Franciscus Junius
1. A teologia significa o discurso do próprio Deus, ou discurso ou raciocínio sobre as coisas divinas. Para esta definição, usamos as palavras de Agostinho de A Cidade de Deus 8.1. Também falaremos sobre o segundo significado (capítulo 1).
2. O próprio assunto, bem como o consentimento de todas as nações, demonstra que a teologia existe. O assunto mostra, porque é verdade que Deus existe e que Ele é o princípio de todo bem no universo; e que Deus fala e age. O consetimento de todas as nações evidencia isto, pois a luz da natureza reconhece que a teologia existe.
3. Mesmo que todos acreditem que a teologia existe, no entanto, é comumente falado de duas maneiras. Para uns a teologia é verdadeira, e para outros é falsa e sujeita a opinião.
4. Existem dois tipos de teologia falsa. Uma é comum, enquanto o outro é filosófico. O tipo comum é o que, descansando nos princípios incompletos de nossa natureza, não se eleva além do que por meio do raciocínio. O tipo filosófico é o que através de um erro de raciocínio se dissipou em falsas conclusões e deu origem à teologia supersticiosa, natural e civil desses princípios.
5. Teologia é sabedoria concernente aos assuntos divinos (capítulo 2).
6. Esta teologia é arquetípica,[1] sem dúvida, a sabedoria do próprio Deus, ou é ectípica, sendo moldada por Deus (capítulo 3).
7. A teologia arquetípica é a sabedoria divina dos assuntos divinos. De fato, nos firmamos nessa premissa e não procuramos rastreá-lo (capítulo 4).
8. A teologia de ectípica, se tomada em si mesma, como diz, ou relativamente em relação a outra coisa, é a sabedoria dos assuntos divinos, moldada por Deus a partir do próprio arquétipo, através da comunicação da graça para a sua glória (capítulo 5).
9. E, portanto, essa tal teologia tomada em si, na verdade, é toda a sabedoria dos assuntos divinos, comunicável com o que foi criado de acordo com a capacidade de quem a comunica.
10. Mas a teologia que é relativa à sabedoria dos assuntos divinos comunicadas às coisas criadas, de acordo com a capacidade das próprias criaturas. Além disso, é comunicado por união, visão ou revelação.
11. A teologia, que chamamos de união, é toda a sabedoria dos assuntos divinos, comunicada a Cristo como Deus-homem, isto é, como o Verbo feito carne, segundo a sua humanidade (capítulo 6).
12. A teologia da visão é aquela que foi comunicada aos anjos e aos espíritos dos santos consagrados ou aperfeiçoados no céu (capítulo 7).
13. A teologia da revelação é aquela que é comunicada à raça humana. Este é o tipo que você também não pode rotular de forma insatisfatória a nossa teologia (capítulo 8).
14. O modo, além disso, de comunicar esta teologia é duplo, pela natureza e pela graça. O primeiro acontece como um princípio interno de comunicação. O último, por um princípio externo do primeiro. Assim, acontece que a teologia é denominada natural e a outra sobrenatural (capítulo 9).
15. A teologia natural é aquilo que decorre de princípios conhecidos em relação a si, pela luz natural do entendimento humano, proporcionalmente ao método da razão humana (capítulo 10).
16. A concepção desta teologia natural no entendimento humano trata de coisas comuns, e é velada e imperfeita. Mais ainda há necessidade de derivar a sua perfeição da teologia sobrenatural.
17. Este era o estado da teologia natural em Adão, quando a natureza estava intacta: a partir de princípios compartilhados, velados e imperfeitos, tinha que ser nutrido e causado a crescer por meio do raciocínio e depois aperfeiçoado pela graça.
18. Msmo depois que essa natureza foi corrompida, esses primeiros princípios ainda permaneceram nos indivíduos. Eles ainda eram compartilhados, velados e imperfeitos. Mas agora eles estavam completamente comprometidos em si mesmos e bastante confusos entre si,[3] como se fossem apenas fragmentos quebrados de nossa natureza, por causa da nossa depravação.
19. E, portanto, essa teologia é incapaz de conduzir algo para a perfeição, nem nunca fez isso. E nem sequer é capaz, por si só, de conter a perfeição que é adicionada pela graça.
20. Consequentemente, era necessário que a teologia inspirada chegasse ao auxílio do homem. Chamamos essa teologia de sobrenatural por sua origem, e também de uma teologia da revelação por causa do seu modo de comunicação (capítulo 11).
21. A teologia sobrenatural, além disso, é a sabedoria dos assuntos divinos, que decorre dos primeiros princípios que são conhecidos em relação a si mesmos, pela luz de um conhecimento superior, além do modo da razão humana.
22. O raciocínio desta teologia sobrenatural é duplo: pois é absoluto e em relação a si mesmo, de acordo com o método de quem o comunica. Ou é relativo, de acordo com a escassa medida daqueles a quem essa comunicação vem.
23. A nossa teologia é absolutamente a sabedoria das coisas divinas inspiradas por Deus de acordo com a verdade divina. Foi confiado aos seus servos através da palavra pronunciada em Cristo, e selada tanto no Antigo como no Novo Testamento através dos profetas, apóstolos e evangelistas, tanto quanto foi apropriado para nos ser revelada aqui para sua própria glória e o bem dos eleitos (capítulo 12).
24. O material[4] desta teologia é composto dos assuntos divinos: é claro, Deus e quaisquer assuntos que sejam organizados em relação a Ele, como era apropriado para a instrução sobre a natureza, as obras e a lei do próprio Deus (capítulo 13).
25. A forma da teologia é a verdade divina. Na teologia isto é considerado de duas maneiras. Pois é considerado como um todo, ou parte do todo como é em si mesmo. Ou, certas partes são consideradas junto com outros mutuamente quando admitem uma comparação apropriada (capítulo 14).
26. Essa verdade é santa, justa e perfeita. Sem dúvida, não ensina nada profano, injusto e imperfeito, e não deixa de ensinar nada santo, justo e perfeito, para que possamos guiar-nos tão perfeitamente quanto possível para promover a santidade em nós, a justiça para com todos os demais, e perfeição em todas as coisas.
27. E então, esta teologia é uma, eterna e imutável. Para o que é necessariamente verdadeiro, o mesmo é necessariamente um; o que é justo e santo não pode deixar de ser justo e santo. Finalmente, o que é perfeito em relação a Deus, também o é completa e continuamente imutável.
28. Nós postulamos que a causa eficiente de nossa teologia é dupla: uma parte é principal, enquanto a outra instrumental (capítulo 15).
29. A principal causa eficiente e absoluta de nossa teologia é Deus o Pai no Filho através do seu próprio Espírito, que inspira a vida, como Ele é o único autor e o mais alto e perfeito criador dessa sabedoria em seus servos.
30. A causa instrumental desta sabedoria é o λόγος προφορικός,[5] ou o discurso enunciativo de Deus: é falado tanto espiritualmente, e quando é corpóreo, então corporalmente.
31. A causa final da teologia é dupla: uma é distante ou muito exaltada. A outra, de fato, é secundária e segue da primeira, e é (como eles dizem) subordinada a ela (capítulo 16).
32. O primário ou o mais alto fim da teologia é a glória de Deus, pois a teologia mostra essa glória para que todos possam contemplar, e também todos os homens bons, por meio do correto uso dessa sabedoria, confirmam essa glória, assim como a sabedoria é justificada por seus filhos.[6]
33. O fim secundário ou subordinado de nossa teologia é o bem presente e futuro dos eleitos. Por promessas para esta vida e a que virá, feitas com referência à sua justiça. Esta teologia, além disso, é a sabedoria da verdadeira justiça.
34. A nossa teologia relativa, ou a teologia chamada no conteúdo, é a mesma sabedoria de assuntos divinos, alterada de acordo com o raciocínio das pessoas em quem está presente e, como consequência, são chamados teólogos (capítulo 17).
35. O método desta teologia no assunto não pode ser delimitado, tanto porque varia em cada pessoa como porque é muito diferente entre todos os homens.
36. O método varia em cada homem, porque em cada um é um duplo princípio presente, natureza e graça. O primeiro merece ser diminuído, o último aumentado, de glória a glória pelo poder do Espírito e pela efetiva comunicação da teologia.
37. Ela varia entre todos os homens, porque a natureza é diminuída e a graça aumentada mais em alguns do que em outros, mesmo que atualmente nenhum homem compreenda perfeitamente toda a forma de nossa teologia em todos os aspectos.
38. E, de fato, os profetas e os apóstolos perceberam toda e completa forma desta teologia, mas não perfeitamente em si mesmas; e pelo poder único do Espírito, todos os outros transmitiram essa teologia completa,[7] embora nem total nem perfeitamente.
39. E assim, a forma de nossa teologia é, de fato, em si mesma uma, como dissemos antes, mas entre nós é múltiplo em seu modo, e permanecerá assim, até atingir a unidade da fé e o conhecimento do Filho de Deus, nos tornamos juntos um homem maduro e somos trazidos à medida da estatura da igreja, que é a plenitude de Cristo (capítulo 18).
NOTAS:
[1] ἀρχέτυπος.
[2] θεανθρώπῳ.
[3] As gradações aqui estão bem agradáveis, isto é, entre sese corruptissima and inter se conturbatissima.
[4] Junius usa o substantivo materia, e em 25 tratará da forma, assim caussa efficiens em 28 e 29, e instrumentalis caussa e 30. Ele claramente tem em mente a aetiologia de Aristótes de Metaphysics 5.
[5] Isto é, a palavra falada. Este termo possuí precedente importante na literatura Patrística.
[6] No capítulo 16 Junius citará Mateus 11:19 depois desta tese. Ela também está fundamentada em Lucas 7:35.
[7] Ou seja, eles transmitiram tudo o que receberam, embora eles mesmos não possuíram perfeitamente o todo, mesmo que o tenham recebido como um todo.
Franciscus Junius, A Treatise on True Theology - with the Life of Franciscus Junius (Reformation Heritage Books, Grand Rapids, 2014).
Tradução de Rev. Ewerton B. Tokashiki
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