quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Conselhos de João Calvino sobre empréstimo, usura e Igreja e Estado.

Eu seria mais diligente em responder, querido irmão, se não fosse impedido pela dificuldade que parece estar relacionada à pergunta que fez em sua carta. Você pergunta se é permitido aos ministros cobrar e obter lucro com o dinheiro deles. Se eu disser “não” categoricamente, minha resposta poderá ser julgada mais severa do que a correta e, possivelmente, será distorcida. Portanto, não me atreveria a afirmar que não é permitido. Sei como é provável que isso acarrete falsas acusações e escândalos, mais intrigante, e como a maioria das pessoas estendem os limites dos bens que podem adquirir, mesmo sob condições de restrição, prefiro parar de me comprometer do que dar uma resposta completa, e oferecer a minha opinião de que este assunto fosse liberado de restrições de uma vez por todas.

Seria sensato, é claro, abster-se de transações desse tipo e da ganância por lucros. Jeremias tem o propósito de testemunhar sobre si mesmo: “Nunca lhes emprestei com usura, nem eles me emprestaram a mim com usura; todavia, cada um deles me amaldiçoa” [Jr 15.10]. Quando um ministro da Palavra pode impedir-se de obter lucros desse tipo, ele está tomando a decisão certa para si. Não obstante, é mais tolerável que receba esse lucro do que entre nos negócios ou empreenda alguma atividade que o afaste dos deveres de seu ofício e, portanto, não vejo que isso mereça condenação como algo geral. Eu gostaria de ver a restrição usada. Obviamente, ele não deve estipular uma taxa de retorno definitiva ou que uma quantia específica de dinheiro lhe seja paga. Ele pode, no entanto, investir seu dinheiro com um homem honesto, cuja boa fé e honestidade ele confia. Que se contente com um retorno justo e honesto de seu dinheiro, de acordo com o modo das bênçãos de Deus sobre ele como usuário de riqueza.

Sobre a questão de prestar juramento no consistório, você deve agir com prudência para combater as desvantagens e murmúrios dos iníquos. Será melhor, portanto, se aqueles que são chamados prestarem juramento quando for necessário e permanecerem como se estivessem no tribunal de Deus, uma vez que o próprio Deus está presidindo uma assembleia. Evite cuidadosamente qualquer tipo de ação que tenha aparência de uma justificativa, ou mesmo algo parecido.

Por fim, não vejo dificuldade em admitir no consistório àqueles que são responsáveis pela jurisdição civil normal, desde que não estejam presentes devido ao prestígio e respeito à sua jurisdição. Uma distinção deve sempre ser observada entre essas duas áreas claramente distintas de responsabilidade: a civil e a eclesiástica. Além disso, não há razão para excluí-los de nossas investigações e decisões sobre assuntos espirituais. Em resumo, quando homens adequados forem escolhidos para esse cargo, cuidem para que não combinem o poder da espada com algo que, por sua própria natureza, deva permanecer distinto desse poder.

Achei que deveria responder às suas perguntas dessa maneira, mas não quero que as respostas pareçam ter vindo apenas de minhas opiniões. Eu consultei meus irmãos expressamente, e eles aprovaram.

Saudações,
10 Janeiro de 1560.


Mary Beaty and Benjamin W. Farley, Calvin’s Ecclesiastical Advice (Louisville, Westminster/John Knox Press, 1991), pp. 160-161.
Tradução de Ewerton B. Tokashiki

2 comentários:

  1. Uma postura bíblica e coerente no meu ponto de vista, gostei muito do posicionamento tendo em vista a honestidade, e o desprezar total da ganância.

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  2. Eu consultei meus irmãos expressamente, e eles aprovaram.
    Que sabedoria e humildade divina.

    Charles David Oliveira.

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