quinta-feira, 18 de maio de 2017

A Lei Cerimonial e Política - Johannes Wollebius

(1)
1. A lei cerimonial e política são auxiliares da lei moral. A mais antiga está especialmente sobre a primeira tábua, e a posterior sobre a segunda.
2. A lei cerimonial é aquela em que Deus requer cerimonias particulares e ritos externos, como tipos do Cristo que seria manifestado.

PROPOSIÇÕES
I. A lei cerimonial foi um tutor [paedagogus] que conduz à Cristo (Gl 3:24).
II. A lei cerimonial era menor em significado do que a lei moral. Primeiro, porque ela era auxiliar da lei moral. Segundo, porque ela não era de obrigação perpétua. Terceira, porque o amor [caritas] é mais importante do que cerimonias, como Oséias disse “eu quero misericórdia e não sacrifício” (Os 6:6).
III. A lei cerimonial é o vínculo legal [chiorographum] e evidência da culpa sob a qual todos os homens erram. (Cl 2:14: “tendo cancelado o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz”).
IV. A lei cerimonial foi, todavia, abolida pela morte de Cristo.
V. A guarda da lei foi comumente usual antes da morte de Cristo. Entre a sua morte e a promulgação do evangelho, ela foi um conteúdo de indiferença, mas desde que o evangelho foi proclamado, a observância destas cerimônias não é apenas ultrapassada, mas uma causa de morte. Assim Paulo antes, por causa da fraqueza dos judeus, arranjou para que Timóteo fosse circuncidado (At 16:2). Depois, porque o evangelho era melhor conhecido, ele não consentiu que Tito fosse circuncidado (Gl 2:3). E hoje, a observância das cerimônias por parte dos judeus é simplesmente uma negação da vinda e morte de Cristo.
VI. Todavia, é condenável o ensino dos encratitas[1] e de outros heréticos antigos que proibiam certos alimentos como se fossem em si impuros. Assim, é o erro dos papistas que forçam cerimônias, algumas pagãs e outras judaicas, sobre a igreja.

(2)
1. Os mandamentos da lei cerimonial lida com pessoas sagradas e com coisas sacras.
2. As pessoas sagradas eram, num sentido geral, todos aqueles que foram iniciados pela circuncisão, por meio da qual eles estavam limitados pela realização de outros ritos, e foram antecipadamente concedidos como um teste da santificação em Cristo. Mais especificamente as pessoas sagradas eram os ministros, tanto ordinários como os extraordinários.

(3)
1. Os ministros ordinários foram os sacerdotes e levitas.
2. Os sacerdotes eram aqueles que interpretavam a lei, sacrificavam, intercediam, abençoavam, e proviam para a continuação da correta relação entre o homem e Deus.

PROPOSIÇÕES
I. O sumo sacerdote era o tipo de Cristo, o sumo sacerdote.
II. O seu esplendor, quando ele se vestia e adornava, quase como um rei, era um tipo da dignidade de Cristo, e especialmente de sua absoluta justiça perfeita (Zc 3:5).
III. As principais vestimentas [ornamenta] eram a estola sacerdotal e o peitoral. Sobre a estola estavam escritos os nomes das doze tribos, gravados sobre pedras. No peitoral estavam o Urim e Tumim, que eram os meios que os oráculos eram dados à igreja. A estola, todavia, simbolizava a igreja; Urim e Tumim, que é luz e perfeições, representando Cristo, a palavra e o intérprete do Pai, a nossa luz e verdade. A estola ensinava que Cristo poderia completar a obra a nosso respeito. O peitoral instruía que ele poderia completar a obra em relação a Deus.
3. Os levitas eram aqueles que, como substitutos dos primogênitos, eram assistentes dos sacerdotes, e detinham o dever de cuidar, transportar o tabernáculo e a sua mobília.

(4)
1. Os ministros extraordinários eram os profetas e nazireus.
2. Os profetas eram homens que tipificavam a Cristo, o grande profeta, com uma divina inspiração para o ensino e reforma tanto dos profetas como do povo.
3. Os nazireus eram homens que tipificavam a santidade de Cristo, por causa de um voto especial de abstinência de vinho e de consagração.
4. A adoração sagrada poderia ser entendida através da mobília usada, e através do procedimento seguido.
5. A mobília era o tabernáculo e os artigos preservados no tabernáculo: a arca, o altar, a mesa, o lavatório de bronze.

PROPOSIÇÕES
I. O tabernáculo era um tipo da deidade habitando em Cristo. (Jo 1:14: “Ele tabernaculou entre nós.” Cl 2:9: “nele habitava a plenitude da divindade.”).
II. A construção humana [artificiosa coagmentio] de um tabernáculo figurava a edificação [coagmentio] da igreja fundada em Cristo (Ef 2:20-21).
III. O transporte do tabernáculo era uma figura da peregrinação da igreja cristã nesta vida.
IV. A existência de somente um templo significava a unidade de Cristo e da igreja.
V. Havia três partes: o pátio, o santo lugar e o lugar santo dos santos.
VI. O pátio era onde o povo se reunia, uma figura da igreja visível, em que eram tanto pessoas boas, como as más.
VII. O santo lugar era o pátio onde os sacerdotes, o tipo dos verdadeiros membros da igreja, uma raça eleita e sacerdócio real (1 Pe 2:9).
VIII. O santo dos santos era o lugar no qual ninguém, exceto o sumo sacerdote entrava, e somente uma vez por ano, simbolizando o santuário celestial em que Cristo entraria para a nossa salvação.
IX. O véu do templo, coberto com o querubim, indicava a carne de Cristo, que em alguma extensão ocultava a sua natureza divina.
X. No pátio, ao ar livre, estava o altar coberto de bronze que queimava as ofertas, significando a carne de Cristo unida a sua natureza divina, e por isso, a bondade que era oferecida por nós; também, o altar de incenso significando a intercessão de Cristo a nosso favor.
XI. No mesmo lugar estava o lavatório de bronze com o propósito de purificação, que significava que nós poderíamos purificar pelo sangue de Cristo, de modo que, poderíamos oferecer um sacrifício aceitável a Deus.
XII. No santo lugar, ou pátio dos sacerdotes, estava a mesa, e sobre ela o pão da presença e o candelabro de ouro, pelo qual se ensinava que Cristo é o alimento, a bebida e a luz de seu povo para a vida eterna.
XIII. No mesmo lugar estavam as vasilhas de ouro para aspergir água e para o incenso, representando o sacrifício e intercessão de Cristo.
XIV. No santo dos santos estava o incensário de ouro reservado para o sumo sacerdote e a arca do pacto.
XV. A arca feita de cedro e coberta com ouro era uma figura das duas naturezas de Cristo.
XVI. As tábuas do pacto, o maná, a vara de Arão, colocadas dentro da arca, ensinando que Cristo poderia ensinar, alimentar, e governar o seu povo.
XVII. A tampa da arca, chamada de “o lugar da propiciação”, onde Deus mesmo prometeu falar com Moisés, era o tipo de Cristo, que cobria [2] os nossos pecados, defendendo-nos pelos seus anjos, e nos expondo a Palavra do Pai.

(5)
1. O procedimento da adoração levítica consistia parcialmente de fazer oferendas a Deus; e, em parte, na observação de determinados períodos sagrados.
2. O que era oferecido a Deus era sacrifício tanto expiatório como eucarístico.
3. Um sacrifício expiatório era algo que o fiel, pela matança e oblação de animais, testemunhava o fato de que eles mereciam a morte, e que eles colocando a sua fé em Cristo, como o cordeiro que seria oferecido uma vez por todas pelos pecados do mundo.
4. Um sacrifício eucarístico[3] era oferecido tanto por todos os nossos pecados como por aqueles particulares.
5. O sacrifício por todos os pecados, chamado de “oferta queimada”, era oferecido pela completa cremação de vítima (Lv 1:3-17).
6. O sacrifício pelos pecados particulares chamado de “resgatador” era oferecido tanto pelo pecado, como pela culpa.
7. O sacrifício pelo pecado expiava tanto os pecados cometidos pelo erro como pela ignorância (veja Lv 4:2-3).
8. O sacrifício pela culpa expiava o que se cometia com conhecimento, mas por causa da fraqueza. (Lv 5 e 7).
9. As ofertas de gratidão eram sacrifícios oferecidos com o propósito de tornar pública a expressão de agradecimento.
10. Estas ofertas eram realizadas tanto com dádivas [munus] somente ou também com animais [animalibus adhibitis].[4]
11. O sacrifício realizado apenas com dádivas chamado de “ofertas de comida e bebida” era no qual alimento, bebida, óleo, sal, incenso, etc., e demais coisas eram dadas.
12. O sacrifício com animais poderia ser realizado tanto pela queima meramente das vísceras das vítimas, ou acrescentando os animais à oferta de comida e bebida;
13. Os períodos sagrados envolviam tanto determinados dias como anos.
14. Aqueles que envolviam determinados dias eram: (1) o início e o fim de cada dia, onde o sacrifício sempre era oferecido; (2) o sétimo dia ou sabbath, que era um símbolo da santificação e o descanso preparado através de Cristo; (3) a lua nova.
15. Aquele que envolvia o ano, tanto era anual ou recorrendo após um determinado número de anos.
16. O período anual poderia ser classificado como maior ou menor.
17. O período maior era a Páscoa, o Pentecostes e a Festa dos Tabernáculos.
18. A Festa da Páscoa era celebrada no quinquagenário dia do primeiro mês, serviu como um memorial da libertação do Egito e um tipo da vinda libertadora através de Cristo.
19. A festa de Pentecostes que era celebrada no quinquagésimo dia após a Páscoa, serviu de memorial da entrega da lei no Monte Sinai, e como um tipo do escrito da lei sobre os nossos corações pelo Espírito Santo que foi enviado. Os primeiros frutos foram oferecidos nesta festa, quando foi chamada de “Festa das Primícias.”
20. A Festa dos Tabernáculos era celebrada décimo quinto dia do sétimo mês, e servia como um memorial da graciosa preservação dos israelitas no deserto, morando em tendas [tabernaculae], e foi um tipo da encarnação de Cristo. Neste festival, ações de graças eram dadas a Deus pelas colheitas, quando ela era chamada de “Festa das Colheitas.”
21. As menores observâncias eram a festa das trombetas, no primeiro dia do sétimo mês (quando a guerra civil iniciou), e a festa da expiação, no décimo dia do sétimo mês; a primeira era um tipo do anúncio do evangelho, e a segunda da expiação de Cristo.
22. Os períodos sagrados que ocorriam após a passagem de alguns anos era o ano sabático e o ano do jubileu.
23. O ano sabático ocorria após sete anos e durante ele não havia cultivo do solo ou cobrança de dívidas.
24. O ano do jubileu ocorria a cada quinze anos, quando os títulos de terra retornavam aos seus proprietários e escravos hebreus recebiam a sua liberdade, como um tipo de libertação que Cristo realizaria da escravidão do pecado e do demônio.

(6)
Igualmente para a lei cerimonial. A lei política trata com a constituição civil dos judeus.

PROPOSIÇÕES
I. Do mesmo modo que a lei cerimonial está relacionada para Deus, assim também a lei política está ligada com o próximo.
II. Naqueles assuntos que ela está em harmonia com a lei moral e com a justiça ordinária, ela está imposta sobre nós.
III. Naqueles assuntos que eram peculiares a aquela lei e era prescrita para a terra prometida ou, no contexto do estado judaico, ela não tem mais força sobre nós do que as leis das nações estrangeiras.


NOTAS:
[1] J.H. Hall descreve-os como sendo “um grupo que praticava um modo ascético de vida, incluindo uma abstinência permanente de comer carne, beber vinho e do casamento. Apareceram pela primeira vez no século II. A igreja primitiva considerava errada semelhante abstinência permanente, por denegrir a criação divina. Embora não possa ser decisivamente comprovado que os encratitas fossem gnósticos, eram considerados hereges por alguns escritores primitivos – e.g.: Irineu, Hipólito e Eusébio de Cesaréia. A ênfase que davam a abstinência permanente certamente era uma característica gnóstica. Alguns dos seguidores mais famosos deste modo de vida extremamente ascético foram Taciano, Marcião e Saturnino. Estes homens acrescentaram a heresia teológica à heresia prática do ascetismo extremo.” J.H. Hall, “Encratitas” in: Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, Walter A. Elwell, ed., (São Paulo, Edições Vida Nova, 2009), p. 23. Nota de Ewerton B. Tokashiki.
[2] Tego. A identificação da “tampa” com a expiação e “o assento da misericórdia” é de consenso nos estudos bíblicos. Nota de John W. Beardslee III.
[3] Existem problemas técnicos na tradução de sentenças curtas, e nisto sou auxiliado por Ross e a tradução holandesa, e pelos termos alemães interpolados por Bizer, bem como os comentários do Antigo Testamento. Wollebius foi professor de estudo do Antigo Testamento, e seu interesse profissional apresenta no uso de seus detalhes. Nota de John W. Beardslee III.
[4] Esta expressão, como no caso de “resgatador” no número 6, não é de adequada clareza na usual discussão inglesa nas tecnicalidades do Antigo Testamento. No holandês a expressão é daer-em-boven met beestem. Nota de John W. Beardslee III.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Caro leitor, a sua opinião sobre este post é muito importante. Para boa ordem, os comentários são moderados e somente são publicados os que forem assinados e não forem ofensivos, lembrando que discordar não é ofensa. Por isso, sigo alguns critérios:
(1) Reservo-me no direito de não publicar comentários de "anônimos". Quer criticar e ter a sua opinião publicada, por favor, identifique-se. (2) Se quiser discordar faça-o com educação, e sem usar palavras imorais ou, ofensivas! (3) Ofereça o seu ponto de vista, contudo, não aceitarei que você ensine heresia em seu comentário, e não contribuirei para que ela seja divulgada neste espaço.

Carta de Johannes Aecolampadius para Hulrich Zwingli

20 de agosto de 1531.[1]   Saudações. Eu li, mui querido irmão, a opinião que você expressou a respeito do caso do rei da Inglaterra, e...