sábado, 31 de maio de 2014

Carta de Martinho Lutero a Johannes Staupitz [1521]

A Staupitz. 14 de Janeiro de 1521[1]

Jesus. Saudações. Quando estávamos em Augsburg[2], reverendíssimo pai, ao tratar deste meu assunto, e entre outras coisas, me disse: “não esqueça, irmão, que tudo você começou em nome de nosso Senhor Jesus Cristo.” Estas palavras as recebi não como faladas por você, mas proferidas por meio da sua pessoa, e as tenho gravadas em minha memória. Com estas mesmas palavras, suplico: “acorde também do que você me disse”. Este negócio se tornou num jogo até agora; ao presente a coisa está se tornando mais sério e, ao tom de suas palavras, se Deus não o completar, é impossível que chegue ao seu término. Ninguém pode colocar em dúvida que tudo se acha na mão do poderosíssimo Deus. Que de nós pode decidir aqui? O que pensarão os homens? É tão violento o tumulto que se levanta, que me parece não será possível aplacar até o dia final, que tanta é a animosidade a que de um lado, ou de outro chegou.

Ainda que emita excomunhões, queime livros e me mate, é fato, que o papado não se encontra na mesma situação que antes. Todos os sinais dizem que um grande portento está clamando às portas. Que afortunado seria o papa se empenhasse em compor a paz com bons meios, em vez de afrontar a questão tratando de eliminar a Lutero pelo redemoinho da violência! Queimei os livros e a bula papal[3], no princípio o fiz com medo e rezando, mas hoje estou contente de ter realizado, pelo que teria feito durante minha vida. São mais peçonhentos do que eu acreditava serem.

Emser, de Leipzig, escreveu em língua vernácula, motivado pelo duque George[4], que está furioso comigo, e que “respirando ameaças e morte”,[5] dispôs na mesma aula de forma impiedosa que tomassem medidas contra mim.

O imperador me convocou por carta dirigida ao príncipe. Ao recusar este, revogou aquele a primeira carta com outras. Somente Deus sabe o que sucederá[6].

O nosso vigário Wenceslao marchou para Nürnberg. Zschessius se encontra em Grimma e disse que partirá dali; Deus o conserve.[7]

Aqui tudo está florescendo como antes. Hutten apostilou a bula[8] com anotações saladísimas contra o papa e está preparando outras coisas sobre o mesmo. Os meus escritos foram queimados três vezes: em Lovaina, em Colônia e na Maguncia com grande desprezo e perigo dos que os queimaram. Até Tomás Murner[9] furioso escreveu contra mim. Esse asno descalço de Leipzig não me incomoda.[10]

Adeus, meu pai. Rogue pela palavra de Deus e por mim. Estou arrebatado e envolto nestas olas.

Wittenberg, dia de são Felix, 1521.
Martinus Lutherus, agostiniano.


NOTAS:
[1] WA Br 2, pp. 245-246.
[2] Na entrevista com Cajetano em Outubro de 1518 (cf. Conversas a Mesa).
[3] A queima pública e teatral da bula condenatória de sua doutrina (Exsurge Domine, de Leão X), assim como dos livros que representavam o direito e as tradições eclesiásticas e escolásticas ocorreu em 10 de Dezembro de 1520. (Os panfletos que distribuiu impressos, cf. em WA 6, pp. 597ss; 7, pp. 94ss. Uma narrativa vivida, por uma testemunha presente, em WA 7, pp. 184ss). H. Grisar, Zu Luthers Verbrennung der Bannbulle: Historisches Jahrbuch 42 (1922), pp. 266-276; J. Luther, Noch einmal Luthers Worte bei der Verbrennung der Bannbulle: Archiv für Reformationsgeschichte 45 (1954), pp. 260-265.
[4] A obra de referência escrita por Jerônimo Emser contra o Manifesto à nobreza. George da Saxônia será um inimigo próximo e perseguidor de Lutero, e sua universidade de Leipzig das mais hostis contra o reformador.
[5] Compare com At 9:1.
[6] Em relação com a Dieta de Worms, cf. a nossa introdução ao escrito 6 desta edição.
[7] Wenceslao Link, sucessor de Staupitz no cargo de superior de Lutero em 1520, três anos depois que aderiu a Reforma, na qual ele foi um elemento ativo. Wolgang Zeschau, abade do convento agostiniano de Grimma, também partidário de Lutero.
[8] Ulrich von Hutten (1488-1523), é um dos personagens mais caracterizados deste momento alemão. Apoiou a causa de Lutero por motivos políticos (nacionalistas), econômicos (talvez, também pelos religiosos), sendo que era um dos representantes dos cavaleiros prejudicados pela conjectura do novo capitalismo. Moveu – como bom humanista – bem os ressortes xenófobos contra Roma. Ademais de outros modos, lançou o panfleto de referência Bulla Decimi Leonis contra errores Martini Lutheri et sequatium. Sobre sua pessoa, atividade, etc., cf. a obra clássica de P. Kalkoff, Ulrich von Hutten und die Entscheidungsjahre der Reformation, Leipzig 1920, e a mais atual de K. Kleinschmidt, Ulrich von Hutten, Berlim 1955.
[9] Tomás Murner (1475-1537) um dos escritores satíricos antiluteranos de maior altura e genialidade. Entre outros escritos neste ano crítico a que Lutero alude, lançaria o que mais lhe deu fama, e o mais violento, em tom de epopeia Sobre os loucos luteranos (1522).
[10] Refere-se a Alfeld.


Extraído de Teófanes Egido, org., Lutero – Obras (Salamanca, Ediciones Síguime, 4ª ed., 2006), pp.. 380-381.
Tradução com introdução em 31 de Maio de 2014.
Rev. Ewerton B. Tokashiki
Pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Porto Velho
Professor de Teologia Sistemática do SPBC-RO.

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