31 de Março de 1518[1]
A seu pai e superior em Cristo.
Jesus. Meu pai no Senhor: ao andar ocupado em tantas coisas me vejo forçado a comunicar-lhe pouquíssimas outras. Em primeiro lugar, creio que meu nome fede para muitos. Há algum tempo muitas pessoas boas atribuem-me condenar os rosários, coroas, ofícios fúnebres, e outras orações e até qualquer boa obra. O mesmo ocorreu a são Paulo, a quem imputavam ter declarado “façamos o mal para que o bem aconteça”.[2] O que ensino, continua sendo a teologia de Tauler e do livreto de Christian Aurifaber que você mesmo editaste, é que os homens depositem a sua confiança, não em orações, nem em méritos, nem nas próprias obras, mas, somente em Jesus Cristo, porque não nos salvaremos por correr, mas pela misericórdia de Deus.[3] Desta minha preocupação, eles tiram veneno que, como você pode ver, andam espalhando. Mas o mesmo que não comecei, tão pouco retrocederei em meu empenho movido pela fama ou pela infâmia. Deus haver de julgar.
Esses mesmos doutores escolásticos atiçam o ódio contra mim, tanto em força como em fervor, de seu zelo e estão a ponto de enlouquecer, pela simples razão de que antes que a eles, eu prefiro aos escritores escolásticos e a Bíblia. E é que leio aos escolásticos com discrição, não com olhos fechados (como é seu costume), sendo que o apóstolo preceituou “provai tudo, e retende o que é bom”.[4] Não os rejeito em tudo, nem tão pouco, os aprovo em tudo. Estes tagarelas costumam tomar a parte pelo todo, a converter a faísca em incêndio, e a mosca em elefante. Graças a Deus não me causam preocupação, nem mesmo os menores destes fantasmas. É puro palavreado e não passarão disso. Se foi permitido a Scotus, Gabriel e a outros semelhantes discordar de são Tomás, e se aos tomistas não lhes está vedado contradizer a tudo o que se ponha adiante, nem que entre eles existam tantas divisões como cabeças, ou inclusive como crinas de cada cabeça, por quê não me concederiam o meu esgrimir contra eles o mesmo direito que arrogam contra si? Se Deus agir, ninguém poderá impedi-lo, ninguém poderá levantá-lo se está descansando.
Adeus e rogue por mim, e pela verdade divina onde quer a encontre.
Wittenberg, 31 de Março de 1518. Fr. M. Eleutherius, agostiniano.
NOTAS:
[1] WA Br 1, 160. Johannes de Staupitz (falecido em 1524), vicário geral de Lutero agostiniano, é um personagem presente desde os seus primeiros anos na religião, como representante da bondade compreensiva. Lutero sempre lhe foi agradecido, mas não conseguiu envolve-lo na Reforma. Ver cartas seguintes e, em especial, a que Lutero lhe escreveu em 17 de Setembro de 1523. Cf. D.C. Steinmetz, Misericordia Dei. The Theology os Johannes Staupiz, Leiden 1968.
[2] Rm 3:8.
[3] Rm 9:16.
[4] 1 Ts 5:21.
Traduzido de Teófanes Egido, org., Lutero – Obras (Salamanca, Ediciones Síguime, 4ª ed., 2006), pp. 376-377.
Tradução em 22 de Fevereiro de 2014.
Rev. Ewerton B. Tokashiki
Pastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Porto Velho
Professor de Teologia Sistemática do SPBC-RO.
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