terça-feira, 29 de março de 2016

A providência atual de Deus - Johannes Wollebius

(1)

A providência atual é aquela obra pela qual Deus não apenas preserva as suas criaturas, mas governa todas as coisas com ilimitada [immensus] sabedoria, bondade, poder, justiça e misericórdia.

PROPOSIÇÕES

I. Negar a providência é negar o próprio Deus.
II. A providência atual difere da providência eterna como a execução do decreto difere do decreto.
III. Na providência eterna o que Deus intenta fazer, na providência atual o que ele quer é mais alto.
IV. A providência consiste não somente do conhecimento, mas do governo de todas as coisas, das maiores até as menores.
V. A providência de Deus não destrói as causas secundárias, mas as preserva.
VI. Da perspectiva da providência os eventos são contingentes, mas em relação as causas secundárias são necessárias. Mas é uma necessidade da imutabilidade, e não da coerção.
VII. A providência de Deus é muito diferente do fatalismo estoico. O fatalismo estoico se relaciona a Deus no conjunto das causas secundárias; cristãos [ensinam] que as causas secundárias estão subordinadas a absoluta e livre vontade de Deus, a qual emprega-as livremente, não por necessidade, nem porque ele careça delas, mas porque ele as quer.
VIII. Tanto os atos bons como os maus estão sob o controle da providência de Deus.
IX. Os atos bons são controlados pelo seu ato efetivo, sob o qual pertencem ao título de previdência divina [praecursus], concorrência [concursus] e preservação [succursus].
X. Os atos maus são controlados pela permissão realizada [actuosus], e consequentemente permitindo, limitando e dirigindo-os.
XI. A providência de Deus é sempre livre da desordem e do pecado, até mesmo em conexão com os atos desordenados e pecaminosos. Em conexão com os atos maus dois aspectos precisam ser reconhecidos: o ato em si e a sua ilegalidade. O ato em si, como um evento na natureza, acontece pela efetiva ação de Deus. A sua ilegalidade ou qualidade perversa [malitia] existe pela sua permissão realizada. O pecado é controlado quando (1) permitido, (2) restringido e preservado com limites, (3) e dirigido para um bom resultado. Em nenhum destes casos Deus pode ser chamado de causa do pecado; nem em criar efetivamente o lado material do pecado, pois assim como um cavalo causa movimento e outras causam param, do mesmo modo não é o mesmo ser a causa de uma ação e a causa da má qualidade inerente na ação. Não permitindo que uma ação pecaminosa, pois por nenhuma lei é ele requerido evitar o pecado. Nem por limita-lo; assim como alguém que extingue um fogo, de modo que não possa se espalhar, não é a causa do fogo, assim ele que coloca um limite para o pecado, não é a causa do pecado. Nem por dirigi-lo para um final bom; assim como preparando uma medicina saudável de um animal venenoso é uma nobre arte, assim, é mais glorioso para Deus trazer luz até mesmo das trevas,[1] ou até mesmo o bem do mal. Portanto, é fácil perceber quão tolas são as falsidades daqueles que, a fim de reivindicar que Deus seja contra a mancha do pecado, tropeçam numa mera permissão vazia [como tudo o que Deus tem que fazer com os atos maus].
XII. Embora a Escritura muitas vezes atribua ao mesmo ato de Deus, ao demônio e aos ímpios, todavia, o pecado não pode ser imputado em nenhum sentido a Deus. Nem nesta matéria pode-se recorrer como sendo [a ideia de] uma mera permissão, mas estas ações precisam ser entendidas sobre a base de seu limite e propósito. Na mesma ação os planos de Deus, dos demônios e ímpios são diferentes. O sofrimento de Jó descreve a Deus: “Deus o deu e Deus o tomou”, disse Jó; este sofrimento é também atribuído a Satanás, bem como aos sabeus e caldeus, e o assunto precisa ser entendido nos termos do propósito de cada um. A alvo de Satanás era de reduzir Jó ao desespero; enquanto que o objetivo dos sabeus e dos caldeus era de enriquecerem-se pela pilhagem e despojos de um homem justo; todavia, Deus determinou provar e fazer manifesto a fé de seu servo. Na crucificação de Cristo, o alvo de Pilatos era permanecer em favor dos judeus e com César; o propósito dos judeus era de satisfazer a sua ira e desejos vingativos; mas o propósito de Deus era de redimir a raça humana. Assim, pode-se dizer que os outros nada fizeram, exceto o que “a mão e propósito de Deus predeterminaram” (At 4:28).
XIII. O endurecimento do ímpio é atribuído a Deus como um justo juízo, de modo que nenhuma culpa pode ser atribuída a Deus, nem pode o ímpio ser desculpado dela. O ímpio são sem desculpa nesta matéria, porque Deus endurece somente aqueles que se endurecem, nem ele faz endurecido [os corações] do macio, mas, por justo juízo, do endurecimento [dos corações], ele faz mais duro ainda. Eles endurecem a si mesmos pelo abuso dos dons pelos quais eles poderiam se voltar ao arrependimento; isto é: (1) A longanimidade de Deus (Rm 2:4-5: “desprezas a riqueza da sua bondade, e tolerância, e longanimidade, ignorando que a bondade de Deus é que te conduz ao arrependimento? Mas, segundo a tua dureza de coração impenitente, acumulas contra ti mesmo ira para o dia da ira”, etc.). (2) A palavra de Deus (2 Co 2:15-16: “porque nós somos para com Deus o bom perfume de Cristo, tanto nos que são salvos como nos que se perdem. Para com estes, cheiro de morte para morte; para com aqueles, aroma de vida para vida”). (3) As punições ou vara de Deus, que, como uma bigorna, faz-lhes mais endurecidos (Jr 5:3: “tu os feriste, e não lhes doeu; consumiste-os, e não quiseram receber a disciplina; endureceram o rosto mais do que uma rocha; não quiseram se arrepender”). Então, por isso eles se endurecem, bem como são endurecidos por Deus, que disse acerca de Faraó: “eu sustentarei o seu coração, fazendo-o teimoso e endurecido o seu coração”. Deus não endurece os corações dos ímpios por mera permissão, mas também: (1) por remover as amarras pelas quais ele restringe os seus desejos (Rm 1:24: Deus abandonou tais homens à sua imundícia”; Rm 1:28: “Deus abandonou-os a uma mentalidade reprovável para praticarem coisas inconvenientes”). (2) por conceder-lhes a Satanás como um carrasco (1 Rs 22:21-22: “então, um espírito veio, e se colocou diante de Jeová, e disse: ‘eu os enganarei’. E Jeová disse: ‘com o que?’ E ele disse: ‘sairei, e serei espírito mentiroso na boca dos profetas’. Então, ele disse: ‘vai e tu os enganarás; sai e faze-o assim’”). Assim como um magistrado que autoriza um carrasco punir um criminoso, não é a causa nem do crime, nem da morte do criminoso, assim também quando Deus entrega pecadores para Satanás, a culpa para o endurecimento de seu coração e para a sua morte não podem ser imputados a ele.


NOTA:
[1] O moto de Genebra ex tenebris lux, que os teólogos reformados parecem ter se afeiçoado de usar tanto quanto possível. Nota de John W. Beardslee III.

Traduzido de Johannes Wollebius, Compendium Theologicae Christianae in: John W. Beardslee III, Reformed Dogmatics: seventeenth-century Reformed Theology through the Writings of Wollebius, Voetius, and Turretin (Grand Rapids, Baker Books, 1977), pp.58-61.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Caro leitor, a sua opinião sobre este post é muito importante. Para boa ordem, os comentários são moderados e somente são publicados os que forem assinados e não forem ofensivos, lembrando que discordar não é ofensa. Por isso, sigo alguns critérios:
(1) Reservo-me no direito de não publicar comentários de "anônimos". Quer criticar e ter a sua opinião publicada, por favor, identifique-se. (2) Se quiser discordar faça-o com educação, e sem usar palavras imorais ou, ofensivas! (3) Ofereça o seu ponto de vista, contudo, não aceitarei que você ensine heresia em seu comentário, e não contribuirei para que ela seja divulgada neste espaço.

Carta de Johannes Aecolampadius para Hulrich Zwingli

20 de agosto de 1531.[1]   Saudações. Eu li, mui querido irmão, a opinião que você expressou a respeito do caso do rei da Inglaterra, e...