pela agência de seus ministros. Mt 22:2-3: “O reino dos céus é semelhante a um rei que celebrou as bodas de seu filho. Então, enviou os seus servos a chamar os convidados para as bodas; mas estes não quiseram vir”, etc. Mc 1:14-15: “Foi Jesus para a Galiléia, pregando o evangelho de Deus, dizendo: O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos e crede no evangelho”. 2 Co 5:20: “De sorte que somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio”.
III. Este chamado é endereçado a todos os homens, e não apenas aos eleitos, mas às pessoas de todas as classes e todas etnias da raça humana. O completo registro do Antigo Testamento é uma testemunha de que nem todos são chamados. Naquele tempo Deus chamou a nação israelita, ignorando os outros povos. Também, no tempo do Novo Testamento, nem todas as pessoas foram chamadas; assim, muitos nunca ouviram nada acerca do Senhor Cristo. A parábola de Cristo, em que os bons e os maus são convidados, e muitos são chamados, mas poucos escolhidos (Mt 22:10-14), expõe o ensino de que não são apenas os eleitos que são chamados. Mas seres individuais, isto é, pessoas de todas as classes e condições são chamadas em cada época.
IV. A forma deste chamado consiste em parte da oferta e benefícios da redenção, e em parte na ordem de aceitá-lo. 2 Co 5:20: “De sorte que somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus”.
V. O seu propósito é a glória de Deus e a salvação dos eleitos. Isto serve tanto para a glória de sua misericórdia com o eleito, que responde ao chamado, com para a glória de sua justiça com o réprobo que é desobediente.
VI. Por isso, este chamado ordinário é primariamente uma apropriação [propter] do eleito, e secundariamente um juízo sobre o réprobo.
VII. Ele chama sinceramente [serio][2] a ambas [espécies de pessoas] sem engano.
VIII. Por isso, o chamado comum não é a base para qualquer conclusão com respeito a eleição, pois o chamado comum é estendido tanto ao réprobo como ao eleito, e por isso ele é sujeito à condição da fé. Embora uma nação inteira pudesse ser chamada de “escolhida”, todavia, nem todos os membros eram eleitos. Assim a nação judia é chamada de escolhida, embora muitos judeus eram réprobos.
IX. As pessoas são ordenadas a crer que são eleitas não pelos meios que elas são eleitas; nem são ordenadas a crer nisto de modo inquestionável, mas pelo exame da sua fé. 2 Co 13:5-6: “Examinai-vos a vós mesmos se realmente estais na fé; provai-vos a vós mesmos. Ou não reconheceis que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados. Mas espero reconheçais que não somos reprovados”.
NOTAS:
[1] Conferir Francis Turrentin, Locus IV, Questões XIV, XV, XVII etc., especialmente XVII, vi-xxvii, xlv-xlvi. Nota de John W. Beardslee III.
[2] Wollebius trata isto como equivalente de avupókritos, a forma adjetivada da qual é traduzida por “genuína e “sincera” na RSV. Nota de John W. Beardslee III.
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