(1)
1. A lei cerimonial e política são auxiliares da lei moral. A mais antiga está especialmente sobre a primeira tábua, e a posterior sobre a segunda.
2. A lei cerimonial é aquela em que Deus requer cerimonias particulares e ritos externos, como tipos do Cristo que seria manifestado.
PROPOSIÇÕES
I. A lei cerimonial foi um tutor [paedagogus] que conduz à Cristo (Gl 3:24).
II. A lei cerimonial era menor em significado do que a lei moral. Primeiro, porque ela era auxiliar da lei moral. Segundo, porque ela não era de obrigação perpétua. Terceira, porque o amor [caritas] é mais importante do que cerimonias, como Oséias disse “eu quero misericórdia e não sacrifício” (Os 6:6).
III. A lei cerimonial é o vínculo legal [chiorographum] e evidência da culpa sob a qual todos os homens erram. (Cl 2:14: “tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz”).
IV. A lei cerimonial foi, todavia, abolida pela morte de Cristo.
V. A guarda da lei foi comumente usual antes da morte de Cristo. Entre a sua morte e a promulgação do evangelho, ela foi um conteúdo de indiferença, mas desde que o evangelho foi proclamado, a observância destas cerimônias não é apenas ultrapassada, mas uma causa de morte. Assim Paulo antes, por causa da fraqueza dos judeus, arranjou para que Timóteo fosse circuncidado (At 16:2). Depois, porque o evangelho era melhor conhecido, ele não consentiu que Tito fosse circuncidado (Gl 2:3). E hoje, a observância das cerimônias por parte dos judeus é simplesmente uma negação da vinda e morte de Cristo.
VI. Todavia, é condenável o ensino dos encratitas[1] e de outros heréticos antigos que proibiam certos alimentos como se fossem em si impuros. Assim, é o erro dos papistas que forçam cerimônias, algumas pagãs e outras judaicas, sobre a igreja.
(2)
1. Os mandamentos da lei cerimonial lida com pessoas sagradas e com coisas sacras.
2. As pessoas sagradas eram, num sentido geral, todos aqueles que foram iniciados pela circuncisão, por meio da qual eles estavam limitados pela realização de outros ritos, e foram antecipadamente concedidos como um teste da santificação em Cristo. Mais especificamente as pessoas sagradas eram os ministros, tanto ordinários como os extraordinários.
(3)
1. Os ministros ordinários foram os sacerdotes e levitas.
2. Os sacerdotes eram aqueles que interpretavam a lei, sacrificavam, intercediam, abençoavam, e proviam para a continuação da correta relação entre o homem e Deus.
PROPOSIÇÕES
I. O sumo sacerdote era o tipo de Cristo, o sumo sacerdote.
II. O seu esplendor, quando ele se vestia e adornava, quase como um rei, era um tipo da dignidade de Cristo, e especialmente de sua absoluta justiça perfeita (Zc 3:5).
III. As principais vestimentas [ornamenta] eram a estola sacerdotal e o peitoral. Sobre a estola estavam escritos os nomes das doze tribos, gravados sobre pedras. No peitoral estavam o Urim e Tumim, que eram os meios que os oráculos eram dados à igreja. A estola, todavia, simbolizava a igreja; Urim e Tumim, que é luz e perfeições, representando Cristo, a palavra e o intérprete do Pai, a nossa luz e verdade. A estola ensinava que Cristo poderia completar a obra a nosso respeito. O peitoral instruía que ele poderia completar a obra em relação a Deus.
3. Os levitas eram aqueles que, como substitutos dos primogênitos, eram assistentes dos sacerdotes, e detinham o dever de cuidar, transportar o tabernáculo e a sua mobília.
(4)
1. Os ministros extraordinários eram os profetas e nazireus.
2. Os profetas eram homens que tipificavam a Cristo, o grande profeta, com uma divina inspiração para o ensino e reforma tanto dos profetas como do povo.
3. Os nazireus eram homens que tipificavam a santidade de Cristo, por causa de um voto especial de abstinência de vinho e de consagração.
4. A adoração sagrada poderia ser entendida através da mobília usada, e através do procedimento seguido.
5. A mobília era o tabernáculo e os artigos preservados no tabernáculo: a arca, o altar, a mesa, o lavatório de bronze.
PROPOSIÇÕES
I. O tabernáculo era um tipo da deidade habitando em Cristo. (Jo 1:14: “Ele tabernaculou entre nós.” Cl 2:9: “nele habitava a plenitude da divindade.”).
II. A construção humana [artificiosa coagmentio] de um tabernáculo figurava a edificação [coagmentio] da igreja fundada em Cristo (Ef 2:20-21).
III. O transporte do tabernáculo era uma figura da peregrinação da igreja cristã nesta vida.
IV. A existência de somente um templo significava a unidade de Cristo e da igreja.
V. Havia três partes: o pátio, o santo lugar e o lugar santo dos santos.
VI. O pátio era onde o povo se reunia, uma figura da igreja visível, em que eram tanto pessoas boas, como as más.
VII. O santo lugar era o pátio onde os sacerdotes, o tipo dos verdadeiros membros da igreja, uma raça eleita e sacerdócio real (1 Pe 2:9).
VIII. O santo dos santos era o lugar no qual ninguém, exceto o sumo sacerdote entrava, e somente uma vez por ano, simbolizando o santuário celestial em que Cristo entraria para a nossa salvação.
IX. O véu do templo, coberto com o querubim, indicava a carne de Cristo, que em alguma extensão ocultava a sua natureza divina.
X. No pátio, ao ar livre, estava o altar coberto de bronze que queimava as ofertas, significando a carne de Cristo unida a sua natureza divina, e por isso, a bondade que era oferecida por nós; também, o altar de incenso significando a intercessão de Cristo a nosso favor.
XI. No mesmo lugar estava o lavatório de bronze com o propósito de purificação, que significava que nós poderíamos purificar pelo sangue de Cristo, de modo que, poderíamos oferecer um sacrifício aceitável a Deus.
XII. No santo lugar, ou pátio dos sacerdotes, estava a mesa, e sobre ela o pão da presença e o candelabro de ouro, pelo qual se ensinava que Cristo é o alimento, a bebida e a luz de seu povo para a vida eterna.
XIII. No mesmo lugar estavam as vasilhas de ouro para aspergir água e para o incenso, representando o sacrifício e intercessão de Cristo.
XIV. No santo dos santos estava o incensário de ouro reservado para o sumo sacerdote e a arca do pacto.
XV. A arca feita de cedro e coberta com ouro era uma figura das duas naturezas de Cristo.
XVI. As tábuas do pacto, o maná, a vara de Arão, colocadas dentro da arca, ensinando que Cristo poderia ensinar, alimentar, e governar o seu povo.
XVII. A tampa da arca, chamada de “o lugar da propiciação”, onde Deus mesmo prometeu falar com Moisés, era o tipo de Cristo, que cobria [2] os nossos pecados, defendendo-nos pelos seus anjos, e nos expondo a Palavra do Pai.
(5)
1. O procedimento da adoração levítica consistia parcialmente de fazer oferendas a Deus; e, em parte, na observação de determinados períodos sagrados.
2. O que era oferecido a Deus era sacrifício tanto expiatório como eucarístico.
3. Um sacrifício expiatório era algo que o fiel, pela matança e oblação de animais, testemunhava o fato de que eles mereciam a morte, e que eles colocando a sua fé em Cristo, como o cordeiro que seria oferecido uma vez por todas pelos pecados do mundo.
4. Um sacrifício eucarístico[3] era oferecido tanto por todos os nossos pecados como por aqueles particulares.
5. O sacrifício por todos os pecados, chamado de “oferta queimada”, era oferecido pela completa cremação de vítima (Lv 1:3-17).
6. O sacrifício pelos pecados particulares chamado de “resgatador” era oferecido tanto pelo pecado, como pela culpa.
7. O sacrifício pelo pecado expiava tanto os pecados cometidos pelo erro como pela ignorância (veja Lv 4:2-3).
8. O sacrifício pela culpa expiava o que se cometia com conhecimento, mas por causa da fraqueza. (Lv 5 e 7).
9. As ofertas de gratidão eram sacrifícios oferecidos com o propósito de tornar pública a expressão de agradecimento.
10. Estas ofertas eram realizadas tanto com dádivas [munus] somente ou também com animais [animalibus adhibitis].[4]
11. O sacrifício realizado apenas com dádivas chamado de “ofertas de comida e bebida” era no qual alimento, bebida, óleo, sal, incenso, etc., e demais coisas eram dadas.
12. O sacrifício com animais poderia ser realizado tanto pela queima meramente das vísceras das vítimas, ou acrescentando os animais à oferta de comida e bebida;
13. Os períodos sagrados envolviam tanto determinados dias como anos.
14. Aqueles que envolviam determinados dias eram: (1) o início e o fim de cada dia, onde o sacrifício sempre era oferecido; (2) o sétimo dia ou sabbath, que era um símbolo da santificação e o descanso preparado através de Cristo; (3) a lua nova.
15. Aquele que envolvia o ano, tanto era anual ou recorrendo após um determinado número de anos.
16. O período anual poderia ser classificado como maior ou menor.
17. O período maior era a Páscoa, o Pentecostes e a Festa dos Tabernáculos.
18. A Festa da Páscoa era celebrada no quinquagenário dia do primeiro mês, serviu como um memorial da libertação do Egito e um tipo da vinda libertadora através de Cristo.
19. A festa de Pentecostes que era celebrada no quinquagésimo dia após a Páscoa, serviu de memorial da entrega da lei no Monte Sinai, e como um tipo do escrito da lei sobre os nossos corações pelo Espírito Santo que foi enviado. Os primeiros frutos foram oferecidos nesta festa, quando foi chamada de “Festa das Primícias.”
20. A Festa dos Tabernáculos era celebrada décimo quinto dia do sétimo mês, e servia como um memorial da graciosa preservação dos israelitas no deserto, morando em tendas [tabernaculae], e foi um tipo da encarnação de Cristo. Neste festival, ações de graças eram dadas a Deus pelas colheitas, quando ela era chamada de “Festa das Colheitas.”
21. As menores observâncias eram a festa das trombetas, no primeiro dia do sétimo mês (quando a guerra civil iniciou), e a festa da expiação, no décimo dia do sétimo mês; a primeira era um tipo do anúncio do evangelho, e a segunda da expiação de Cristo.
22. Os períodos sagrados que ocorriam após a passagem de alguns anos era o ano sabático e o ano do jubileu.
23. O ano sabático ocorria após sete anos e durante ele não havia cultivo do solo ou cobrança de dívidas.
24. O ano do jubileu ocorria a cada quinze anos, quando os títulos de terra retornavam aos seus proprietários e escravos hebreus recebiam a sua liberdade, como um tipo de libertação que Cristo realizaria da escravidão do pecado e do demônio.
(6)
Igualmente para a lei cerimonial. A lei política trata com a constituição civil dos judeus.
PROPOSIÇÕES
I. Do mesmo modo que a lei cerimonial está relacionada para Deus, assim também a lei política está ligada com o próximo.
II. Naqueles assuntos que ela está em harmonia com a lei moral e com a justiça ordinária, ela está imposta sobre nós.
III. Naqueles assuntos que eram peculiares a aquela lei e era prescrita para a terra prometida ou, no contexto do estado judaico, ela não tem mais força sobre nós do que as leis das nações estrangeiras.
NOTAS:
[1] J.H. Hall descreve-os como sendo “um grupo que praticava um modo ascético de vida, incluindo uma abstinência permanente de comer carne, beber vinho e do casamento. Apareceram pela primeira vez no século II. A igreja primitiva considerava errada semelhante abstinência permanente, por denegrir a criação divina. Embora não possa ser decisivamente comprovado que os encratitas fossem gnósticos, eram considerados hereges por alguns escritores primitivos – e.g.: Irineu, Hipólito e Eusébio de Cesaréia. A ênfase que davam a abstinência permanente certamente era uma característica gnóstica. Alguns dos seguidores mais famosos deste modo de vida extremamente ascético foram Taciano, Marcião e Saturnino. Estes homens acrescentaram a heresia teológica à heresia prática do ascetismo extremo.” J.H. Hall, “Encratitas” in: Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, Walter A. Elwell, ed., (São Paulo, Edições Vida Nova, 2009), p. 23. Nota de Ewerton B. Tokashiki.
[2] Tego. A identificação da “tampa” com a expiação e “o assento da misericórdia” é de consenso nos estudos bíblicos. Nota de John W. Beardslee III.
[3] Existem problemas técnicos na tradução de sentenças curtas, e nisto sou auxiliado por Ross e a tradução holandesa, e pelos termos alemães interpolados por Bizer, bem como os comentários do Antigo Testamento. Wollebius foi professor de estudo do Antigo Testamento, e seu interesse profissional apresenta no uso de seus detalhes. Nota de John W. Beardslee III.
[4] Esta expressão, como no caso de “resgatador” no número 6, não é de adequada clareza na usual discussão inglesa nas tecnicalidades do Antigo Testamento. No holandês a expressão é daer-em-boven met beestem. Nota de John W. Beardslee III.
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quinta-feira, 18 de maio de 2017
quarta-feira, 17 de maio de 2017
A Lei Moral - Johannes Wollebius
1. Assim são os estados de inocência e de sofrimento. O próximo são os estados de graça e glória.
2. Há duas principais divisões da doutrina concernente ao estado de graça. O primeiro diz respeito ao nosso Redentor como a eficiente causa deste estado; e o segundo é concernente ao nosso chamado para este estado.
3. O Redentor é conhecido através da lei como também por meio do evangelho. Da lei aprendemos a necessidade de um redentor, e do evangelho aprendemos a verdade da redenção.
4. A lei é quem ensina que Deus revela o que ele requer que façamos, com uma advertência de morte eterna e uma promessa de vida eterna, de modo que, conheçamos que somos incapazes de satisfazer as suas exigências, e assim, sejamos levados a buscar a Cristo.
PROPOSIÇÕES
(1)
I. A lei divina transmitida por Moisés difere em forma (ratio), mas não em conteúdo (res) da lei natural dada ao primeiro homem, e vestígios dela também podem ser encontrados entre os gentios. (Rm 2:14-15: “Quando, pois, os gentios, que não têm lei, procedem, por natureza, de conformidade com a lei, não tendo lei, servem eles de lei para si mesmos”).
II. Ninguém, exceto Cristo, pode perfeitamente obedecer a lei.
III. Todos nós somos culpados (reus) da transgressão e violação de toda a lei. (Rm 3:23: “pois todos pecaram e carecem da glória de Deus”).
IV. Todavia, a nossa miséria é dupla: não somente estamos cortados da promessa da vida eterna, como também estamos condenados (reus) à morte eterna. (Lv 18:5: “Cumprindo-os, o homem viverá por eles”; Dt 27:26: “Maldito aquele que não confirmar as palavras desta lei, não as cumprindo”).
V. Todavia, se é possível sermos salvos, uma dupla satisfação é requerida de nós. A lei requer tanto uma punição como uma obediência; um satisfazendo as suas advertências e o outro as suas promessas. A lei exige ambos de nós, e não há nenhum outro caminho para a vida eterna que não seja o cumprimento da lei, conforme o que Cristo disse “faze isto e viverás” (Lc 10:28). Todavia, se fôssemos completamente livres da culpa e da punição da transgressão, ainda assim não poderíamos obter a vida eterna sem cumprir a lei.
VI. Somos incapazes de oferecer qualquer satisfação por nós mesmos, mas devemos busca-la em Cristo.
VII. Após a queda a lei foi restabelecida por Deus para um fim mais alto, a fim de fazer retornar ao antigo estado [ius postlimnii]. A lei foi dada e inscrita no primeiro homem, de modo que, pela sua própria obediência, se ele quisesse, poderia alcançar a vida eterna; ela é oferecida ao homem caído, de modo que, que é incapaz de cumprir a lei, e que somente pode cumprir através de Cristo (Rm 10:4: “O fim da lei é Cristo, para justiça de todo o que crê”).
VIII. Todavia, a promulgação da lei para Israel no Monte Sinai foi um ato gracioso.
IX. Cristo não corrigiu uma imperfeita lei, nem decretou uma nova lei, como se fosse um segundo Moisés, mas ele confirmou a lei contra a corrupção dos fariseus. Os fariseus eram intérpretes da lei de acordo com a letra e ensinavam somente uma obediência externa, com é evidente da refutação de seu ensino (Mt 5). Todavia, os discípulos de Samosata[1] e outros semelhantes a eles, estão errados porque ensinam que a lei é imperfeita. Embora ela seja imperfeita para as nossas necessidades, em que ela é insuficiente para a salvação de nosso pecado, ela é em si perfeita, e apresenta uma perfeita ideia de justiça do reino do céu.
X. Também estão em erro os papistas que ensinam que a perfeição da lei mente nos “conselhos”, antes do que nos “preceitos”.
(2)
1. Há uma tríplice divisão da lei: moral, cerimonial e política.[2]
2. A lei moral é aquela que Deus sumarizou nos dez mandamentos.
PROPOSIÇÕES
A norma para o correto entendimento e exposição dos dez mandamentos é:
I. A interpretação de cada preceito deve ser encontrada em seu propósito.
II. Pelo fato destes mandamentos serem breves, eles devem ser entendidos tanto literalmente, como pela sinédoque. Na negação do mandamento o correspondente positivo deve ser entendido, e vice e versa, em cada preceito há uma correspondente proibição, e vice e versa; em cada espécie igualmente o gênero deve ser entendido como incluso, e vice e versa; na adoração externa a atitude interna está inclusa, e vice e versa, tanto em palavras, como em ações, desejos, planos, ações, estão plenamente incluídas e, finalmente em cada termo o correlato deve ser entendido.
III. É possível que algum mandamento seja aplicado a vários assuntos de perspectivas diferentes.
IV. Uma lei geral [em casos de conflito] seja preferível que uma especial.
V. Um mandamento negativo tenha maior ênfase do que uma positiva. É esperado que o mandamento negativo tenha uma aplicação mais ampla, desde que o positivo seja modificado pelas circunstâncias. Um mandamento positivo é sempre vinculado, mas nem sempre aplica [non obligat ad semper], considerando que um negativo é sempre vinculado e aplicado; por exemplo, nós sempre estamos obrigados a ajudar ao nosso próximo, mas, não somos exigidos auxiliá-lo a cada momento, nem a fazermos sempre que tenhamos oportunidade. Mas, nunca é legítimo prejudicar o próximo.
VI. Entretanto, há mais mandamentos negativos do que positivos.
VII. Pecados levam o nome do mesmo ato que é especificamente proibido. Isto é feito para que possamos mais facilmente entender a malignidade dos pecados. Então, Cristo chama de “adultério” o olhar lascivo sobre uma mulher, e João chama quem se ira de “assassino” (Mt 5:28; 1 Jo 3:15).
VIII. Promessas terrenas são símbolos de privilégios celestiais. Todavia, os discípulos de Servetus e os anabatistas estão apenas sonhando, quando dizem que estas promessas são terrenas. Recompensas terrenas designam algo celestial; deste modo, Deus é visto acomodando a si para o seu primitivo povo, que estavam vivendo sob um guardião [paedagogus].
(3)
1. Há duas partes do decálogo: o prefácio e os mandamentos.
2. O prefácio tem duas partes: uma por Moisés e outra por Deus.
3. O prefácio por Moisés é: “Deus disse todas estas palavras”.
4. O prefácio por Deus é: “Eu sou Jeová, o seu Deus, que conduziu vocês para fora da terra do Egito.” Por estas palavras Deus mostra a sua autossuficiente autoridade e o seu absoluto direito de ordenar. O fundamento para isto é: (1) a sua divina essência, em que os nomes “Jeová” e “Elohim” são símbolos; (2) a obra da redenção da qual a libertação dos israelitas do Egito é o tipo.
5. Há duas tábuas de mandamentos: a primeira contém os nossos deveres para com Deus, e a segunda os deveres para com o nosso próximo.
6. O sumário da primeira tábua é: “Amarás ao Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com toda a tua força.” [3] Estas palavras requerem sinceridade e perfeição do amor: sinceridade porque eles mencionam o coração, alma, e todas as faculdades; perfeição porque Deus nos ordena amar com todo o coração, alma e faculdades.
7. Quatro mandamentos pertencem a esta tábua:
a) O primeiro mostra quem deve ser servido como o verdadeiro Deus.
b) O segundo mostra como ele quer ser adorado.
c) O terceiro mostra que reverência é devida ao nome de Deus em toda a vida.
d) O quarto mostra que tempo apropriado para a adoração pública de Deus deverá ser realizada.
8. (a) O sumário da segunda tábua é: “amarás ao teu próximo como a ti mesmo.”
(b) Este mandamento é semelhante ao primeiro porque como no sumário dos primeiros quatro mandamentos, todavia, este é um sumário dos seis últimos mandamentos que lidam com o amor ao próximo.
9. Entretanto, acerca desta tábua pertencem:
a) O quinto mandamento protege a honra do próximo.
b) O sexto protege a sua vida.
c) O sétimo protege a sua integridade sexual.
d) O oitavo protege os seus bens.
e) O nono protege a sua reputação.
f) O décimo proíbe os maus desejos para com o próximo.
O que foi declarado acima é suficiente para esclarecer o quanto a lei moral evidencia a necessidade de redenção.[4] Que as boas obras estão inclusas sob cada mandamento é o assunto do Livro II.[5]
NOTAS:
[1] Paulo de Samosata era um bispo de Antioquia e teologicamente sustentava o monarquianismo adocionista. A sua heresia negava as três pessoas da Trindade. Ele ensinava que o Pai era “Deus criador de todas as coisas, de Filho ao homem Jesus, de Espírito Santo à graça que reside nos apóstolos. Para Ele, Jesus é maior que os profetas e do que o próprio Moisés, pois ‘a Sabedoria não habitou igualmente em nenhum outro’, afirmava. Esta habitação não equivale, de modo algum, à encarnação. Jesus não é o Logo, pois, o Logos-Sabedoria é maior do que ele. Além do mais, o Logos não tem uma substância (ousia), não possuí uma ‘hipóstase’ própria, não é uma ‘pessoa’ em Deus, mas uma dinamis, uma faculdade com a qual Deus opera no mundo.” in: Roque Frangiotti, História das Heresias (séculos I-VII) – conflitos ideológicos dentro do Cristianismo (São Paulo, Editora Paulus, 1995), p. 52. Ele foi reprovado no Concílio de Cesaréia da Capadócia, em 264, e embora, se retratou e subscreveu a decisão do concílio, demonstrou posteriormente ter dissimulado e insistido em sua heresia. O seu ensino foi definitivamente condenado no Concílio de Nicéia. Nota de Ewerton B. Tokashiki.
[2] O texto latino trás forensis (a tradução holandesa Wet der Politie). O termo “forense” não tem estreito significado teológico relacionado com a justificação. Nota de John W. Beardslee III.
[3] Em Mt 22:37 traduz vires por mente (Vulgata mens, e Beza traduz cogitas). Nota de John W. Beardslee III.
[4] O motivo para a discussão da lei neste ponto é aqui apresentado. Um similar arranjo é seguido por Calvino e Francis Turrentin, e no Catecismo de Lutero. Nos catecismos de Heidelberg e de Westminster, na Teologia Sistemática de Charles Hodge, a lei não é discutida antes da redenção, e sim como parte da nova vida. Nota de John W. Beardslee III.
[5] O Livro II é um manual de ética a partir da exposição dos Dez Mandamentos. Wollebius, Compendium, pp. 191-262. Nota de Ewerton B. Tokashiki.
2. Há duas principais divisões da doutrina concernente ao estado de graça. O primeiro diz respeito ao nosso Redentor como a eficiente causa deste estado; e o segundo é concernente ao nosso chamado para este estado.
3. O Redentor é conhecido através da lei como também por meio do evangelho. Da lei aprendemos a necessidade de um redentor, e do evangelho aprendemos a verdade da redenção.
4. A lei é quem ensina que Deus revela o que ele requer que façamos, com uma advertência de morte eterna e uma promessa de vida eterna, de modo que, conheçamos que somos incapazes de satisfazer as suas exigências, e assim, sejamos levados a buscar a Cristo.
PROPOSIÇÕES
(1)
I. A lei divina transmitida por Moisés difere em forma (ratio), mas não em conteúdo (res) da lei natural dada ao primeiro homem, e vestígios dela também podem ser encontrados entre os gentios. (Rm 2:14-15: “Quando, pois, os gentios, que não têm lei, procedem, por natureza, de conformidade com a lei, não tendo lei, servem eles de lei para si mesmos”).
II. Ninguém, exceto Cristo, pode perfeitamente obedecer a lei.
III. Todos nós somos culpados (reus) da transgressão e violação de toda a lei. (Rm 3:23: “pois todos pecaram e carecem da glória de Deus”).
IV. Todavia, a nossa miséria é dupla: não somente estamos cortados da promessa da vida eterna, como também estamos condenados (reus) à morte eterna. (Lv 18:5: “Cumprindo-os, o homem viverá por eles”; Dt 27:26: “Maldito aquele que não confirmar as palavras desta lei, não as cumprindo”).
V. Todavia, se é possível sermos salvos, uma dupla satisfação é requerida de nós. A lei requer tanto uma punição como uma obediência; um satisfazendo as suas advertências e o outro as suas promessas. A lei exige ambos de nós, e não há nenhum outro caminho para a vida eterna que não seja o cumprimento da lei, conforme o que Cristo disse “faze isto e viverás” (Lc 10:28). Todavia, se fôssemos completamente livres da culpa e da punição da transgressão, ainda assim não poderíamos obter a vida eterna sem cumprir a lei.
VI. Somos incapazes de oferecer qualquer satisfação por nós mesmos, mas devemos busca-la em Cristo.
VII. Após a queda a lei foi restabelecida por Deus para um fim mais alto, a fim de fazer retornar ao antigo estado [ius postlimnii]. A lei foi dada e inscrita no primeiro homem, de modo que, pela sua própria obediência, se ele quisesse, poderia alcançar a vida eterna; ela é oferecida ao homem caído, de modo que, que é incapaz de cumprir a lei, e que somente pode cumprir através de Cristo (Rm 10:4: “O fim da lei é Cristo, para justiça de todo o que crê”).
VIII. Todavia, a promulgação da lei para Israel no Monte Sinai foi um ato gracioso.
IX. Cristo não corrigiu uma imperfeita lei, nem decretou uma nova lei, como se fosse um segundo Moisés, mas ele confirmou a lei contra a corrupção dos fariseus. Os fariseus eram intérpretes da lei de acordo com a letra e ensinavam somente uma obediência externa, com é evidente da refutação de seu ensino (Mt 5). Todavia, os discípulos de Samosata[1] e outros semelhantes a eles, estão errados porque ensinam que a lei é imperfeita. Embora ela seja imperfeita para as nossas necessidades, em que ela é insuficiente para a salvação de nosso pecado, ela é em si perfeita, e apresenta uma perfeita ideia de justiça do reino do céu.
X. Também estão em erro os papistas que ensinam que a perfeição da lei mente nos “conselhos”, antes do que nos “preceitos”.
(2)
1. Há uma tríplice divisão da lei: moral, cerimonial e política.[2]
2. A lei moral é aquela que Deus sumarizou nos dez mandamentos.
PROPOSIÇÕES
A norma para o correto entendimento e exposição dos dez mandamentos é:
I. A interpretação de cada preceito deve ser encontrada em seu propósito.
II. Pelo fato destes mandamentos serem breves, eles devem ser entendidos tanto literalmente, como pela sinédoque. Na negação do mandamento o correspondente positivo deve ser entendido, e vice e versa, em cada preceito há uma correspondente proibição, e vice e versa; em cada espécie igualmente o gênero deve ser entendido como incluso, e vice e versa; na adoração externa a atitude interna está inclusa, e vice e versa, tanto em palavras, como em ações, desejos, planos, ações, estão plenamente incluídas e, finalmente em cada termo o correlato deve ser entendido.
III. É possível que algum mandamento seja aplicado a vários assuntos de perspectivas diferentes.
IV. Uma lei geral [em casos de conflito] seja preferível que uma especial.
V. Um mandamento negativo tenha maior ênfase do que uma positiva. É esperado que o mandamento negativo tenha uma aplicação mais ampla, desde que o positivo seja modificado pelas circunstâncias. Um mandamento positivo é sempre vinculado, mas nem sempre aplica [non obligat ad semper], considerando que um negativo é sempre vinculado e aplicado; por exemplo, nós sempre estamos obrigados a ajudar ao nosso próximo, mas, não somos exigidos auxiliá-lo a cada momento, nem a fazermos sempre que tenhamos oportunidade. Mas, nunca é legítimo prejudicar o próximo.
VI. Entretanto, há mais mandamentos negativos do que positivos.
VII. Pecados levam o nome do mesmo ato que é especificamente proibido. Isto é feito para que possamos mais facilmente entender a malignidade dos pecados. Então, Cristo chama de “adultério” o olhar lascivo sobre uma mulher, e João chama quem se ira de “assassino” (Mt 5:28; 1 Jo 3:15).
VIII. Promessas terrenas são símbolos de privilégios celestiais. Todavia, os discípulos de Servetus e os anabatistas estão apenas sonhando, quando dizem que estas promessas são terrenas. Recompensas terrenas designam algo celestial; deste modo, Deus é visto acomodando a si para o seu primitivo povo, que estavam vivendo sob um guardião [paedagogus].
(3)
1. Há duas partes do decálogo: o prefácio e os mandamentos.
2. O prefácio tem duas partes: uma por Moisés e outra por Deus.
3. O prefácio por Moisés é: “Deus disse todas estas palavras”.
4. O prefácio por Deus é: “Eu sou Jeová, o seu Deus, que conduziu vocês para fora da terra do Egito.” Por estas palavras Deus mostra a sua autossuficiente autoridade e o seu absoluto direito de ordenar. O fundamento para isto é: (1) a sua divina essência, em que os nomes “Jeová” e “Elohim” são símbolos; (2) a obra da redenção da qual a libertação dos israelitas do Egito é o tipo.
5. Há duas tábuas de mandamentos: a primeira contém os nossos deveres para com Deus, e a segunda os deveres para com o nosso próximo.
6. O sumário da primeira tábua é: “Amarás ao Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com toda a tua força.” [3] Estas palavras requerem sinceridade e perfeição do amor: sinceridade porque eles mencionam o coração, alma, e todas as faculdades; perfeição porque Deus nos ordena amar com todo o coração, alma e faculdades.
7. Quatro mandamentos pertencem a esta tábua:
a) O primeiro mostra quem deve ser servido como o verdadeiro Deus.
b) O segundo mostra como ele quer ser adorado.
c) O terceiro mostra que reverência é devida ao nome de Deus em toda a vida.
d) O quarto mostra que tempo apropriado para a adoração pública de Deus deverá ser realizada.
8. (a) O sumário da segunda tábua é: “amarás ao teu próximo como a ti mesmo.”
(b) Este mandamento é semelhante ao primeiro porque como no sumário dos primeiros quatro mandamentos, todavia, este é um sumário dos seis últimos mandamentos que lidam com o amor ao próximo.
9. Entretanto, acerca desta tábua pertencem:
a) O quinto mandamento protege a honra do próximo.
b) O sexto protege a sua vida.
c) O sétimo protege a sua integridade sexual.
d) O oitavo protege os seus bens.
e) O nono protege a sua reputação.
f) O décimo proíbe os maus desejos para com o próximo.
O que foi declarado acima é suficiente para esclarecer o quanto a lei moral evidencia a necessidade de redenção.[4] Que as boas obras estão inclusas sob cada mandamento é o assunto do Livro II.[5]
NOTAS:
[1] Paulo de Samosata era um bispo de Antioquia e teologicamente sustentava o monarquianismo adocionista. A sua heresia negava as três pessoas da Trindade. Ele ensinava que o Pai era “Deus criador de todas as coisas, de Filho ao homem Jesus, de Espírito Santo à graça que reside nos apóstolos. Para Ele, Jesus é maior que os profetas e do que o próprio Moisés, pois ‘a Sabedoria não habitou igualmente em nenhum outro’, afirmava. Esta habitação não equivale, de modo algum, à encarnação. Jesus não é o Logo, pois, o Logos-Sabedoria é maior do que ele. Além do mais, o Logos não tem uma substância (ousia), não possuí uma ‘hipóstase’ própria, não é uma ‘pessoa’ em Deus, mas uma dinamis, uma faculdade com a qual Deus opera no mundo.” in: Roque Frangiotti, História das Heresias (séculos I-VII) – conflitos ideológicos dentro do Cristianismo (São Paulo, Editora Paulus, 1995), p. 52. Ele foi reprovado no Concílio de Cesaréia da Capadócia, em 264, e embora, se retratou e subscreveu a decisão do concílio, demonstrou posteriormente ter dissimulado e insistido em sua heresia. O seu ensino foi definitivamente condenado no Concílio de Nicéia. Nota de Ewerton B. Tokashiki.
[2] O texto latino trás forensis (a tradução holandesa Wet der Politie). O termo “forense” não tem estreito significado teológico relacionado com a justificação. Nota de John W. Beardslee III.
[3] Em Mt 22:37 traduz vires por mente (Vulgata mens, e Beza traduz cogitas). Nota de John W. Beardslee III.
[4] O motivo para a discussão da lei neste ponto é aqui apresentado. Um similar arranjo é seguido por Calvino e Francis Turrentin, e no Catecismo de Lutero. Nos catecismos de Heidelberg e de Westminster, na Teologia Sistemática de Charles Hodge, a lei não é discutida antes da redenção, e sim como parte da nova vida. Nota de John W. Beardslee III.
[5] O Livro II é um manual de ética a partir da exposição dos Dez Mandamentos. Wollebius, Compendium, pp. 191-262. Nota de Ewerton B. Tokashiki.
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