(1)
Assim o nosso exame do estado de humilhação está completo. O estado de exaltação é aquele em que Cristo foi ressurreto da morte, recebido no céu, exaltado à mão direita de Deus o Pai e elevado à mais alta glória.
PROPOSIÇÕES
I. A causa eficiente de sua exaltação é toda a Santa Trindade.
II. Considerando da perspectiva da economia divina, o Filho de Deus é o seu objeto.
III. A exaltação da pessoa de Cristo, o Deus-homem, recebe lugar em cada natureza.
IV. Na natureza humana ele foi exaltado pela remoção das fraquezas que assumiu, e por receber os dons que não tinha formalmente possuído; ele alcançou, tanto no corpo como na alma, o máximo da perfeição que uma criatura é capaz.
V. Na natureza divina ele foi exaltado, não por adição de algo à sua natureza, mas pela revelação de sua majestade, formalmente escondida sob a forma de um servo.
VI. Cristo alcançou esta exaltação por sua obediência, que não lhe deu mérito por ela, mas foi o caminho ou meio pela qual ele a obteve.
VII. O propósito da exaltação é dar um testemunho de que ele pagou plenamente os deveres depositados sobre ele pelo Pai em sua humilhação, e também uma revelação do poder divino pelo qual ele efetivamente nos aplica os seus méritos.
(2)
Há três estágios da exaltação: ressurreição, ascensão ao céu e sessão[1] à mão direita de Deus o Pai.
(3)
A ressurreição é o primeiro estágio da exaltação, pela qual Cristo, após vencer o poder da morte, ressurgiu ao terceiro dia na mesma carne que tinha sepultado, e na qual poderá viver para sempre com Deus.
PROPOSIÇÕES
I. Cristo não é apenas o objeto, mas também a causa eficiente de sua própria ressurreição. Rm 1:4: “E foi designado Filho de Deus com poder, segundo o espírito de santidade pela ressurreição dos mortos”. 1 Pe 3:18: “Morto, sim, na carne, mas vivificado no espírito”.
II. A ressurreição ocorreu [materia] no mesmo corpo que foi crucificado, mas habitado com novas qualidades e glorificado.
III. Ele não sofreu mudanças como a cessação de ter quantidade e três dimensões. Se isso ocorresse, ele não poderia ser um corpo, e Cristo não poderia permanecer humano[2] após a sua exaltação.
IV. A forma da ressurreição foi uma nova e indivisível união do corpo e da alma.
V. Todavia, a ressurreição de Cristo foi completamente miraculosa, é falso dizer que a pedra esteve fechada contra o seu corpo no sepulcro, ou que após a ressurreição ele passou através da porta fechada. Mt 28:2: “um anjo do Senhor desceu do céu, chegou-se, removeu a pedra”. Jo 20:19: “Quando as portas estavam fechadas” e não “através das portas fechadas”.
VI. O propósito da ressurreição é, além da menção geral acima, a garantia [certitudo] de nossa ressurreição tanto da morte do pecado, como da morte do corpo (Rm 6:1-3, etc.; 1 Co 15:12, etc.).
(4)
A ascensão ao céu é o segundo estágio da exaltação de Cristo. Cristo por ela, após passar quarenta dias sobre a terra após a sua ressurreição, ascendeu ao céu.
PROPOSIÇÕES
I. Cristo ascendeu ao céu de acordo com a sua natureza divina e humana. A natureza humana foi objeto da ressurreição; a divina foi a causa eficiente.
II. A forma da ascensão consiste de uma passagem real e local de Cristo deste mundo para o mais alto céu.
III. Não há necessidade aqui de detalhada investigação de como os corpos penetram um com o outro, tanto por causa do céu, como os filósofos têm ensinado, não é sólido, denso, ou corpo rígido, e também porque, se um corpo responde à influência de um corpo, certamente uma criatura responde facilmente ao criador.
IV. A doutrina da presença física de Cristo sobre a terra destrói [penitus] completamente a ascensão de Cristo.[3]
V. O especial propósito da ascensão de Cristo é a garantia [certificatio] de nossa ascensão em três sentidos: primeiro, a elevação da fé e da piedade nesta vida; segundo, da alma na morte; e terceiro, do corpo no último dia.
(5)
A sessão de Cristo à mão direita de Deus o Pai é aquele mais alto e final estágio de Cristo, pelo qual ele foi recebido no céu e posicionado acima de todo poder. Ef 1:20-22: “O qual exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos e fazendo-o sentar à sua direita nos lugares celestiais, acima de todo principado, e potestade, e poder, e domínio, e de todo nome que se possa referir não só no presente século, mas também no vindouro. E pôs todas as coisas debaixo dos pés e, para ser o cabeça sobre as coisas, o deu à igreja”.
PROPOSIÇÕES
I. O sentar à mão direita de Deus é para ter poder como o segundo, após Deus. Este [procedimento] vem dos costumes dos reis, que assentavam à sua direita àqueles que eles promoviam principal honra, abaixo da sua, conforme concedida. Sl 45:9: “Filhas de reis se encontram entre as tuas damas de honra; à tua direita está a rainha adornada de ouro finíssimo de Ofir”. 1 Rs 2:19: “O rei se levantou a encontrar-se com ela e se inclinou diante dela; então, se assentou no seu trono e mandou pôr uma cadeira para sua mãe, e ela se assentou à sua mão direita”. Mt 20:21: “Manda que, no teu reino, estes meus dois filhos se assentem, um à tua direita, e o outro à tua esquerda”.
II. Cristo assenta-se à mão direita de Deus como Deus-homem, isto é, com ambas as naturezas.
III. A natureza humana sendo exaltada de tal modo, mas não posicionada no mesmo nível que a divina. Ela recebe glória maior do que qualquer [outra] criatura, mas não significa equivalência essencial de glória que [Cristo] compartilha com o Pai e o Filho.
(6)
1. Cristo neste estágio final de exaltação nunca cessa de realizar os seus ofícios.
2. Como ofício profético: [ele o realiza] concedendo dons aos seus servos [ministri] que antigamente foram procedentes do Espírito Santo de modo especial [extraordinarie], mas são agora aplicados através de meios naturais, e pela proclamação do evangelho, através de todo o mundo com um mais notável sucesso (Ef 4:11: “Ele concedeu alguns para serem apóstolos”, etc.).
3. Ele realiza o ofício sacerdotal, não pela contínua oferta de si, nem pela se inclinando sobre os seus joelhos diante do Pai, com lamentos e prantos, mas vem diante do Pai, como nosso representante, com os méritos de sua absoluta satisfação realizada, e pela eficaz aplicação deste mérito a nosso favor. Sl 110:4: “O SENHOR jurou e não se arrependerá: Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque”. Hb 9:24: “Porque Cristo não entrou em santuário feito por mãos, figura do verdadeiro, porém no mesmo céu, para comparecer, agora, por nós, diante de Deus”.
4. Finalmente, ele realizou o ofício real, não apenas liderando a igreja triunfante, mas também reunindo, preservando e protegendo a igreja militante e subjugando os seus inimigos (Sl 110:1: “Disse o SENHOR ao meu senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés”).
PROPOSIÇÕES
I. Este reino de Cristo não é essencial ao que ele sustenta desde a eternidade com o Pai e o Espírito Santo, mas é um reino pessoal, que lhe foi dado, e universal [personale, donativum, et oecumenicum], que ele recebeu do Pai como o nosso cabeça e mediador.
II. Por isso, ele governará este universo [“ecumênico”] reino para sempre. 2 Sm 7:13: “Este edificará uma casa ao meu nome, e eu estabelecerei para sempre o trono do seu reino”. Lc 1:33: “Ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o seu reino não terá fim”. Não há contradição entre estas palavras e aquelas que do Pai para o Filho: “até que eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés” [Sl 110:1]. Isto não significa que Cristo não reinará extensivamente, após a sua vinda final, mas que o tempo é vindo, quando ele conquistar todos os seus inimigos. Palavras como “até que” não excluem uma ação futura, nem negam ou afirmam alguma coisa a seu respeito, embora muitas vezes tenha o mesmo sentido que “nunca”, por exemplo, Gn 28:15: “Eis que eu estou contigo, e te guardarei por onde quer que fores, e te farei voltar a esta terra, porque te não desampararei, até cumprir eu aquilo que te hei referido”. 2 Sm 6:23: “Mical, filha de Saul, não teve filhos, até ao dia da sua morte”. Mt 1:25: “Contudo, não a conheceu, enquanto ela não deu à luz um menino, a quem pôs o nome de Jesus”. Mt 28:20: “Ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século”. Nem enfraqueceu [nosso caso] quando é declarado que o reino será entregue ao Pai, e ele se sujeitará ao Pai, de modo que Deus seja tudo em todos (1 Co 15:24-28). A entrega do reino não é, para o apóstolo, a abdicação do ofício real, mas deve ser entendido que neste caso o reino significa a igreja, segundo a linguagem comum da Escritura. Por isso, ele entregará o reino ao Pai quando der toda a igreja à ele. E a sua sujeição não destrói o reino de Cristo; Cristo como mediador está subordinado ao Pai em glória, assim ele será, e manterá o nosso reino, embora como nós, ele se sujeitará ao Pai. Pode ser objetado que ele já se sujeita ao Pai. Isto é verdade, mas não no mesmo sentido [simpliciter]. É verdade que no presente ele está sujeito ao Pai com a igreja que, como cabeça, ele está unido, mas ainda não plenamente; na consumação ele se unirá com todos os membros da igreja [una cum omnibus], de modo que todo o [corpo] místico de Cristo [totus mysticus Christus] se sujeitará ao Pai. Finalmente, que Deus será tudo em todos, não deve ser entendido como significando que hoje ele não é tudo em todos, ou que ele está progredindo o seu governo, num sentido próprio, nalgum tempo futuro; mas esta é a maneira comum na Escritura, pela qual algo que é anunciado como verdadeiro é proclamado como se ele fosse ser realizado no futuro; o significado então é que, embora a neste mundo o reino de Deus esteja impedido e obscurecido pelos inimigos, todavia, quando os inimigos estiverem derrotados, se tornará evidentemente claro que o reino está no firme controle de Deus e de seu Cristo.
NOTAS:
[1] Isto é, “assentar-se”; o termo será familiar aos leitores dos antigos teólogos reformados. Nota de John W. Beardslee III.
[2] Homo, “homem” e não “um homem”. Veja Livro I, capítulo XVI, seção (4). Nota de John W. Beardslee III.
[3] Um importante ponto contra os luteranos. Francis Turrentin sustenta-a, embora insista que não exista uma diferença “fundamental”, nem barreira para a intercomunhão. Veja este ensaio publicado por J.A. Turrentin, Opera, III, 154-157 (em francês). Nota de John W. Beardslee III.
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