sábado, 14 de março de 2015

As Pessoas da Trindade

por Johannes Wollebius

(1)
As pessoas da divindade são subsistentes que possuem a completa essência de Deus, mas diferem pelas propriedades incomunicáveis.

PROPOSIÇÕES

I. A palavra “pessoa”, “Trindade”, e homoousion, não se encontram na Escritura, todavia, são consistentes com a Escritura, e são sabiamente usadas na igreja.
II. As palavras “hypostasis” e “hypostasized” são de significado amplo do que a palavra “pessoa” [persona]. Uma hypostasis é uma substância individual. Uma pessoa [persona] é uma substância pessoal racional completa, diferindo das outras por uma propriedade incomunicável. Mas o apóstolo (Hb 1:3) usou “hypostasis” para “pessoa” pela metalepsis.
III. Um pessoa da Trindade [persona divina] não é uma espécie de Deus, ou da Divindade ou parte dele, ou alguma coisa de Deus, ou modo, ou mero relacionamento, ou simplesmente um modo de existência, pelo contrário, a essência de Deus em um específico modo de existência.
IV. Uma pessoa da Trindade não é um composto de dois seres, nem é a essência de Deus e o modo de existência para ser considerado como duas entidades da mesma ordem [res et res], mas eles são realmente ou ser e o modo [modus] deste ser.

(2)
1. As pessoas da Divindade são três: Pai, Filho e Espírito Santo.
2. O Pai é a primeira pessoa da Trindade, auto-existente, gerando [gignens] o Filho desde a eternidade e com o Filho produzindo [producens] o Espírito Santo.
3. O Filho é a segunda pessoa, gerado pelo Pai desde a eternidade, e com o Pai produzindo o Espírito Santo.
4. O Espírito Santo é a terceira procedendo desde a eternidade do Pai e do Filho.

PROPOSIÇÕES

I. A Trindade não é um processo, mas um completo estado do ser [non numerus numerans, sed numeratus].
II. O dogma da Trindade não é meramente uma tradição da igreja, mas um ensino proclamado na Escritura Sagrada. Isto é mantido contra os papistas, que a fim de afirmar a imperfeição da Escritura não se envergonham de defender o contrário.
III. Embora a doutrina da Santíssima Trindade este obscura no tempo do Antigo Testamento, ela não estava completamente desconhecida. Em Gn 1:1 diz “No princípio Deus criou os céus e a terra”; e o vs. 2 “O Espírito de Deus estava pairando sobre a face das águas”; e o vs. 26 “Façamos o homem”. O Sl 33:6 diz “Pela a palavra de Jehovah os céus se fizeram, e todas as hostes pelo Espírito de sua boca.”[1] Em 2 Sm 23:2 “o Espírito de Jehovah falou através de mim, e a sua palavra pela minha língua.” Em Is 6:3 diz “santo, santo, santo é Jehovah dos Exércitos.” Em Is 63:9 “O anjo de sua presença (isto é, Deus o Pai) salvou lhes.” Em Is 63:10 diz “Eles se rebelaram e entristeceram o seu Santo Espírito.” Estas testemunhas são suficientes para a mente cristã, embora eles aludem a teimosia dos judeus.
IV. Entretanto, há textos mais explícitos no Novo Testamento. Em Mt 3:16 diz “E, os céus estavam abertos para ele, e ele viu o Espírito de Deus descendo sobre ele.” E em Mt 3:17 está “e vendo, havia uma voz do céu que dizia: ‘este é o meu filho amado, em quem tenho prazer.’” Em Mt 28:19, “batize-os em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo.” Em Jo 14:16 “eu orarei ao Pai, e ele dará um outro consolador.” Jo 15:26 “quando o confortador vier, ele é quem enviaria você do Pai. Em 2 Co 13:14 diz “A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vocês.” 1 Jo 5:8 diz “Há três pessoas que testificam no céu, o Pai, a Palavra e o Espírito Santo.”[2]
V. Para isto podem ser acrescentadas provas da divindade do Filho e do Espírito Santo a partir de seus nomes, seus atributos, suas obras e suas honras divinas. Assim, a deidade do Filho é provada por:

I. Os seus nomes divinos.
No Antigo Testamento o “Anjo da aliança” (Ml 3:1) que aparecia frequentemente aos pais como uma preparação para a encarnação, era o Filho de Deus, e é muitas vezes chamado de Jehovah e Deus (Gn 16:13, 18:1; 32:9, e também Os 12:4; Êx 3:15; Js 6:2; Zc 1:12 e 3:1-2).[3] No Novo Testamento o testemunho é muito mais simples. João 1:1 declara “a Palavra era Deus”. João 17:3 “esta é a vida eterna que eles conheçam a ti, o único verdadeiro Deus, e Jesus Cristo a quem tu enviaste.” João 20:31 “estes foram escritos, para que tu possa crer que Jesus é o Cristo, o filho de Deus.” Atos 20:28 “Deus redimiu a igreja com o seu próprio sangue.” Romanos 9:5 “Deus bendito para sempre.”[4] Tito 2:13 “aquele grande Deus.” Estas expressões são muito comuns em Apocalipse.

II. Os seus atributos divinos.
1. Eternidade. João 8:58 “antes de Abraão, eu sou.” Apocalipse 1:8 “eu sou o alfa e ômega, que é, e era, e ainda há de vir.”
2. Onisciência. João 2:24-25 “ele conhece todos os homens, e não necessita de que alguém lhe testemunho do que é o ser humano, pois ele conhece o que está no homem.”
3. Onipresença. Mateus 28:20 “eu estarei convosco até o fim dos tempos.”
4. Onipotência. João 5:19 “tudo o Pai faz, o Filho também faz.” Hebreus 1:3 “Ele sustenta todas as coisas pela sua palavra de poder.”

III. A sua divina obra. João 14:11 “crê que o Pai está em mim e, eu no Pai, ou também creia por causa da glória das mesmas obras.”
IV. Divina honra. As pessoas precisam crer nele (Jo 3:16). Em seu nome pessoas são batizadas (Mt 28:19). Em seu nome todo joelho se dobrará (Fp 2:10).

A deidade do Espírito Santo prova que:

I. O nome “Deus”. Atos 5:3-4 “Pedro lhe disse: ‘Ananias, porque Satanás encheu o seu coração, para que você mentisse ao Espírito Santo? Você não mentiu a homens, mas a Deus.”

II. Os seus atributos divinos.
1. Eternidade. Gênesis 1:2 “O Espírito de Deus se movia sobre a face das águas.”
2. Onipresença. Salmo 139:7 “para onde fugirei de teu Espírito?”
3. Onisciência. 1 Corintians 2:10 “o Espírito busca todas as coisas, em todos os caminhos de Deus.”
4. Onipotência. Isto é óbvio pelas suas obras.

III. As suas obras divina.
1. A criação de todas as coisas (Gn 1:2; Sl 33:6; Jó 26:13; 38:4).
2. A preservação de todas as coisas. Gênesis 1:2 “Ele pairava sobre as águas” de modo semelhante a uma ave sobre os seus filhotes e deles cuida.
3. O seu envio e unção de Cristo. Isaías 61:1 “o Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele ungiu-me.”
4. Os dons de línguas e milagres. 1 Corintians 12:4 “vários dons, mas o mesmo Espírito.”

IV. A sua divina honra.
V. As pessoas creem nele de acordo com o credo. As pessoas precisam ser batizadas em seu nome (Mt 28:19). Orações são feitas por ele (2 Co 13:14; Ap 1:4; onde são chamados sete espíritos, não com respeito ao número, mas referindo-se aos seus dons, quando a antiga igreja cantava “Tu com sete dons”).[5]
VI. As diferenças entre as pessoas aparecem na posição, atributos e na maneira de operar. Na posição, o Pai é primeiro, o Filho em segundo e o Espírito Santo em terceiro. Nos atributos, o Pai existe por si mesmo, não somente considera a sua essência, mas também com respeito a sua pessoa. O Filho existe por meio do Pai; o Espírito Santo, pelo Pai e do Filho. No modo de operar, o Pai sempre age por si mesmo, o Filho pelo Pai, e o Espírito Santo por ambos.
VII. A Trindade de pessoas não destrói a unidade da essência: há três pessoas, mas um Deus. Deuteronômio 6:4 “ouve Israel, Jehovah nosso Deus é o único Jehovah.” 1 Coríntians 8:6 “pois conhecemos um Deus, o Pai de quem são todas as coisas, e a quem somos, e o único Senhor Jesus Cristo, através de quem todas as coisas, e nós existimos.” Efésios 4:6 “um Deus e Pai de todos.” 1 Timóteo 2:5 “há um Deus e único mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo.” 1 João 5:7 “e estes três são um.”
VIII. Entretanto, a palavra “Deus” pode ser usada tanto para toda a Santa Trindade, ou para uma específica pessoa desta Trindade. Em Atos 20:18 “Deus redimiu a igreja pelo seu próprio sangue”, a palavra “Deus” precisa ser entendida como sendo uma referência ao Filho.
IX. A unidade das três pessoas da Santa Trindade consiste de identidade de essência, igualdade e relação entre elas [circumcessio].
X. Identidade, ou unicidade da essência [omousía seu enousía] significa que as três pessoas são coessenciais, ou da mesma essência. Eles não são de essência semelhante [omoioúsioi], nem de diferentes essências [anómoioi], nem de diversas essências [eterousioi], nem são eles de indivíduos diferentes da mesma espécie [tautousioi, isto é, eiusdem essentiae specificae].
XI. Por igualdade de pessoas entende-se que as três pessoas da divindade são iguais em essência, atributos, ações essenciais, glória e honra. O Filho e o Espírito Santo são em si mesmos auto-existentes e justos tanto quanto o Pai.
XII. Por circumcessio entende-se que as pessoas são mais intimamente unidas, todavia, cada uma sempre mantém relação umas com as outras.[6]


NOTA:
[1] As versões AV a RSV “breath of his mouth”; Vulgata traduz: spiritus oris eius. Nota de John W. Beardslee III.
[2] A autenticidade deste verso tem sido questionada. O escolasticismo “ortodoxo” defende-o por todo aquele século. Veja Francis Turrentin, Disputatio de Tribus Testibus Coelestibus (texto não traduzido). Nota de John W. Beardslee III.
[3] Transcrevo as citações das Escrituras conforme Wollebius as fez. O leitor muitas vezes terá que ler uma longa porção da Bíblia, de modo que, possa ver o completo sentido da referência. Em cada caso o contexto inclui um “anjo” que pode ser considerado como não criado. Este anjo é “o Filho de Deus” que claramente oferece uma específica e tradicional dedução cristã. Veja Francis Turrentin, Compêndio de Teologia Apologética, Terceiro Tópico, Questões IV e VII. [publicado pela Editora Cultura Cristã]. Nota de John W. Beardslee III.
[4] Wollebius claramente aceita o tradicional entendimento desta passagem, diferenciando como termina na RSV. Nota de John W. Beardslee III.
[5] Do cântigo Veni Creator Spiritus. Nota de John W. Beardslee III.
[6] Para um breve esclarecimento sobre circumcessio, ou, da relação das pessoas da Trindade veja AQUI. Nota de Ewerton B. Tokashiki.


Texto de John W. Beardslee III, Reformed Dogmatics: seventeenth-century Reformed Theology through the Writings of Wollebius, Voetius, and Turretin (Grand Rapids, Baker Books, 1977), pp. 40-45.

Traduzido 14 de Março de 2015.
Rev. Ewerton B. Tokashiki
Pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Porto Velho
Professor de Teologia Sistemática no SPBC-RO

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