quinta-feira, 10 de março de 2016

Carta de Martinho Lutero a Johannes Staupitz [Setembro de 1523]

Ao reverendo pai em Cristo, João, abade de São Pedro da ordem dos beneditinos em Salzburg, seu superior em Cristo, seu pai e preceptor.[1]

A graça e paz em Cristo Jesus, o nosso Senhor.

Reverendo pai em Cristo: é injusto o teu silêncio e facilmente podes suspeitar o que dele opinamos. Mas, ainda que tenhamos perdido a tua graça e teu beneplácito não poderemos nos esquecer e ser ingratos contigo, por quem começou a brilhar a luz do evangelho nas trevas e em nossos corações. Confesso que nos agradaria mais se não te houvessem feito abade, mas, já que o és, procuraremos, o bem dos dois e deixemos que cada um abunde em sua opinião. Pior que ter te afastado de nós é suportarmos os teus amigos e eu o que esteja a serviço desse monstruoso famoso, teu cardeal.[2] Te vês obrigado a suportar e calar o que queres fazer, coisa que o mundo apenas pode aguentar. Milagre será não estejas em perigo de renegar a Cristo. Por isso, todos rogamos e desejamos que retornes a nós, que te libertes do cárcere desta tirania e esperamos que estejas de acordo por tua parte. Tal como te conheci até agora, sinto-me incapaz de compor esses dois extremos que se combatem entre si: que continues sendo o mesmo, e que consintas perseverar nessa situação, o que, se continuas sendo o mesmo, não penses com frequência em abandoná-la. E por último, como de ti pensamos e desejamos o melhor, abrigamos boas esperanças, ainda que a nossa esperança se veja fortemente abalada por teu duradouro silêncio.

Por este motivo me atrevo enviar-te estas letras em favor do irmão Acácio, cativo antes em teu monastério e agora, assim o espero, liberto em Cristo. Se continuas sendo o mesmo que conheci, não te peço somente que o perdoes, mas o farás generosamente, como também, te rogo que lhe dês algo da abundância de teu rico monastério, com o que possa iniciar uma nova vida, este homem pobre e carente. Assim peço a ele, e ainda que estive duvidando na incerteza, espero o melhor e me inclinei a presumir o melhor de ti. Se tens mudado em relação a nós, que Cristo não queira isto – te falo com toda a liberdade – não queiras perder tempo com palavra inúteis, mas que preferiria invocar a misericórdia de Deus sobre ti e sobre todos nós.

Assim vês, reverendo pai, que ambiguamente tenho que escrever a causa de que teu longo silêncio nos têm munido na incerteza sobre os teus sentimentos, quando tu tão bem nos conheces. Além do mais, estou certo de que o teu coração não pode depreciar-nos, ainda que nada em nós fosse do teu agrado. Por minha parte não deixarei de orar para que se cumpra o meu desejo de que te afastes de teu cardeal e do papado, como separado estou e tu o estiveste. Deus me ouça, e te una a nós. Amém.

Wittenberg, Dia de são Lamberto, 1523.[3] Martinus Lutherus.


NOTAS:
[1] WA Br 3, pp. 155-156. Staupitz terminou se tornando abade da histórica abadia de São Pedro em Salzburg; ou seja, ele foi transferido dos agostinianos para os beneditinos. A carta de Staupitz, possível contestação a este fato, onde se reflete a sua bondade natural, mas em que fecha a cara para Lutero por causa de seus excessos e violência. Cf. WA Br 3, pp. 236ss. Significado de Staupitz para Lutero em E. Wolf, Staupitz und Luther, Leipzig 1927.
[2] Mateo Lang, arcebispo de Salzburg, outra das pessoas cordialmente aborrecidas por Lutero.
[3] Data equivale a 17 de Setembro de 1523. Nota do tradutor.


Esta carta foi originalmente traduzida de Teófanes Egido, org., Lutero – Obras (Salamanca, Ediciones Síguime, 4ª ed., 2006), pp. 395-396.

Tradução com introdução e notas em 10 de Março de 2016.
Rev. Ewerton B. Tokashiki
Pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Porto Velho

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