quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Carta de Martinho Lutero a Johannes Staupitz [9 Fevereiro de 1521]

Ao reverendo e ótimo Johannes Staupitz, mestre na sagrada teologia, agostiniano ermitão, do seu progênito no Senhor.

Saúde. Admira-me que minhas cartas e meus livretos não tenham chegado ainda a suas mãos como deduzo. Pregando aos demais estou me desqualificando a mim mesmo,[1] que até ao extremo me alieno-me no trato com os irmãos. Pelo que lhe garanto que poderá ter uma ideia do espírito com que, todavia, trato a Palavra de Deus. Nada se fez, ainda, em Worms contra mim, considerando que os papistas andam maquinando desígnios perniciosos com furor invejável. Spalatino escreveu-me dizendo que o evangelho goza ali de boa aceitação, que espera que não me condenem sem terem escutado e convencido.

Em Leipzig, Emser, sem envergonharem-se de modo algum, escrevem contra mim um libelo que é um emaranhado de mentiras, desde o princípio até o fim. Vejo-me necessitado de dar uma resposta a este monstruoso desprezo pela causa do duque Jorge, que é quem encoraja a loucura do autor.

Não me incomoda a notícia de que Leão[2] também se dirigiu contra você, desta sorte poderás erigir para exemplo do mundo a cruz que tanto pregou. Não gostaria que o lobo se contentasse com sua resposta em que lhe concedes mais do que é justo. Ele interpretará como se renegasses a mim e de tudo o que é meu, ao declarar que se submete a seu juízo. Por isso, se Cristo o ama, o obrigará à revogação deste escrito, pois que nessa bula se condena tudo o que ensinou e se compraz. Como nada disto lhe é desconhecido, parece-me que ofende a Cristo, pois aceita como juiz a quem é um furioso inimigo de Cristo, a quem se desencadeia contra a palavra da graça. Terá que afirmar isto e argumentar-lhe contra essa impiedade. Que não é para andar com temores, mas gritar, este tempo em que o nosso Senhor Jesus Cristo se vê condenado, despojado e blasfemado. Na mesma medida em que me exorta à humildade, lhe exorto à soberba. A sua humildade é tão excessiva como excedente é minha arrogância.

Mas a situação está séria. Vemos que Cristo está sofrendo. Se antes foi preciso silenciar, agora quando o próprio boníssimo Salvador que se entregou por nós padece de escárnio por todo o mundo, não lutaremos por ele, não arriscaremos o nosso pescoço? Meu pai, que é muito mais grave o perigo do que muitos pensam. Começa a entrar em vigor a declaração do evangelho: “ao que me confessar diante dos homens, eu o confessarei diante de meu pai, mas me envergonharei de quem se envergonhar de mim.”[3]

Que pensem que sou soberbo, avarento, adúltero, homicida, antipapa e réu de todos os vícios, contanto que não podem me impiamente arguir em calar enquanto o Senhor sofre e diz: “não há escapatória para mim; não há quem cuide de meu espírito; olhei para a minha direita e ninguém me reconhecia”[4] Tenho a confiança de que esta confissão me perdoará de todos os meus pecados. Que por este motivo lancei confiado chifres contra esse ídolo e verdadeiro anticristo de Roma. A palavra de Deus não é palavra de paz, mas palavra de espada.[5] Mas “que direi, imundo eu sou, a Minerva?”[6]

Escrevo-lhe isto em confiança, porque muito temo que se levante como um mediador entre Cristo e o papa que percebe o quão violentamente ele é. Roguemos para que o Senhor Jesus Cristo sem tardar com o sopro de sua boca destrua a este filho da perdição.[7] Se não quiser vir após mim, deixe-me que marche e me enfade. Pela graça de Deus não deixarei em minha tarefa de atirar na face de suas monstruosidades a esse monstro.

É verdade que me enche de tristeza a sua submissão, que me revela a um Staupitz tão diferente daquele pregador da graça e da cruz. Não sofreria se houvesse atuado desta forma antes da promulgação da bula e da ignomínia feita a Cristo.

Hutten e outros escrevem com força a meu favor e estão preparando canções que farão pouca graça a essa Babilônia.[8] O nosso príncipe atua com tanta prudência e fidelidade como constância. Edito essas Asserções, por sua ordem, tanto em latim como em alemão.[9]

Felipe[10] lhe saúda e roga para que cresça o seu ânimo. Dê saudações, por favor, ao médico Ludovico[11] que me escreveu com tanta erudição. Não tive tempo de responder-lhe, por isso tenho três prensas trabalhando só para mim. Adeus no Senhor, e rogue por mim.

Wittenberg.
Dia de santa Apolônia, 1521. O seu filho Martinus Lutherus.


NOTAS:

[1] 1Co 9.27.
[2] Leão X, por meio do arcebispo de Salzburg, Mateus Lang, urgiu a Staupitz que declarasse como heréticas as doutrinas de seu súdito, Frei Martinho Lutero. Veja a reação de Lutero ao informar-se de que Staupitz se submetia a sua causa da decisão do pontífice.
[3] Mt 10.32; Lv 9.26.
[4] Sl 142.5.
[5] Mt 10.34.
[6] Dito recolhido de Erasmo, Adagia I.1.40.
[7] 2Ts 2.3 e 8.
[8] É interessante para notar o jogo de opinião pública nesta fase da Reforma.
[9] Assertio omnium articulorum M. Lutheri per bullam Leonis X novissimam damnatorum. WA 7, pp. 94-151.
[10] Felipe Melanchthon.
[11] Ele chama equivocadamente Ludovico, o médico do arcebispo de Salzburg, cujo verdadeiro nome era Leonardo Schmaus.

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