quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

O pecado original e o livre arbítrio

(I)

1. O pecado resultante do primeiro pecado é tanto original como atual.
2. Pecado original é um mal inato de toda humanidade, enxertada em todos que descendem de Adão, por causa da culpa [reatus] do primeiro pecado, pelo qual a liberdade para o bem foi completamente perdida [penitus] e a emergência de uma inclinação para fazer o mal.

PROPOSIÇÕES

I. Na Escritura este pecado é chamado o pecado par excellence, e também “o corpo do pecado” (Rm 6:6), “pecado ... tornando pecaminoso” (Rm 7:13), “pecado que habita” (Rm 7:17), “a lei dos membros” (Rm 7:23), “o velho homem” (Rm 6:6), e “a carne” (Jo 3:6; Gl 5:17).
II. Ele também é chamado de concupiscência. Rm 7:7: “eu poderia não ter conhecido a concupiscência, se a lei não tivesse dito: ‘não cobiçarás’”.
III. Os papistas estão errados quando removem a concupiscência da lista dos pecados, e adicionam-na as obras de Deus. Pelo nome de concupiscência pode significar outra faculdade natural de desejo, que esteve no homem antes da queda, ou o mal aderindo a esta faculdade, que está ali pelo seu primeiro ato, e pelo qual ela está inclinada para o mal.
IV. A causa aproximada do pecado original é a culpa [reatus] do primeiro pecado, com respeito a ele é justa a punição infligida por Deus, e de fato, parte da morte que Deus advertiu ao homem.
V. Embora a alma humana é soprada [na pessoa] diretamente por Deus, entretanto, desde o primeiro momento estando unido ao corpo, ela é culpada do primeiro pecado, que é imputado a toda raça humana, e por isso é corrompida por aquela pecaminosidade.
VI. O fato dela ser praticada de forma voluntária e consciente, não impede que o pecado original seja pecado. Certo de que a vontade esteja completamente ausente, no entanto, que a ilegalidade esteja em nossa natureza é suficiente [para cometermos pecado].
VII. Nenhum ser humano, nem mesmo a virgem Maria, está livre do pecado original (somente Cristo foi exceção), nem afeta as crianças meramente, mas também aqueles que ainda não nasceram, e ele cresce, como a ganância nos descendentes dos lobos. Sl 51:5 “porque em pecado me concebeu minha mãe”. 2 Co 5:21 “Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós”.
VIII. O pecado original consiste não somente na inabilidade para fazer o bem, mas também de uma tendência [proclivitas] para o mal; não é uma mera perda do bem que foi recebido originalmente, mas também a adição do mal correspondente.
IX. Por causa do pecado original a bondade natural é corrompida, e a bondade sobrenatural está completamente [penitus] perdida.
X. Entretanto, subsiste o intelecto, mas ele está confuso; e a vontade que perdeu a sua retidão; e os desejos inferiores que estão totalmente corrompidos.
XI. O homem não redimido mesmo em assuntos naturais e civis é capaz de fazer o bem apenas por graça especial.
XII. Sem esta graça especial de Deus, nada significante é realizado pelos pagãos [gentiles].
XIII. Tudo o que eles são capazes de realizar está tão misturado com multiforme futilidade, que as suas maiores virtudes são simplesmente esplêndidos pecados [splendida peccata] diante de Deus.
XIV. Boas obras não são apenas ações que são boas em si mesmas, mas ações que são realizadas pelos motivos corretos. A frase “boas obras” podem ser usadas em sentido unívoco e equívoco. Ela é usada em sentido unívoco quando as ações são boas simplesmente com respeito a todas as circunstâncias, mas ela é equivocadamente quando as ações são boas em si mesmas, mas corrompidas em relação ao objeto, ou sujeito, ou meios, ou ainda o propósito. Se examinar-se do propósito das ações dos pagãos, será evidente que eles são preocupados com a sua própria glória, e não com a que pertence a Deus.
XV. Embora as paixões dos réprobos são restringidas por Deus como um freio, eles não fazem tudo o que são capazes.
XVI. Os dons sobrenaturais, chamados de iluminação do intelecto, retidão da vontade e a conformidade da paixão da razão, estão completamente perdidos.
XVII. Assim, em assuntos espirituais, o homem em si não possui nenhum princípio de conhecimento ou ação, nem um sólido fato ou possibilidade.
XVIII. Embora há quem atribua aos não redimidos algum livre arbítrio, ou outros poderes pelos quais poderiam fazer o bem, ou preparar-se para a conversão e a graça de Deus, estão buscando uma casa em cinzas. Este é o erro dos pelagianos e dos semipelagianos.
XIX. A vontade permanece livre da coerção, mas não livre de escolher entre o bem e o mal.
XX. A vontade se tornou tão má [factum est ad malum] que ela seria melhor descrita como escrava do que como livre. No que diz respeito ao intelecto “o homem natural não pode entender as coisas concernentes ao Espírito de Deus” (1 Co 2:14). Bem como a vontade “a imaginação do coração do homem é má” (Gn 8:21). E por fim, a Escritura declara que o homem perdeu completamente a vida espiritual, estando “morto em pecado” (Ef 2:1).
XXI. Quando este pecado é perdoado aos pais piedosos, de modo algum é repassado por geração aos seus filhos.

Pois a mancha não está completamente retirada pelo perdão, apesar da culpa ser removida. O dom da fé não é dado pela geração, mas pela regeneração, assim o homem gera um homem não como regenerado, mas simplesmente como um homem, do mesmo modo que uma semente limpa das arestas, palha e casca, ainda produzirá quando crescer.

Tradução de Rev. Ewerton B. Tokashiki
Extraído de Johannes Wollebius, Compendium Theologicae Christianae in: John W. Beardslee III, Reformed Dogmatics: seventeenth-century Reformed Theology through the Writings of Wollebius, Voetius, and Turretin(Grand Rapids, Baker Books, 1977), pp. 69-71.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Caro leitor, a sua opinião sobre este post é muito importante. Para boa ordem, os comentários são moderados e somente são publicados os que forem assinados e não forem ofensivos, lembrando que discordar não é ofensa. Por isso, sigo alguns critérios:
(1) Reservo-me no direito de não publicar comentários de "anônimos". Quer criticar e ter a sua opinião publicada, por favor, identifique-se. (2) Se quiser discordar faça-o com educação, e sem usar palavras imorais ou, ofensivas! (3) Ofereça o seu ponto de vista, contudo, não aceitarei que você ensine heresia em seu comentário, e não contribuirei para que ela seja divulgada neste espaço.

Carta de Johannes Aecolampadius para Hulrich Zwingli

20 de agosto de 1531.[1]   Saudações. Eu li, mui querido irmão, a opinião que você expressou a respeito do caso do rei da Inglaterra, e...